[ISSN 1825-0300]

 

N. 9 – 2010 – Memorie/Tradizione-repubblicana-romana-III

 

 

Ronaldo Rebello de Britto Poletti*

Universidade de Brasília

 

Municípios e poderes tribunícios

 

 

 

Sumário: 1. Três temas para reflexão em face da secessão plebéia. – 2. Direito de resistência aos governos injustos. – 3. O município no Brasil vindo de Roma por Portugal. – 3.1. No Brasil independente. – 3.2. Na República. – 3.3. Na Constituição de 1988. – 4. Por detrás da seara histórica do município brasileiro. – 5. Maior domínio na representação política. Uma analogia possível: os representantes (patriciado) e os munícipes (plebe). – 6. Município e resistência. O defensor do povo e seus eventuais poderes.

 

 

1. – Três temas para reflexão em face da secessão plebéia

 

As comemorações da secessão da plebe, seu juramento no Monte Sagrado, a criação da magistratura tribunícia, sugerem três direções para uma reflexão contemporânea na construção constitucional do futuro, fundada na permanência de idéias e de experiências e tendo em vista a realidade do município.

Primeira. A resistência aos governos injustos, cujo exemplo inédito na história é a revolução da plebe.

Segunda. A resistência do povo nos municípios, onde o homem concreto está situado, em face da representação liberal.

Terceira. A possibilidade de um sistema político que integre, em uma síntese, duas forças contrárias (cidades, estamentos, classes, não importa), como foi a república patrícia-plebéia.

 

 

2. – Direito de resistência aos governos injustos

 

A secessão da plebe há dois mil e quinhentos anos e a criação do tribuno da plebe foi, provavelmente, o primeiro exemplo do exercício do direito de resistência, o qual se projetou nos tempos futuros como um dos direitos fundamentais do homem e do povo.

Este “direito” veio a constar de várias declarações de direitos, porém não de resistência violenta, e quando menos como um direito implícito. Ele não consta, por exemplo, da Declaração de Direitos da Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil, não obstante essa Declaração seja um dos pontos considerados mais abrangentes daquela Lei Maior brasileira.

Está, todavia, presente na Declaração dos Direitos Humanos da Assembléia das Nações Unidas, de 6 de dezembro de 1948. Um dos seus consideranda afirma ser

 

«essencial, para evitar que o Homem se veja compelido a rebelar-se – como último recurso – contra a tirania e a opressão, que os direitos humanos sejam protegidos por um regime jurídico»

 

e o art. 8 dispõe:

 

«todos têm direito a um recurso efetivo perante os tribunais nacionais competentes por atos que violem seus direitos fundamentais outorgados pela Constituição ou pela Lei».

 

E se não houver tribunais ou forem eles omissos e inoperantes ou controlados pelo poder violador dos direitos fundamentais? E se o sistema político, por si só, impedir a possibilidade de reação, ainda mais se o sistema mascarar uma falsa “democracia”, por intermédio de técnica dissimuladora e ficta de eleições e de representação?

O direito de resistência aos governos injustos não mais tem constado nos ordenamentos positivos, ainda mais sob a qualificação de resistência “violenta”. No entanto, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, estabeleceu que os governos são instituidos para assegurar os direitos inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade, além da condição de igualdade com que nascem todas as criaturas humanas:

 

«... quando qualquer forma de governo se torna ofensiva destes fins, é direito do povo alterá-la ou aboli-la, e instituir um novo governo, baseando-o nos princípios e organizando os seus poderes pela forma que lhe pareça mais adequada a promover a sua segurança e felicidade. A prudência aconselha a não mudar governos há muito estabelecidos em virtude de causas ligeiras e passageiras; e, na verdade, toda experiência tem demonstrado que os homens estão mais dispostos a sofrer males insuportáveis do que a fazer justiça a si próprios, abolindo as formas a que estão acostumados. Mas, quando uma longa sucessão de abusos e usurpações, visando invariavelmente o mesmo fim, revela o desígnio de os submeter ao despotismo absoluto, é seu direito, é seu dever, livrar-se de tal governo e tomar providências para bem da sua segurança ...».

 

Na Revolução Francesa, o art. 2 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, proclamava:

 

«O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência á opressão».

 

A Declaração do Ano I, de 24 de junho de 1793, já republicana e sob a influência de Robespierre, é mais clara e mais incisiva:

 

«Art. 33. A resistência à opressão é conseqüência dos outros direitos do homem. Art. 34. Há opressão contra o corpo social quando um só dos seus membros é oprimido. Há opressão contra cada um dos membros quando o corpo social é oprimido. Art. 35. Sempre que o Governo viola os direitos do povo, a insurreição constitui, para o povo e para cada porção do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres».

 

O direito de resistência mereceu a reflexão de Santo Tomás de Aquino, no De Regimine Principium, moderando-o e fixando-lhe os fundamentos doutrinários. «Se não houver excesso de tirania é mais prudente suportá-la por certo tempo do que agir contra o tirano, de modo a suscitar muitos perigos que são mais graves do que a própria tirania. Pode, com efeito, suceder que a tentativa de derrubar o tirano não surta efeito e resulte, ao contrário, num agravamento da tirania. Se, porém, for possível derrubar o tirano, dessa mesma vitória provêm muitas vezes graves dissenções no meio do povo. Quer durante a revolução, quer depois de derrubado o tirano, separa-se o povo em muitos partidos quando se trata de organizar o novo regime. Sucede que o povo se sirva, durante a revolução, de certos auxiliares que, depois de derrubado o tirano, apoderam-se do poder e venham a oprimir os súditos ainda mais pesadamente, temendo sofrer de outros o mesmo que fizeram sofrer»[1].

Alceu Amoroso Lima elabora interessante resumo sobre o tema, sintetizando em três os perigos que Santo Tomás vê nas revoluções: a) um agravamento da tirania caso não seja vitoriosa; b) a luta entre os vencedores, no caso de ser derrubado o regime anterior; e c) a possibilidade de vir um novo tirano pior que o antecedente.

 

«... conclui a sabedoria do filósofo que é melhor suportar durante algum tempo uma tirania moderada do que recorrer precipitadamente a remédios que por vezes são mais fortes não só do que a moléstia, mas ainda do que o próprio doente».

 

No entanto, o governo tirânico pode ser intolerável. Nesse caso: Videtur autem magis contra tyrannorum saevitiam non privata praesumptione aliquorum, sed auctoritate publica procedendum (Contra a violência dos tiranos parece que se deve proceder recorrendo à autoridade pública e não à ousadia dos cidadãos particulares) (De Regimine Principum, VI). São três as condições gerais, segundo Santo Tomás, para que uma revolução seja legítima: a) haver um excesso de tirania, excessus tyrannidis”; b) a iniciativa pertencer à autoridade pública e não a quaisquer particulares, non privata praesumptione aliquorum, sed auctoritate publica procedendum, isto é, pertencer àqueles que escolhem os governantes ou os fiscalizam; c) esgotando-se os meios justos, só se recorra à misericórdia divina, nunca aos meios injustos.

Um eminente professor brasileiro, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Goffredo Telles Júnior, na década de 50, desenvolveu importantes estudos sobre o tema, que foram publicados e divulgados em inúmeras revistas[2]. Além de ampla pesquisa sobre os textos constitucionais históricos, Goffredo desenvolve a relação do direito de revolução com a categoria do direito subjetivo, sempre referido a uma norma objetiva, traçando considerações sobre a existência, ou não, da legalidade e legitimidade das revoluções. Não haveria mais normas jurídicas para sustentar o direito subjetivo às revoluções. As revoluções somente se legitimam quando triunfam. A resistência violenta não é um direito, é um fato. Um governo pode ser injusto por sua origem ou por seu funcionamento. Por origem: instalado pela força ou pela fraude, sem atenção para as idéias constitucionais do grupo, não sendo fruto de uma exigência do poder legítimo (o poder não emana do povo). Um governo injusto na origem pode transformar-se em justo por funcionamento, ou vice versa. Um governo injusto pode existir por erro ou por abuso. De qualquer maneira, é preciso tomar cuidado com as revoluções. Jackson de Figueiredo teria afirmado que «a melhor revolução é pior do que a pior legalidade»[3].

 

 

3. – O município no Brasil vindo de Roma por Portugal

 

O município é uma criatura de Roma. O município romano assume em Portugal uma forma peculiar, sendo depois transplantado para o Brasil, onde modificações foram introduzidas pelos diversos regimes jurídicos e situações de fato a que foi submetido.

O tema histórico-jurídico e político do município, cujo conceito está próximo da idéia de civitas, tem implicações com a construção, garantia e aprimoramento da cidadania e da democracia. Não se confunda a civitas com a urbs, que é uma forma tardia da primeira. A civitas é onde efetivamente está o cives, ou o cidadão. A partir da civitas é que a política e cidadania se abraçarão[4].

No Brasil, há significativa bibliografia sobre o município, não obstante o tema venha sofrendo influências de natureza política, no sentido em que o município brasileiro tem sido objeto de diversos programas partidários, sempre voltados ao sucesso das eleições representativas e destinados a sensibilizar o eleitorado municipal, cuja força é inquestionável. Além disso, as doutrinas políticas podem suscitar diferentes colocações ideológicas[5], na defesa de maior ou menor autonomia. O ponto mais forte do poder político pode variar, conforme estiver situado em cada uma das pessoas jurídicas de direito público interno, com as quais o Estado brasileiro atua internamente: a União, os Estados membros e os Municípios.

Na Constituinte de 1946, houve um grande debate em torno da autonomia municipal, praticamente inexistente na Constituição anterior (1937 - Ditadura do Estado Novo)[6]. Criou-se, então, forte movimento municipalista, com o objetivo de ampliar a autonomia municipal, fortalecendo o poder político e financeiro da comuna[7].

Quaisquer que sejam as discussões sobre o municipalismo e as eventuais críticas a essa cadeia histórica, as raízes institucionais do Brasil passam pela península ibérica, a qual integrou o Império Romano e esteve sujeita ao governo provincial de Roma.

Sob o principado de Augusto, a Península compreendia três províncias: a Hispânia Tarraconense, a Bética e a Lusitânia.

Província era, primitivamente, o conjunto das atribuições conferidas em especial a um magistrado cum imperio. Os primeiros governadores eram pretores que recebiam as suas províncias. Com o tempo, a expressão “província” assumiu o significado de governo de território fora da Itália e, depois, de território submetido à jurisdição de um magistrado com império. As províncias eram senatoriais ou provinciae populi, quando administradas pelo Senado, ou províncias imperiais, quando confiadas pelo Senado ao Imperador. A Bética (atual Andaluzia) era senatorial e as outras duas imperiais. Em 212, Caracala criou uma nova província, com os territórios da Galiza e das Astúrias, mais tarde chamada Galécia. As províncias passaram também por muitas transformações nas suas estruturas jurídicas e administrativas[8].

O Governador Provincial administrava justiça aos cidadãos e aos não cidadãos, e nos primeiros tempos se deslocava em certas datas às principais localidades da província, onde os cidadãos romanos da vizinhança se reuniam: conventus civium Romanorum.

Dentro de cada província, a unidade político-administrativa era a civitas: a comunidade política indígena dotada de governo e leis próprias, até o século II, e, depois, também a comunidade organizada em moldes romanos. Havia comunidades urbanas e rurais. Marcelo Caetano chama cidades de tipo indígena as antigas comunidades que mantinham sua organização mais ou menos alterada pelo conquistador e denomina cidades de tipo romano aquelas comunidades reorganizadas segundo os critérios romanos ou fundadas pelos Romanos. As de tipo indígena são as estipendiárias e as cidades livres. As de tipo romano são as colônias e os municípios. As estipendiárias eram as cidades conquistadas pela guerra ou as que, na resistência, negociaram a tempo a sua rendição ao povo romano (deditio).

As cidades livres eram as comunidades urbanas que se governavam sob a forma republicana, conservando as suas próprias leis e instituições. Não pertenciam à província romana onde se situavam[9].

O município designa a cidade indígena acolhida na comunidade romana, variando no tempo os efeitos dessa integração.

Os cidadãos do município são cidadãos romanos, ora optimo iure, ora sine suffragio, que ficavam com o encargo (munus) de pagar o tributo a Roma e de lhe prestar auxílio militar.

 

Municipes apellantur muneris participes recepti in civitate ut munera nobiscum facerent (Digesto 50.1.1 - Ulpiano).

 

A pátria do munícipe era Roma: Roma communis nostra patria est (Digesto 50.1.33 - Modestino). Roma passou a funcionar como símbolo da integração entre as cidades.

No Império, município era qualquer cidade de tipo romano, mesmo se não tivesse havido plena integração no Direito Romano, mas fosse uma colônia fundada por romanos ou por latinos.

As relações entre o município e Roma eram regidas por uma lex municipalis. Lei para cada caso, mas que, posteriormente, foi assumindo certa uniformidade. Marcelo Caetano ensina:

 

«No princípio do Império, os municípios em geral gozavam de certa autonomia dentro dos limites de seu estatuto: cobravam receitas e gastavam os seus dinheiros no que bem lhes parecia, tinham leis próprias, magistrados para administrar justiça e alguns, embora poucos, cunharam moeda e levantaram tropas»[10].

 

No caso da civitas optimo iure, a lex institutiva outorgava plena cidadania - Aulo Gélio, nas Noctes Atticae escreveu: municipes ergo sunt cives Romani ex municipiis legibus suis et suo iure utentes. Tinham magistrados, certa jurisdição e suas próprias leis.

Nos municípios, até o século II d. C., havia os comitia curiata e os comitia tributa. Participavam dos comícios os cives, municipes, isto é, os homens livres considerados originados dele (origo) por qualquer das razões admitidas em Direito: nascimento, adoção, manumissão, admissão pelos comícios. O conjunto dos cidadãos formava o populus.

A assembléia ou conselho dos decuriões (ordo decurionum), chamado de Senado e depois de Cúria, era o mais alto órgão da administração municipal. Tal conselho era constituído por membros vitalícios, escolhidos dentre os antigos magistrados, pronunciava-se sobre assuntos de interesse da cidade e julgava o recurso de decisões dos magistrados.

Em tudo, esses municípios eram semelhantes ao modelo de Roma. O grau de intervenção do poder central variava, mas ainda no começo do século IV os governadores das províncias foram sensíveis aos queixumes dos povos e nomearam para os municípios um seu delegado, com a missão de proteger os habitantes contra os vexames dos magistrados: chamava-se defensor plebis ou defensor civitatis[11].

Plínio, o Antigo, na sua Naturalis historia, escrita no ano 80 d.C., livro IV, § 35, refere-se às cidades da Lusitânia, dentre elas a de um município de cidadãos romanos: Olisipo (Lisboa)[12].

Em seguida a essa notável influência do Direito Romano, houve a presença do Direito dos povos bárbaros, especialmente do Direito Visigótico.

Teriam as instituições municipais romanas resistido às invasões germânicas e até à ocupação muçulmana? Teriam permanecido em estado latente até ressurgirem após a reconquista, como pensava Alexandre Herculano? Marcelo Caetano sustenta que o município romano extinguiu-se no período bárbaro e não teve qualquer condição de persistir sob o domínio muçulmano[13].

No começo da monarquia visigótica, ainda havia a Cúria (cf. Código Visigótico V.4.19), mas sem importância prática e logo absorvida por autoridades designadas pelo rei. Durante alguns anos, todavia, a Cúria elegeu magistrados municipais (defensor e os cobradores e impostos). No século VII, os defensores passaram a ser designados pelo bispo ou pelo povo, porém com atribuições restritas.

O Código Visigótico faz referência, ainda, ao conventus publicus vicinorum (VIII.4.14 e 5.6), reunião de homens livres para tratar de assuntos vicinais.

Até o século VIII, as cidades conservaram as instituições municipais da época anterior, as quais se transformaram ou desapareceram pela intervenção do conde e de seu vigário no governo da cidade. Tais funcionários intervieram no referido conventus publicus vicinorum das aldeias ou povoados[14].

Na verdade, os povos bárbaros, em geral, admiraram-se em face das instituições romanas. No domínio ostrogodo, p. ex., manteve o antigo Senado romano, não obstante reduzido ao papel de Conselho Municipal da cidade de Roma[15]. Daí, talvez, a idéia de que passado o primeiro impacto das invasões bárbaras, o município antigo ressurgiu, quase intacto. Tal é a tese da chamada Escola Romanista (tudo se teria passado após a invasão como se ela não tivesse acontecido), em contraposição à Escola Germanista, segundo a qual os germanos haviam trazido um sangue novo que proporcionaria liberdade, progresso e vigor à latinidade decrépita[16].

No período do domínio muçulmano, a administração das cidades é mal conhecida. As mais importantes tinham um governador. As palavras árabes incorporadas à língua portuguesa revelam, no entanto, importância jurídica-administrativa: o juiz ordinário era o cadi, de al-cadi, donde alcaide (= alcaide, chefe militar). Para a polícia econômica das cidades, havia o juiz do mercado, almotacé, e para a cobrança dos impostos, o almoxarife. No entanto, depois da reconquista, parecem, mesmo a Herculano, restar “obscuros vestígios” do município moçarabe[17].

A palavra concelho (na referência a concelho municipal) já era usada no começo do século XIII. Indicava a comunidade dos vizinhos, que eram os “homens-bons”.

Marcelo Caetano elucida:

 

«O ponto de partida é o concilium, a assembléia dos vizinhos de uma povoação reunida para tratar dos seus interesses comuns. Isto pressupõe uma povoação de homens livres, que têm de resolver os seus problemas pelos próprios meios»[18].

 

A provável origem social dessas comunidades, antes do seu reconhecimento oficial, foi, segundo Marcelo Caetano, na trilha que Ataliba Nogueira defenderia quanto à origem do município brasileiro, a transformação da freguesia ou paróquia e da igreja, onde para os atos de culto se reuniam os fiéis, os quais, depois do culto, iam para o adro conversar sobre os interesses comuns. Os primeiros problemas a exigir a intervenção dos concelhos eram os econômicos - pastos e águas comuns, apascentação dos rebanhos, ajuda à lavoura e, depois, a necessidade de punir os que não cumpriam as decisões da comunidade. Quando a povoação tinha necessidade de tratar com outras povoações ou com o rei ou com o rico-homem, os mensageiros falavam em nome das assembléias, i. é, dos concelhos, o qual, assim, assume uma personalidade jurídica: uma coletividade com personalidade distinta dos indivíduos que a compõe. A pessoa coletiva atuava por intermédio de órgãos próprios. Essa assembléia dos vizinhos podia designar alguns de seus membros para a resolução de casos ou para a execução de deliberação: são os magistrados eventuais[19].

Sobre a origem desses concelhos, há significativa discussão. Alexandre Herculano sustenta a sua descendência no município romano, enquanto Sanchez Albarnoz, Gama Barros e Marcelo Caetano entendem que os vestígios das instituições municipais romanas conservadas no final da monarquia visigótica desapareceram durante o domínio mulçulmano[20].

Marcelo Caetano, no entanto, assinala que as semelhanças que se podem notar entre a organização dos concelhos medievais e as dos municípios romanos devem provir de duas origens: 1ª porque as mesmas necessidades, quando em análogas circunstâncias, fazem surgir as mesmas soluções; 2ª porque o clero, na leitura dos livros que conservavam a memória das instituições romanas, encontrava soluções ou fórmulas que fazia adotar, dando-se assim uma romanização do município medieval por via erudita que é, em muitos casos, inegável[21].

O Município português continuou a sua seara histórica, sofrendo depois da consolidação do Estado português, inúmeras influências, dentre elas a recepção do Direito Justinianeu em Portugal, além da fixação do direito consuetudinário local, com a redação dos costumes municipais nos diversos concelhos.

Já sob a influência do direito imperial romano, de 1385, início do reinado de D. João I até, aproximadamente 1454 (quando publicadas) foi elaborada a compilação que se chamou Ordenações Afonsinas (D. Afonso V)[22]. Do ponto de vista histórico, as cidades brasileiras, desde as suas fundações desempenharam um papel notável, notadamente na defesa do território. O historiador Hélio Vianna, ao fazer o elogio do sistema das capitanias hereditárias, cujo significado tem sido objeto de certa polêmica (seriam ou não ressurreição do regime feudal da Idade Média?), salienta que os franceses e seus aliados indígenas somente conseguiram fixar-se, durante algum tempo, onde os donatários não haviam se localizado (Rio de Janeiro, Sergipe, Paraíba, Rio Grande, Ceará e Maranhão). Ao contrário, onde foram fundadas as primeiras vilas, mesmo pequenas e fracas, foram rechaçados os entrelopos, corsários e piratas, franceses, ingleses e holandeses, que então corriam os mares: em São Vicente, no Espírito Santo, Ilhéus, Bahia e Pernambuco[23].

As primeiras vilas do Brasil foram a de São Vicente, fundada por Martim Afonso de Sousa, em 1532, e uma outra a nove léguas daquela dentro pelo sertão, à borda de um rio que se chama Piratininga. Narra Pero Lopes de Sousa, irmão daquele Capitão:

 

«... e repartiu a gente nestas duas vilas e fez nelas oficiais; e pôs tudo em boa obra de justiça, de que a gente tomou muita consolação, com verem povoar vilas e ter leis e sacrifícios, e celebrar matrimônios, e viverem em comunicação das artes; e ser cada um senhor do seu; e vestir a as injúrias particulares; e ter todos os outros bens da vida segura e conversável»[24].

 

Nesses municípios (São Vicente e Piratininga), não obstante regidos pelas então vigentes Ordenações Manuelinas, Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) sustenta:

Na capitania de Martim Afonso, que do nome da povoação capital se chamou de São Vicente, prosperam as duas vilas fundadas. O vigário Gonçalo Monteiro rege na marinha. O Sertanejo João Ramalho capitaneia no campo, e influi em Piratininga. É natural que desde logo em uma vila se organizasse um simulacro de câmaras municipais, com seus vereadores: - estes provavelmente seriam a princípio de nomeação, e não eleição; - pois não se poderia esta fazer, sem se apurarem os homens-bons que, em conformidade das ordenações, deviam ser os eleitores[25].

Os donatários das Capitanias tinham o poder, concedido por D. João III, de criar vilas, participando das eleições, outorgando-lhes insígnias e direitos, expressos em forais. As Câmaras Municipais somente podiam ser instaladas nas localidades onde houvesse a categoria de vila, concedida por ato régio[26].

As vilas mais importantes, fundadas de acordo com o sistema das Capitanias, no século XVI, foram as seguintes:

Conceição (Capitania de Itamaracá); Igaraçu e Olinda (Capit. de Pernambuco); São Jorge dos Ihéus (Capit. dos Ilhéus); Porto Seguro (Capit. de Porto Seguro); Espírito Santo e Nossa Senhora da Vitória (Capit. do Espírito Santo); São Vicente (antes da criação da Capitania); Todos os Santos ou Porto de Santos ou Santos, Santo André da Borda do Campo, cujos habitantes foram transferidos para São Paulo do Campo de Piratininga, Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém (Capitania de São Vicente).

Os governadores gerais não tinham a mesma prerrogativa dos donatários para criarem vilas, podendo fazê-lo somente por expressa ordem real, o que ocorreu na fundação de Salvador, em 1549, por Tomé de Sousa; em São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1565, por Estácio de Sá; Filipéia de Nossa Senhora das Neves, depois Paraíba (hoje, João Pessoa), em 1585, pelo ouvidor Martim Leitão; São Cristóvão do Rio de Sergipe, em 1590, por Cristóvão de Barros; e Natal, no Rio Grande, no fim do século, e que teve, apenas em 1611, a sua Câmara. Essas cidades litorâneas acompanharam as respectivas conquistas regionais, mas o desenvolvimento de São Paulo do Campo de Piratininga, porta do Sertão, teve um progresso autônomo[27].

O município brasileiro nasceu autônomo e seguiu o modelo do município português, não sendo, portanto, uma mera corporação administrativa. O período áureo da autonomia municipal brasileira ocorreu à época das Câmaras coloniais, logo depois sobrevieram a miúda interferência régia e a tutela imperial[28]. As municipalidades brasileiras, distantes dos negócios do reino, foram organizadas conforme originariamente estipularam as Ordenações Afonsinas (1446), mantidas as linhas gerais nas Ordenações Manuelinas (1514) e nas Ordenações Filipinas (1603).

No Brasil, apesar de vigentes, as Ordenações Afonsinas e as Manuelinas não foram aplicadas, mas as Filipinas tiveram amplo curso até a Lei de 1º de outubro de 1828, ou “Regimento das Câmaras Municipais do Império”, portanto após a independência.

Interessante anotar que os legisladores não criavam os concelhos, nem inventavam municípios, mas os reconheciam, dando-lhes personalidade jurídica.

As Câmaras municipais seriam compostas dos juízes pedâneos, seus presidentes natos, e de vereadores eleitos pelos homens bons, vale dizer pelos cidadãos que haviam ocupado cargos da municipalidade ou governança da terra, espécie de nobreza constituída em classe e ciosa dos seus privilégios[29]. Dessas Câmaras saíam os representantes do terceiro estado nas Cortes Gerais. Algumas Câmaras brasileiras se fizeram representar.

Insatisfeitas com as atribuições legais, elas se arrogaram outras. As reuniões das Câmaras de certas regiões (São Paulo e Minas Gerais) tomavam a feição de Cortes e, em Minas, chegou-se a usar esse nome. Elas promoviam a guerra e faziam a paz com os gentios, decretavam a criação de arraiais, convocavam juntas para discutir e deliberar sobre negócios da capitania, exigiam a presença de governadores no paço da Câmara para discutir negócios públicos, chegando a substituir governadores até que a metrópole tomasse as providências cabíveis. Houve grande conflito entre as Câmaras e as demais autoridades, demorando para que a metrópole conseguisse circunscrever os municípios aos assuntos de sua atribuição local.

Os oficiais da Câmara (juiz, vereadores, escrivão e procurador), eleitos[30] de três em três anos: reunido o conselho, os homens bons da terra e o povo, o juiz lhes pedia que nomeassem seis homens para eleitores. A eleição[31] era feita em escrutínio secreto, para que uns não soubessem quais os nomeados pelos outros. Apurados os votos pelo juiz e vereadores, eram proclamados os seis mais votados, os quais, divididos em três turmas de dois cada, elaboravam em cada turma um rol dos oficiais da Câmara, sendo eleitos e registrados em uma pauta os mais votados. Assinada e fechada a pauta, o juiz da eleição (geralmente o corregedor, o ouvidor ou o juiz de fora, formava três pelouros para juízes, três para vereadores, e assim para cada ofício[32].

Segundo as Ordenações inúmeras eram as atribuições dos vereadores: verificar os bens do concelho; promover a arrecadação de rendas; vigiar o estado dos caminhos, portos, fontes, calçadas e muros; tomar as contas dos tesoureiros; julgar alguns processos; acompanhar o andamento de obras. O juiz ordinário, ou do lugar, exercia a administração da justiça local através das vereações. Sua competência criminal limitava-se aos pequenos furtos e injúrias verbais. Em grau de recurso, julgavam as apelações da almotaçaria, isto é, do almotacé, fiscal de preços, tabelas, pesos, medidas e da limpeza urbana[33].

O Senado da Câmara[34] era uma modalidade da Câmara municipal e floresceu na Bahia, em São Luís do Maranhão, em Olinda e Belém, sendo criado no Rio de Janeiro em 11 de março de 1757. Teve uma esfera de poder limitada, mas também se arrogou em atribuições que invadiam a esfera dos governadores e até da Corte em Lisboa. Os exemplos maiores de insubmissão ocorreram em Belém e em São Luís[35].

O Senado da Câmara assumiu funções políticas além das de ordem econômica e local, originariamente a ele atribuídas. João Francisco Lisboa anota com muita razão, assevera Rocha Pombo, que o imenso poder que tiveram muitas Câmaras é um dos fenômenos mais extraordinários que oferece a história do regime colonial.

Qual seria a explicação desse fenômeno? J.F. Lisboa rejeita várias teorias, dentre elas a de que a tendência refletiria a metrópole, onde a instituição havia ressurgido, na metade do século XIV, das tradições romanas, decaindo e anulando-se, em seguida, em toda a Europa com a consolidação da realeza. Para o historiador maranhense, a explicação estaria no estado excepcional das colônias, cujos moradores expulsaram os franceses e os flamengos, além de dominarem os índios. Conquistaram, assim, pelas armas uma nobreza, que as usurpações dos senados das Câmaras mantinham. Rocha Pombo elogia os argumentos de J.F. Lisboa, mas insiste na importância das funções que teve o regime municipal em toda a Europa depois da dissolução do império e que «só afrouxou no século XIV. Nem é só na ordem administrativa local que se viriam reproduzir aqui na colônia instituições decadentes, ou mesmo já envelhecidas ou mortas lá no reino: na esfera do direito, dos costumes, das idéias, do culto, etc., o mesmo fenômeno poderia ser observado»[36]. O Senado da Câmara, qualquer seja a explicação, tinha um poder muito extenso, tanto no domínio português quanto no espanhol, e os exemplos do exercício desse poder ocorreram contra o governadores e até contra a Coroa.

No paço do Senado da Câmara, como nas repúblicas italianas da Idade Média [ou no fórum romano], centralizava-se a vida local, com a celebração dos atos públicos, a posse das autoridades da capitania ou do distrito, o registro dos títulos dos funcionários, a reunião do povo para exercer o seu direito de representação ou de queixa[37].

Ao instalar-se uma Câmara, celebrava-se a cerimônia do levantamento do pelourinho, símbolo do poder municipal, na praça fronteira ao edifício onde ela ia funcionar. As populações ansiavam esse alto predicamento que lhes assegurava a autonomia civil. Entusiasmavam-se pelo papel que assumia na vida do País, nunca compreendido como uma colônia ou feitoria da metrópole[38].

Algumas referências aos Municípios e às Câmaras coloniais são indispensáveis e envolvem temas de forte conotação contemporânea, como a citada projeção da criação de um novo império, as representações à Coroa pelo bem da terra com a nomeação de procuradores (mandato imperativo).

Com as Câmaras concorria diretamente o povo. Em todas as questões graves intervinha este como se fosse a autoridade suprema sem cujo concurso nenhuma resolução extraordinária seria autêntica. O governo da metrópole mandava sempre que em todos os casos excepcionais fossem ouvidos os povos[39].

Outro exemplo interessante reside na admissão junto às Câmaras dos mosesteres (na Bahia, desde o início do domínio espanhol), como representantes das classes populares e encarregados de concorrer com o poder municipal no dar os regimentos aos ofícios e taxar certos preços de mão de obra. Em Portugal, havia os tais mesteres, desde 1535, pelo menos. O cargo passou a ser denominado juiz do povo, descrito por Rocha Pombo como uma «espécie de tribuno romano, imperando pelo tumulto e pela arruaça».

«Ao tomar conta do governo – continua Rocha Pombo – como sucessor de d. Pedro de Melo [São Luís do Maranhão, meados do século XVII], estranhou Rui de Siqueira que houvesse ali aquela entidade política, e inquiriu a propósito os membros da Câmara. Disseram-lhe que não havia lei alguma criando semelhante cargo, mas que ‘estava nos costumes da terra’. Proscreveu-o o novo Governador; mas proscreveu apenas o título, pois que em vez do juiz do povo ficou o Procurador do povo, com as mesmas funções». «No Rio de Janeiro, a ingerência direta da opinião nas coisas do governo era ainda mais formal. Os Procuradores do povo constituíam uma verdadeira corporação, que se formava sempre que os negócios públicos o exigiam»[40].

As velhas Câmaras guardariam, tudo indica, um poder maior do que hoje ostentam. Os vereadores, pelo menos até independência, não tinham por que discutir a autonomia do município, nem a descentralização administrativa, pois tinham consciência de ter um governo próprio dirigido aos peculiares interesses da comuna[41].

Na verdade, com o século XVII, e vigência das Ordenações Filipinas, as municipalidades brasileiras assumiram um novo ordenamento jurídico. Os municípios continuaram com as atribuições de cuidar dos assuntos de ordem local, de natureza administrativa e policial, e até alguns judiciários.

Desde 1696 apareceram, no Brasil, os juízes de fora[42], nomeados pelo Rei, para os municípios mais importantes, em substituição aos juízes ordinários, competindo-lhes presidir a Câmara. Os demais funcionários municipais passaram, também, a ser nomeados: os juiz de vintena, os almotacés e quadrilheiros.

As Câmaras baixavam posturas e editais. De seus atos havia recurso para autoridades superiores, o Conselho Ultramarino, os corregedores de comarca, ouvidores-gerais ou da própria comarca.

Há divergência entre os historiadores a respeito da autonomia das Câmaras no período colonial. Enquanto João Francisco Lisboa a exalta, Capistrano de Abreu, Viveiros de Castro e outros a contestam[43].

No século XVII, com a conquista do Norte, foram criadas as povoações de Fortaleza (vila somente muito mais tarde), São Luís (Câmara em 1619) e Nossa Senhora de Belém; e com a conquista do Sul, surgiram municípios, em donatarias ou Capitanias reais: Paranaguá, São Francisco do Sul, Santo Antônio dos Anjos da Laguna, Curitiba.

Para a compreensão do papel e da importância dos municípios e das suas câmaras durante o século XVII, no Brasil colonial, é importante anotar que algumas concessões foram feitas às Câmaras, em comemoração à vitória contra os holandeses, em Salvador. Privilégios aos membros da Câmara dessa cidade foram outorgados e, em 1644, foi confirmada a criação de um juiz do povo, cargo extinto em 1713.

Significativo, outrossim, o fato de que os municípios foram mantidos na zona transitoriamente ocupada pelos holandeses no Nordeste[44].

No século XVIII, tivemos o mais prolongado dos dissídios municipais (a Guerra dos Mascates), justamente porque o Senado da Câmara de Olinda vetara que os comerciantes pudessem integrar a Câmara da vila de Recife; a consolidação das cidades mineiras, depois da Guerra dos Emboabas, para consolidar a pacificação; a criação de municípios nas fronteiras do Sul e do Norte. No Sertão, também, se buscou assegurar o povoamento luso-brasileiro, com a forçada secularização das aldeias de indígenas administradas por sacerdotes, muitas transformadas em vilas. Isso já se deu ao tempo do Marquês de Pombal, quando foram reguladas as relações entre Governadores e Câmaras. Essas já estavam em decadência, como órgãos de deliberação livre, tolhidas de diversas formas pela ação fiscalizadora de órgãos metropolitanos ou coloniais, administrativos ou judiciais[45].

A discussão sobre o município no Brasil colônia não se resume, tão-somente, ao problema da sua autonomia e ao da sua expressão como poder, nem a respeito da reminiscência curiosa nele de alguns institutos do Direito Público Romano, na longa caminhada do município português, de origem romana com posteriores influência visigótica e muçulmana. Os historiadores e sociólogos discutem, também, o caráter democrático, ou não, daquelas instituições, além de seu surgimento espontâneo ou artificial.

Dentro desse quadro, Oliveira Viana contribui de maneira significativa. Ele sustenta que no Brasil, até 1822, houve o regime do Estado-Império e que todos os funcionários da alta administração, mesmo local, não eram eleitos pelo povo da Colônia. As Câmaras municipais não teriam sido organizações democráticas, sim oligárquicas e aristocráticas. Nada teriam que ver com os “concelhos de aldeia” peninsulares, da época foraleira. As nossas Câmaras não teriam tido, na economia administrativa colonial, qualquer sentido fisiológico, orgânico, estrutural.

 

«Eram órgãos expletivos ou artificiais, para aqui trazidos e aqui armados como cousas importadas, sem correspondência orgânica com a estrutura da sociedade colonial - que não os exigia. O que esta pedia - como centro de autoridade e ordem - era o capitão-mor regente, senhor todo-poderoso das ‘vilas’ e ‘povoações’»[46].

 

O povo não teria tido qualquer participação. Os homens bons, tantas vezes referidos, que eram os eleitores e os elegíveis, formariam uma aristocracia. Seus nomes estavam inscritos nos Livros da Nobreza, existentes nas Câmaras. Somente eles poderiam ser eleitos: grandes proprietários rurais, residentes nos domínios (engenhos e fazendas) e dos comerciantes ricos, residentes nas cidades. Os elementos da classe dirigente apareciam apenas nos dias de gala, de festividades aldeãs, ou nos dias da reunião da Câmara para efeitos de deliberação ou administração. A teoria de Oliveira Viana reside na verificação de que na cidade do interior habitava uma espécie de plebe desqualificada (alfaiates, mercadores de balcão). No campo, ficavam os ricos. A situação alterar-se-ia nas cidades mercantis da costa ou nas regiões mineradoras.

Nós nunca tivemos, – afirma Oliveira Viana – nem conhecemos o governo direto do povo-massa; as assembléias populares do antigo direito foraleiro já haviam desaparecido com as primeiras Ordenações. Quando fomos descobertos e colonizados, já dominava a aristocracia dos ‘homens bons’. Eram eleitos pela nobreza local - e não pelo povo-massa, pela “gente mecânica” (artesãos, serviçais, criados, jugadeiros, homens da lavoura, do arado, da enxada e da foice)[47].

Em suma, os elementos da população das vilas, termos e comarcas, que chamamos, realmente, hoje povo estavam excluidos praticamente - e também legalmente - da incumbência de concorrer para a constituição dos poderes públicos municipais - como eleitores, e também do próprio exercício destes poderes - como representantes. Durante cerca de 300 anos, não colaboraram portanto, nem podiam colaborar, na administração local -nem como eleitores (jus sufragii), nem como titulares qualificados (jus honorum)[48]. Oliveira Viana, no entanto, aponta uma exceção democrática na vila de Piratininga, onde o povo, efetivamente, teria exercido como plebe, as funções reservadas em outras paragens do mundo colonial à nobreza de sangue e à nobreza da terra - à nobreza dos pelouros.

Em Piratininga, o povo aparece com seus Procuradores reclamando, protestando, ameaçando, reivindicando direitos ou pedindo providências de interesse local. A explicação talvez esteja nos bandeirantes, os quais sempre estavam fora da cidade. Eram eles, os bandeirantes, da nobreza guerreira, não da riqueza. Aristocratas guerreiros, não plutocratas. Fora da vila, os bandeirantes deram espaço aos homens da “classe mecânica” (alfaiates, ferreiros, carpinteiros, pintores, pedreiros), abaixo da qual ainda havia a “classe operária” («informa e rudimentar, representada pela plebe ínfima e desclassificada dos mamelucos e carijós vagabundos»). Piratininga foi um exemplo de “aldeia agrária” em funcionamento, como ainda se veria nos pueblos hispânicos, nas gemeinden da Suiça ou nas townships anglo-saxônicas do povo e do velho continente. O povo paulistano teve, como os primitivos “burgos” saxões da fase pré-nórdica, uma escola de educação democrática, de formação da sua consciência pública e do seu sentimento político[49].

As Câmaras (pequenas comunidades autônomas) não eram, de acordo com o escritor fluminense, uma democracia, pois não teriam nascido do povo-massa, eram criações oficiais, ordenadas mediante cartas régias ou portarias do Governador. Da “povoação”, assim fundada, surgia mais tarde, conforme o progresso da população, a “vila”, com todo o seu aparelhamento administrativo.

 

 

3.1. – No Brasil independente

 

Com a independência do Brasil, grande redução sofreram os municípios em sua autonomia. As novas Câmaras, previstas na Constituição de 1824, para as cidades e vilas, reguladas pela lei de 1º de outubro de 1828, perderam as antigas funções judiciais, já reduzidas no regime colonial pela nomeação de juízes de fora pela Coroa. Passaram a ser meras corporações administrativas e somente podiam propor às assembléias provinciais a legislação atinente à polícia e à economia municipais. Com isso, perderam os municípios a antiga condição judiciária, que lhes outorgara a legislação colonial.

Mesmo com tal redução, as Câmaras tiveram um papel relevante no espírito da elaboração da Carta de 1824 [50], pois como é conhecido, o projeto da Constituição foi expedido a todas as Câmaras Municipais do Império, para receber sugestões e possíveis emendas. A do Rio de Janeiro propôs que o projeto se transformasse em Constituição, no que foi acompanhada por quase todas as outras. A vila paulista de Itu, por influência do Padre Diogo Antônio Feijó, apresentou críticas e emendas.

Em função dessa consulta e de seu resultado, o Imperador atendendo ao voto dos legítimos representantes da vontade popular, desistiu de convocar uma nova constituinte e outorgou o projeto como Constituição do Império do Brasil[51]. Tenhamos presente que o Imperador, ao mandar observar a Constituição Política do Império (Carta de Lei de 25.3.1824) se refere expressamente a

 

«... que tendo-Nos requerido os Povos deste Império, juntos em Câmaras, que Nós quanto antes jurássemos e fizéssemos jurar o Projeto de Constituição, que havíamos oferecido às suas observações para serem depois presentes à nova Assembléia Constituinte ...».

 

Aliás, a Ata da Aclamação do Imperador (12.10.1822) está repleta de referência às Câmaras das cidades de diversas províncias, sendo mesmo subscrita, na sua quase totalidade, por Vereadores e Procuradores das vilas.

A propósito das Câmaras, a Constituição de 1824 dispunha que elas existiriam em todas as cidades e vilas, então existentes, e também nas que se criarem no futuro, competindo-lhes o governo econômico e municipal (art. 167). E que seriam eletivas, compostas do número de vereadores, que a lei designar, sendo presidente o que obtivesse o maior número de votos (art. 168). Uma lei regulamentaria o exercício das funções municipais, formação das posturas policiais do município, aplicação de suas rendas e disporia sobre as atribuições (art. 169).

O Ato Adicional, Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, que alterou a Constituição do Império, manteve a preeminência das Províncias, mas determinou a competência das Assembléias Legislativas Provinciais para legislar sobre a polícia e economia municipal, precedendo propostas das Câmaras; sobre a fixação das despesas municipais, podendo as Câmaras propor os meios de ocorrer às despesas dos seus municípios; sobre a repartição da contribuição direta pelos municípios da Província e sobre a fiscalização do emprego das rendas municipais; e, ainda, sobre a criação e supressão dos empregos municipais. A Lei nº 105, de 12 de maio de 1840, interpretou alguns artigos daquela reforma constitucional, restringindo a autonomia municipal alargada pelo Ato Adicional.

A já referida Lei de 1º de outubro de 1828, que deu nova forma às Câmaras Municipais, marcou suas atribuições e processo para a sua eleição, chamada Regimento das Câmaras Municipais do Império, esteve em vigor durante todo o Império, até 1891. Substituiu, portanto, as Ordenações do Reino, cujos dispositivos não mais valiam em face da Constituição de 1824. O art. 24 daquela lei diz tudo, em relação à perda da importância municipal, conforme já mencionado:

 

«As Câmaras são corporações meramente administrativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa».

 

 

3.2. – Na República

 

O Título III da Constituição Republicana (1891) “Do Município”, tem apenas um artigo:

 

Art. 68. «Os Estados organizar-se-ão por forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse».

 

A Federação estava sendo implantada. A crítica à centralização do regime anterior não prestigiou aos municípios, porém aos estados-membros. Algumas idéias do projeto originário e dos decretos da proclamação da república foram suprimidas, como a de eleição dos funcionários municipais e o direito de voto e elegibilidade dos estrangeiros residentes no município. Não obstante o resultado final, os debates no Congresso revelaram a preocupação de a Federação ser funesta à organização municipal. O resultado final não prejudicou a defesa das prerrogativas municipais. João Barbalho pode escrever em comentário ao texto constitucional:

 

«E esta entrega dos negócios municipais, sem exceção, aos próprios munícípes é não somente lógica, num regime federal representativo, como é benéfica e de salutares efeitos. Esta gestão independente e autonômica é própria dar maior incremento à vida local. Sentindo os munícipes que realmente esta depende só deles, que são assim senhores e árbitros dos negócios municipais, desprendem-se da inércia e indiferença, de que do contrário se deixariam possuir, e atiram-se com sério empenho à atividade e trabalho em prol desses interesses, cuja satisfação aproveita tão intimamente a sua localidade, e mourejam por mantê-la próspera, por melhorá-la. ora, o município é uma miniatura da pátria, uma imagem reduzida dela, é nas cousas políticas, como já o disse alguém, o primeiro amor do cidadão. Esse amor, esse aferro ao torrão natal, ao círculo das relações de vizinhança, de contigüidade, de comunidade de interesses, engendra o espírito cívico. a autonomia local o desenvolve, o engrandece, o nobilita. E esse patriotismo local, de si mesmo sereno, intenso, duradouro, é a raiz do patriotismo nacional. É erro, pois, cercear essa autonomia. Seria mais que erro mesmo, um verdadeiro atentado, se prevalecesse na República o sentimento vesgo, desconfiado, tacanho, esterilizador, que na monarquia atrofiou o elemento municipal.

A história ensina que os países de liberdades municipais são os de maior resistência à tirania. É lição para aproveitar-se»[52].

 

A Constituição de 1934 deu ênfase à autonomia municipal, apesar de inserir a instituição municipal nos Estados-membros, os quais deveriam respeitar aquela autonomia (art. 7, “d”). Determinou que os municípios seriam organizados de forma que lhes ficasse assegurada a autonomia em tudo quanto respeite a seu peculiar interesse, especialmente quanto à eletividade do prefeito e dos vereadores, a decretação de seus impostos e taxas, como a sua arrecadação e rendas, bem como a organização dos serviços municipais (Art. 13). Os poderes municipais, dessa forma, foram enumerados como os da União e dos Estados. No regime constitucional precedente, o da República velha (1891-1930), de excesso de federalismo (chamada de política dos governadores) os municípios foram muito cerceados. Interessante registrar que no famoso anteprojeto de Constituição, elaborado por comissão geradora de inúmeras propostas revolucionárias, discutiu-se a idéia de constituir as Câmaras municipais de representantes das classes profissionais:

 

«Os Conselhos municipais poderão ser constituidos mediante representação de classe. O Poder Executivo, porém, será exercido por um prefeito, eleito por sufrágio igual, direto e secreto (art. 88 do cit. anteprojeto)»[53].

 

A Constituição de 1937, outorgada depois de um golpe de estado, oferece vários paradoxos. Acoimada de fascista, na verdade não o é, refletindo, tão-somente, a tendência da época de Estados fortes, além da repercussão tardia de uma ditadura positivista, que não vingara nos primeiros momentos da república, apesar da força de seus propagandistas. Não é possível saber se era, ou não, um bom instrumento de governo, porque, a rigor, jamais teve vigência, apenas inaugurando uma ditadura, pois seu último dispositivo acenava submetê-la a um plebiscito que jamais foi realizado. Sua contribuição para a questão municipal está na idéia de os municípios poderem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns e tais agrupamentos seriam dotados de personalidade jurídica (art. 29). O Presidente da República seria eleito por um colégio eleitoral, do qual participariam eleitores designados pelas Câmaras Municipais (art. 82, “a”).

Na Constituição de 1946, como já assinalado, de concepção liberal arraigada do pós-guerra, a idéia municipalista ressurgiu com força, embora sempre atrelando o município ao estado-membro da federação, vale dizer, impossível a existência de unidade federada sem vida municipal. Essa linha foi mantida nas Cartas de 67 e na Emenda Constitucional de 1969.

 

 

3.3. – Na Constituição de 1988

 

Na Constituição de 1988, o município integra a Federação:

 

«A República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal» (art. 1).

 

«Cada município reger-se-á por uma lei orgânica aprovada por dois terços dos membros da respectiva Câmara Municipal, devendo o seu conteúdo observar o disposto na Constituição do Estado membro, onde se situar, e a Constituição Federal, além de determinados preceitos que essa última lhe impõe» (art. 29).

 

Dessa maneira, o Estado brasileiro impõe aos municípios o seu próprio modelo político, fundado na representação política (Câmara de vereadores) e na eleição majoritária do chefe do poder executivo federal (prefeito), evidente a analogia com o Parlamento e com o Presidente da República. Semelhantes às do Congresso, igualmente, as funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara de vereadores. Não há justiça municipal e o prefeito tem o foro privilegiado do Tribunal de Justiça do Estado-membro, a quem compete julgá-lo (no Brasil, não obstante a grande parte do ordenamento positivo seja nacional, vale dizer federal, há duas justiças, a federal e a de cada um dos Estados-membros). O sistema de controle das contas municipais é, também, semelhante ao das contas da União: a fiscalização é exercida pelo Legislativo (Câmara Municipal), mediante controle externo, e pelo controle interno do próprio Executivo. A Câmara Municipal é auxiliada no controle externo pelo Tribunal de Contas do Estado. Enfim, o Município da Constituição brasileira é uma cópia menor, uma miniatura, do Estado, e como ele abre duas exceções ao regime representativo: a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado; e a possibilidade de questionar-se a legitimidade das contas municipais, as quais ficarão durante sessenta dias, anualmente, para exame e apreciação, à disposição de qualquer contribuinte (note-se a reminiscência das origens do sistema liberal, quem fiscaliza ou quem se representa é o proprietário ou quem paga impostos). A autonomia municipal reside em: legislar sobre assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e a estadual; instituir e arrecadar os tributos de sua competência (propriedade predial e territorial urbana; transmissão inter vivos de bens imóveis; serviços de qualquer natureza); criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; organizar e prestar, direta ou indiretamente, os serviços públicos; manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, também, com esse auxílio, prestar serviço de atendimento à saúde; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a lei e a fiscalização federal e estadual. O Município poderá constituir uma guarda municipal destinada à proteção de seus bens, serviços e instalações, não, todavia, para exercer funções de polícia de segurança ou de trânsito. Os Estados membros poderão, em face de determinadas situações, intervir em “seus municípios”.

Desde 1967, é possível instituir regiões metropolitanas, constituídas por municípios, que façam parte da mesma comunidade sócio-econômica. Então, a sua criação dependia de lei complementar da União federal, mas com a Constituição de 1988, a competência é dos Estados membros e, além dos municípios, o conceito de regiões metropolitanas abrange aglomerações urbanas e micro regiões, «constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum» (art. 25, § 3).

Os estados-membros podem intervir nos municípios. As leis e atos normativos municipais estão sujeitos ao controle de constitucionalidade em face da Constituição do estado, onde o município estiver situado.

 

 

4. – Por detrás da seara histórica do município brasileiro

 

Toda essa seara histórica do município no Brasil, da sua origem romana-visigótica-portuguesa até a admirável experiência no Brasil colonial e sua paulatina perda de autonomia e importância a contar da independência, bem como sua problemática nas vicissitudes republicanas, tem por objetivo demonstrar a existência de um quadro singular, no qual se proclama a autonomia do município, explora-se a sua força política para fortalecer o poder central, mas ao mesmo tempo se exerce um domínio sobre a entidade municipal.

O município romano foi uma Roma pequena e teve instituições políticas assemelhadas. Os concelhos medievais parecem amoldar-se ao sistema dos governos feudais, embora fossem também uma forte reminiscência do município romano mais o direito local e visigótico, sem prejuízo, na península ibérica, da influência muçulmana.

No Brasil - colônia o município adquiriu importância extraordinária, chegando a concorrer com o poder central, enquanto foi útil para a Coroa na defesa de seus territórios. Depois, pouco e pouco, o Estado foi restringindo a ação municipal, até tolhê-la em definitivo.

Quando a independência foi proclamada, voltaram os municípios a garanti-la e a constituir o Império para, logo em seguida, o governo restringir a sua autonomia, a ponto de a propaganda republicana erigi-la como uma das suas bandeiras políticas. A República brasileira veio, todavia, com o federalismo e os municípios foram atrelados aos Estados-membros.

E o Brasil republicano passou a uma ciranda, em que a União (governo central), o Estado-membro e município dançam em uma combinação de duplas que se destacam, conforme haja mais ou menos federação. Quando a Federação se afirma (1891 e 1946), cresce o Estado-membro e a dupla União e município se enfraquece; quando se acentua a centralização, destaca-se a União, enfraquece-se o Estado e pode o município perder completamente o seu significado (1937 - Estado Novo) ou sobreviver durante algum tempo em sua autonomia (1934). Se a federação míngua quase que completamente, substituída pelas idéias de segurança e desenvolvimento, transposição do lema positivista da “ordem e progresso”, os Estados perdem a importância e o município pode dançar a dança hegemônica com o governo central (1967 e 1969).

Foram precisos mais de cem anos de república para que o município fosse reconhecido como membro da federação brasileira:

 

Art. 1 «A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito ...».

 

Art. 18 «A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos nos termos desta Constituição».

 

De nada adiantou ser o município um ente da Federação, pois ele continua sob o domínio ou da União ou dos estados-membros, em uma ciranda curiosa, embora seja maior a sua independência, paradoxalmente, quando o centro se fortalece e os estados-membros se fragilizam.

 

 

5. – Maior domínio na representação política. Uma analogia possível: os representantes (patriciado) e os munícipes (plebe)

 

A situação institucional do município no Brasil é, portanto, paradoxal, uma vez que cantado em prosa e verso como o lugar onde a democracia é possível, consagrada formalmente a sua autonomia, erigido em membro da Federação, e, no entanto, a Constituição o restringe, atrela-o ao estado-membro, submete-o à Justiças federal e estadual, condiciona-o financeiramente à União e pela representação política liberal ilude o povo que ali habita com a técnica eleitoral de criar representantes, nos três níveis: o municipal, o estadual e o federal. Pronto e o povo do município é iludido, ficando nas mãos das casas dos representantes (a Câmara dos vereadores, as Assembléias Legislativas e a Câmara Federal). A participação dos munícipes se restringe a eleger vereadores e ajudar a eleger parlamentares federais e estaduais, em alguns casos sequer são homens do próprio município (no Brasil, a eleição não é majoritária nos distritos, mas proporcional pelas legendas partidárias) de maneira que a técnica liberal, dita democrática, exacerba o domínio sobre o povo nos municípios.

Cabível uma analogia. O povo no município, mesmo elegendo periodicamente o seu prefeito, ajuda a compor a representação política, por essa abstração técnica do liberalismo, mas é que como fosse uma cidade dominada de fora. O município é usado para a defesa, para a arrecadação de tributos, para trabalhar e produzir, porém é insignificante sua participação no poder, o qual vem do centro e de fora. Os munícipes, como a plebe, está à mercê das leis dos outros, a lei municipal, além de ditada por representantes, incide sobre temas de menor expressão. O povo (os munícipes) não tem um poder efetivo e está submisso e tolhido pelo poder dos outros (o patriciado).

A analogia parece caber bem na tradição histórica do município como no contraste e, até, no confronto entre as instituições naturais do povo e a representação política de feição liberal. É como se o povo do município fosse a plebe e as instituições liberais do Estado nacional representasse a opressão por intermédios de artifícios e abstrações, que retiram do município a sua verdadeira autonomia, submetendo-se o povo às leis vindas de fora.

 

 

6. – Município e resistência. O defensor do povo e seus eventuais poderes

 

Diante dessa situação, pode-se vislumbrar o papel do defensor do povo no município.

A permanência do município na contemporaneidade demonstra a sua força. É o lugar onde a democracia pode realizar-se, mas isso parece frustrar-se diante do sistema liberal de representação política.

Restam duas situações hipotéticas. A do fim do Estado nacional ou o da sua fragilidade.

Se o Estado nacional restar enfraquecido ou mesmo desaparecer, a idéia do fortalecimento do município é correlata à defesa do povo. Aí entra o defensor, o tribuno, a instituição capaz de resistir diante tanto do Estado evanescente como em face de forças hegemônicas vindas de fora.

Parece sintomático que essa discussão seja colocada justamente quando o Estado Nacional, Territorial, Soberano, o Estado Moderno, enfim, está a esvair-se diante da globalização econômica, da formação de grupos supranacionais e da comunicação veloz, que aproxima os povos e a cidades, independentemente e mesmo à revelia dos aparelhos estatais.

O Brasil mesmo se compromete a buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações (art. 4, parágrafo único, da Constituição).

Não se deve esquecer que o Estado moderno nasceu absoluto (o príncipe livre das leis - legibus solutos) e as diversas tentativas de transferir a soberania para o povo não vingaram. O povo continuou a ser mero elemento material do Estado, ao lado do território e do governo. A soberania, embora contida pelas leis na projeção do Estado de Direito (governo das leis e não dos homens), em nenhum momento afastou-se do seu atributo da incontrastabilidade, inviabilizando as estruturas supranacionais e até a sociedade das nações.

Quando este Estado, afinal, parece esmorecer e ruirem-se as suas estruturas artificiais, dentre elas as fronteiras, é como se um gigantesco prédio desabasse pelas suas paredes externas e internas ou um fóssil congelado tivesse derretido as sua embalagem, para do degelo ou da demolição surgir algo que estava oculto e que sobrevive apesar daquele arcabouço destruído.

Se a teoria da Escola Romanista estiver certa em relação aos salvados das invasões bárbaras e do domínio muçulmano, quando as instituições imperiais romanas ressurgiram, como se nada tivesse acontecido, algo de semelhante aconteceria agora após a passagem do Estado-Nação, gerando certo degelo das estruturas estatais, para o município autônomo reaparecer em todo o seu esplendor humano e natural.

Perece o Estado nacional soberano e o que sobra são as cidades, os municípios, onde o homem e o povo estão situados de maneira natural, concreta e histórica.

Quando se propõe o regime democrático, a primeira objeção que se apresenta no Brasil e, provavelmente, em todos os Estados de significativa expressão territorial, está na impossibilidade de o povo reunir-se para autogovernar-se. O que se oporia, então, à idéia democrática nas comunidades municipais? No Brasil é, justamente, nas cidades pequenas do interior, onde o povo parece ter consciência plena de seus problemas e os direitos da cidadania são mais claramente exercidos. A imensa força brasileira, aliás, vem mesmo é do interior e não das megalópolis do litoral, sujeitas desde sempre a influências estrangeiras.

A democracia é factível a partir das pequenas comunidades, onde o homem simples, com a sua família e a sua religião, se situa, como membro partícipe do governo.

A seara histórica do município brasileiro, com suas complicadas discussões a respeito, desde Portugal, das origens romanas, ou da sua real ou imaginária autonomia dos primeiros tempos do Brasil, onde se praticaria, ou não, o governo do povo, com os seus defensores e outras reminiscências da Roma democrática, indica uma tendência utópica em relação ao passado. Se essas generosas projeções relativas às Câmaras Municipais e sua importância não corresponderem à verdade histórica ou suscitarem polêmicas, pouco importa, porque o que interessa é o aproveitamento dessas idéias para a construção do futuro na América Latina, sendo certo que o fundamento das utopias, não raro se encontra também no passado.

Se acaso o Estado nacional não desaparecer de todo, mas tão somente fragilizar-se, o defensor do povo poderá compor-se com o regime da representação, na criação de uma síntese entre o regime liberal antigo e a democracia direta ou semi-direta, participativa e com a presença do defensor e do efetivo exercício de seus poderes tanto em relação à administração municipal como na resistência às forças vindas de fora do município.

Quanto os poderes do defensor do povo, a questão está também na bifurcação das hipóteses. Se o Estado Nacional desaparecer e toda a Constituição política for substituída, o Defensor pode ser inserido dentro de um contexto democrático em tudo diferente do vigente e seus poderes poderão ser ampliados[54]. Se, no entanto, o Eatado permanecer com a sua Constituição, a presença do Defensor pode ensejar um novo regime, ainda caracterizado como uma síntese possível, decorrente do embate entre as duas forças, a do poder central (representantes da nação) e o povo municipal defendido pelo seu tribuno.

Na última hipótese, ao lado dos serviços municipais e dos interesses próprios dos municípios, onde o Defensor poderá atuar diante do prefeito, da Câmara dos Vereadores, das políticas públicas municipais, ajudar na revogação dos chamados mandatos eleitorais (se implatada a revogabilidade), pode-se considerar a circunstância de a Constituição brasileira acenar, em várias hipóteses, com uma participação popular, por intermédio da qual o defensor poderá agir.

Assim é que, além do plebiscito, referendo e iniciativa popular das leis, em relação a que a presença do Defensor poderá ser relevante, no mínimo na propositura, há na Constituição uma série de outras previsões de participação popular, pelas quais o Defensor poderá estar presente: representação judicial e extrajudicial pelas entidades associativas de seus filiados (art. 5, XXI); a atribuição aos sindicatos da defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, mesmo em questões judiciais e administrativas (art. 8, III); a garantia de os empregados de uma empresa elegerem seu representante para entendimento direto com os empregadores (art. 11); a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (art. 10); a possibilidade de o povo examinar, apreciar e questionar a legitimidade das contas dos municípios, que ficarão à disposição dos contribuintes por sessenta dias (art. 31, § 3); o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa da seguridade social (saúde, previdência e assistência social), com a participação da comunidade, em especial dos trabalhadores, empresários e aposentados (art. 194, VII); o mandado de segurança coletivo, impetrável por partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação constituída (art. 5, LXX); na ampliação do espectro da ação popular movida por qualquer cidadão para anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art. 5, LXXIII).

 

 



 

* Presidente da URBS – União dos Romanistas Brasileiros. Diretor do Centro de Estudos de Direito Romano e Sistemas Jurídicos da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

 

[1] Ver a propósito estudo de Alceu Amoroso Lima, Política, 4ª ed., Petrópolis, Vozes, 1999, 116, cuidando da Teoria Católica das Revoluções.

 

[2] Revista Forense e Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ano L, de 1955.

 

[3] Goffredo Telles Júnior, A folha dobrada: lembranças de um estudante, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, 462-473.

 

[4] Refiro-me a interessante artigo de D. Lucas Moreira Neves, intitulado “Política e cidadania se abraçarão”, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, de 18.9.96, onde ele estabelece as relações entre a urbs e a civitas, a política e a cidadania, bem como onde a política se aprimora como arte, ciência, prática e estratégia do bem-comum, e exercício do poder enquanto serviço.

 

[5] O movimento integralista, por exemplo, colocava muita ênfase no município. O § 9 do Manifesto de Outubro de 1932, com que Plínio Salgado fundou o Integralismo brasileiro, é todo dedicado à questão municipal em uma projeção corporativista: «O município é uma reunião de famílias. O homem e a mulher, como profissionais, como agentes de produção e de progresso, devem inscrever-se nas classes respectivas, a fim de que sejam por estas amparados, nas ocasiões de enfermidades e desemprego... Os municípios devem ser autônomos em tudo o que respeita a seus interesses peculiares, porque o município é uma reunião de moradores que aspiram ao bem estar e ao progresso locais ...». Inobstante o caráter centralizador do integralismo, as Diretrizes integralistas de 1933 estabelecem: «A origem do município na Família torna-o sagrado, intangível em tudo que disser respeito a seus interesses peculiares». Mais tarde, no livro Direitos e Deveres do Homem, 1949, Plínio Salgado escreveu: «Numa Declaração de Direitos e Deveres do Homem deverá constar a declaração dos Direitos dos Municípios, isto é, do grupo local, pondo a salvo os munícipes contra toda ingerência exorbitante ...».

 

[6] Dentre os constituintes municipalistas, José Carlos de Ataliba Nogueira pregava a restauração do velho município colonial brasileiro: associação natural e legal de vizinhos para a realização de todos os serviços comuns. Ataliba Nogueira sustentava que a origem do município brasileiro não era nem romana nem portuguesa, mas que nascera em torno das capelas (cf. Teoria do Município. Revista de Direito Público, São Paulo, 6, 1968: 7-21). A propósito, Oliveira Viana não afasta a hipótese de que os núcleos urbanos nasceram de uma capela inicial, mas admite outras origens, como um arraial provisório de feirantes, uma velha fazenda ou engenho, uma aldeia de índios aculturados, um “pouso de tropeiros”, um “ponto de travessia”, um “patrimônio”, marcado por uma reunião esporádica de sitiantes ou posseiros que busquem atrair cura para os ofícios religiosos (cf. Francisco José Oliveira Viana, Populações Meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. Introd. de Antonio Paim. Brasília, Câmara dos Deputados, 1982, 397).

 

[7] Em 15.3.46 foi criada, no Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Municípios.

 

[8] Marcelo Caetano, História do Direito Português. Fontes-Direito Público (1140-1495). 2ª ed. Lisboa, Editorial Verbo, 1985, 67 e segts.

 

[9] Marcelo Caetano, op. cit., 72-73.

 

[10] Marcelo Caetano, op. cit., 76.

 

[11] Marcelo Caetano, op. cit., 78.

 

[12] Plínio esteve na Península Ibérica, como procurator Caesaris, entre os anos 69 e 73 da nossa era.

 

[13] Marcelo Caetano, op. cit., 97; Sanchez Albornaz, Ruina y extensión del municipio romano en España e instituciones que le reenplazon. Buenos Aires, 1943; idem, “El gobierno de los ciudades de España del siglo V al X”, in Estudios sobre los instituciones medievales españoles. México, 1965; Paulo Merêa, Estudos de Direito Visigótico. Coimbra, 1948.

 

[14] Mário Curtis Giordani, História dos Reinos Bárbaros. II vol., 3ª ed., Petrópolis, Vozes, 1993, 33.

 

[15] idem, ibidem.

 

[16] Mário Curtis Giordani, História dos Reinos Bárbaros. I - Acontecimentos Políticos. 4ª ed., Petrópolis, Vozes, 1993, 105.

 

[17] Marcelo Caetano, op. cit., 116.

 

[18] Marcelo Caetano, op. cit., 219.

 

[19] Marcelo Caetano, op. cit., 221.

 

[20] Marcelo Caetano, op. cit., 221.

 

[21] idem, ibidem.

 

[22] Para um estudo do município no Brasil e sua origem histórica romana, v. João de Azevedo Carneiro Maia, O Município. Estudos sobre Administração Local. Rio de Janeiro, Typ. de G. Leuzinger e Filhos, 1883.

 

[23] Hélio Vianna, História do Brasil. 15ª ed. revista por Hernâni Donato (14ª ed. revista por Américo Jacobina Lacombe e por Rosa Maria Barbosa de Araújo). São Paulo, Melhoramentos, 1994, 77.

 

[24] Diário de Navegação de Pero Lopes de Sousa (1530-1532). 2ª ed. crítica do Comandante Eugênio de Castro (Rio de Janeiro, 1940), vol. I, 350-352, apud Hélio Vianna, op. cit., 59.

 

[25] Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil: antes de sua separação e independência de Portugal. Revisão e notas J. Capistrano de Abreu, Rodolfo Garcia. 10ª ed.integral., Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1981, 165.

 

[26] Cf. Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo, no Brasil. 2ª ed., São Paulo, Alfa-Ômega, 1975, 60.

 

[27] Cf. Hélio Vianna, op. cit., 87-88.

 

[28] Cf. Victor Nunes Leal, op. cit., 50 e 60.

 

[29] Quando em função deliberativa, apenas juiz e vereadores, chamava-se Vereação ou Conselho de Vereadores, mais tarde Câmara. As reuniões da Câmara com outras autoridades e os homens bons, chamavam-se juntas gerais (v. Victor Nunes Leal, op. cit., 60 e Max Fleiuss, História Administrativa do Brasil).

 

[30] Já em Portugal, pela Carta Régia de 12 de junho de 1391, conhecida como “Ordenações dos Pelouros”, regulamentavam-se as eleições. Os concelhos deveriam ter uma lista permanente de pessoas idôneas para o desempenho de cargos municipais e cada nome deveria ser escrito em um papel (alvará), o qual era encerrado em uma pequena bola de cera (pelouro), a ser guardada em uma arca (a dos pelouros) a ser aberta por ocasião da renovação dos quadros municipais (cf. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, “Breves notas históricas sobre os concelhos municipais e seus vereadores”. Comunidades de Língua Portuguesa. Revista de Cultura. Estudos Jurídicos (do Brasil para Portugal). São Paulo, 1984, 15-17.

 

[31] Sobre as eleições das Câmaras, desde a época colonial até, praticamente, os dias de hoje, v. Victor Nunes Leal, op. cit., cap. III, “Eletividade da Administração Municipal”, 105 e segts.

 

[32] Dessa maneira, pelouros de vereação eram os papéis onde estavam escritos os nomes das pessoas que deviam servir de juízes, vereadores etc. Assim eram chamados por serem encerrados em bolas de cera, que tinha a forma de pelouro (bala de ferro para arma de fogo). O pelourinho, a coluna simbólica da vila, recebeu esse nome pelo fato de ali abrir-se a arca dos pelouros.

 

[33] Cf. as referências às Ordenações em Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, op. cit.; v. tb. a propósito das importantes funções das Câmaras, mais relevantes do que as das modernas municipalidades, Victor Nunes Leal, op. cit., 62.

 

[34] Cândido Mendes de Almeida anota que a graduação de Senado emergia por dignidade, honra e reconhecimento outorgável pelo rei, de igual maneira como, antes, recebera a Câmara de Lisboa. Cândido Mendes de Almeida, Código Philipino. Rio de Janeiro, Inst. Philomathico, 1870. 14ª ed., 153, em nota.

 

[35] A respeito do «imenso poder político que se arrogam os senados das duas cidades», v. textos de João Francisco Lisboa, transcritos em Victor Nunes Leal, op. cit., 66 e segts.: «As Câmaras exerceram imenso poder, que se desenvolveu à margem dos textos legais e muitas vezes contra eles». V., tb., Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo-Colônia, 1945.

 

[36] Cf. Rocha Pombo, História do Brasil. vol. II. O regime colonial. São Paulo, Jackson, Inc., 1953, 139.

 

[37] Rocha Pombo, op. cit., 140.

 

[38] Rocha Pombo, op. cit., 141: «A primeira Câmara de São Luís, instalada em 1619, dirigia-se a el-rei desvanecida e grata, falando-lhe no ‘trabalho e sangue’ com que a terra fôra conquistada; oferecendo-lhe a vida ao real serviço ‘para fundar aqui um novo império’».

 

[39] Rocha Pombo, op. cit., 141.

 

[40] Rocha Pombo, op. cit., 142.

 

[41] Cf. Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, op. cit. Acerca da questão da autonomia municipal no Brasil colônia, há certa polêmica, como se verá adiante.

 

[42] Juiz-de-fora ou de fora-aparte era o magistrado imposto pelo Rei a qualquer lugar, sob o pretexto de que o de fora administra melhor a justiça do que o da própria localidade.

 

[43] Capistrano de Abreu escreve: «Nada confirma a onipotência das câmaras municipais descoberta por João Francisco Lisboa, e repetida à porfia por quem não se deu ao trabalho de recorrer às fontes». Mas José Honório Rodrigues, em nota a esse texto, contrapõe à conclusão de Capistrano diante das atas da Câmara de São Paulo, a observação de Edmundo Zenha, diante das mesmas atas: «atualmente é mais fácil andar certo exagerando com João Francisco Lisboa, que duvidando ou negando com Capistrano de Abreu» (Edmundo Zenha, O Município no Brasil (1532-1700). São Paulo, Ipê, 1948). (cf. J. Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial (1500-1800). 5ª ed. Revista, prefaciada e anotada por José Honório Rodrigues. Brasília, UnB, 1963, 154). Sobre a posição de Viveiros de Castro ao lado de Capistrano, v. Victor Nunes Leal, op. cit., 69.

 

[44] Hélio Vianna, op. cit., 251.

 

[45] Hélio Vianna, op. cit., 326.

 

[46] Hélio Vianna, op. cit., 412.

 

[47] Oliveira Viana, op. cit., 400.

 

[48] Oliveira Viana, op. cit., 402.

 

[49] Oliveira Viana, op. cit., 402 e 415.

 

[50] No curto período da volta de D. João VI até 1828, as Câmaras cresceram em autonomia. Por isso, talvez, tenham apoiado tanto a Constituição de 1824. Não imaginavam as restrições mesquinhas da Lei de 1828. V. Victor Nunes Leal, op. cit., 73.

 

[51] Hélio Vianna, op. cit., 431.

 

[52] João Barbalho Uchoa Cavalcanti, Constituição Federal Brasileira. Comentários. Ed. fac-similar. Brasília, Senado Federal, Secretaria de Documentação e Informação, 1992, 283.

 

[53] Cf. Ronaldo Poletti, A Constituição de 1934. Brasília, Fundação Projeto Rondon, 1986; v. tb. José Affonso Mendonça de Azevedo, Elaborando a Constituição Nacional. Belo Horizonte, 1933.

 

[54] Cf. texto Ronaldo Poletti, “O Tribuno da Plebe e o Defensor do Povo na Constituição da República Bolivariana da Venezuela”, apresentado no Seminario di studi Secessione della plebe e Costituzione repubblicana. L’esempio bolivariano. Roma 15-16 dezembro 2006 (publicado em Diritto @ Storia 6, 2007 = http://www.dirittoestoria.it/6/Memorie/Tribunato_della_Plebe/Poletti-Tribuno-plebe-defensor-Republica-Bolivariana-Venezuela.htm ):

«A Defensoria do Povo tem a seu cargo a promoção, defesa e vigilância dos direitos de garantias estabelecidos na Constituição e dos Tratados Internacionais sob direitos humanos, além dos interesses legítimos, coletivos e difusos, dos cidadãos. A Defensoria do Povo será dirigida por um Defensor do Povo designado por um período de sete anos (art. 280).

São atribuições do Defensor do Povo:

velar pelo respeito e garantia dos direitos humanos, investigando, de ofício, ou a requerimento das partes, as denúncias que chegam a seu conhecimento (art. 281);

velar pelo correto funcionamento dos serviços públicos, amparar e proteger os direitos e interesses legítimos, coletivos e difusos, das pessoas contra as arbitrariedades desvio de poder e erros cometidos na prestação daquele serviço, interpondo as ações necessárias para exigir do Estado o ressarcimento aos administrados pelos danos e prejuízos que lhes sejam ocasionados em razão do funcionamento dos serviços públicos;

interpor as ações de inconstitucionalidade, amparo, hábeas corpus, hábeas data e demais ações ou recursos necessários para exercer as suas atribuições;

requerer ao fiscal ou fiscala geral da república para que promova as ações e recursos cabíveis contra aos funcionários públicos responsáveis pela violação ou desprezo pelos direitos humanos;

solicitar ao Conselho Moral Republicano que adote as medidas cabíveis quanto aos funcionários responsáveis pela violação ou desprezo aos direitos humanos;

solicitar ao órgão competente a aplicação de corretivos e sanções cabíveis pela violação dos direitos do público consumidor e usuário;

apresentar, perante os órgãos legislativos (nacionais, estaduais e municipais) projetos de lei visando a proteção progressiva dos direitos humanos;

velar pelos direitos dos povos indígenas e exercer as ações necessárias para usa garantia e efetiva proteção;

formular, perante os órgãos responsáveis, as observações e recomendações necessárias para melhor proteção dos direitos humanos. Para isto, desenvolverá mecanismos de comunicação permanente com os órgãos públicos ou privados, nacionais e internacionais, de proteção e defesa dos direitos humanos.

O Defensor do Povo gozará de imunidade no exercício de suas funções. Não poderá ser perseguido, detido, nem acionado por atos relacionados com atos relacionados com o exercício de sua função. Em todo caso, ele é jurisdicionado do Tribunal Supremo de Justiça (art. 282). Neste ponto fica clara a analogia, plenamente cabível com a sacralidade e inviolabilidade do Tribuno da Plebe».