N. 5 – 2006 – Tradizione
Romana
Prof.
Emérito das Universidades de São Paulo e de Brasilía
ex
Presidente do Supremo Tribunal Federal
O novo
Código Civil brasileiro: principais inovações na
disciplina do negócio jurídico e suas bases romanísticas
Sommario: 1. O negócio
jurídico e os demais atos jurídicos lícitos. – 2. A estrutura da
disciplina do negócio jurídico. – 3. Alterações
nas disposições gerais.
– 4. A representação.
– 5. Inovações
nos preceitos sobre condição, termo e encargo. – 6. Os defeitos do
negócio jurídico.
– 7. A invalidade do
negócio jurídico.
É
na disciplina dos negócios
jurídicos que o novo Código Civil brasileiro, no tocante à
sua Parte Geral, apresenta maiores alterações em face do
Código Civil de 1916.
Ao redigir
o projeto deste, no final do século XIX, não contava
CLÓVIS BEVILÁQUA com os subsídios que, alguns anos mais
tarde, viria a ministrar a doutrina germânica para a
distinção, em categorias dos atos jurídicos
lícitos. Em
Não
havia, ainda, estudo mais aprofundado dessas espécies de atos
jurídicos lícitos. Faltava maior precisão à linha
divisória entre essas duas figuras. Suas conseqüências
careciam de exame.
Outro
é o panorama nos dias que correm. Graças aos esforços,
inicialmente de MANIGK[2]
e de KLEIN[3],
e depois, dos mais autorizados juristas que se têm ocupado com esse
problema, poucos são os que atualmente, negam a distinção
conceitual dessas duas espécies de atos jurídicos lícitos[4].
É certo que ainda não está escoimada de imprecisões
e de incertezas a construção doutrinária da categoria que
REGELSBERGER denominava atos semelhantes
a negócios jurídicos, e que, hoje, geralmente é
designada pela expressão atos
jurídicos em sentido estrito. Atos há que, para alguns,
são negócios jurídicos, e, para outros, atos
jurídicos em sentido estrito. Ainda é casuística a
aplicação, ou não, a esta categoria, das normas que
disciplinam aquela. Apesar desses percalços, não se pode negar
que atos jurídicos lícitos há a que os preceitos que
regulam a vontade negocial não têm alguma ou inteira
aplicação.
Atento a
essa circunstância, o novo código Civil brasileiro, no livro III
de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico,
que se encontra no Código de 1916, pela designação
específica negócio
jurídico, pois é a este, e não necessariamente
àquele, que se aplicam todos os preceitos ali constantes. E, no tocante
aos atos jurídicos lícitos que não são
negócios jurídicos, abriu-lhes título, com um artigo
único, em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as
disposições disciplinadoras do negócio jurídico.
Seguiu-se, nesse terreno, a orientação adotada, a
propósito, no artigo 295º do Código Civil português de
1967.
Assim,
deu-se tratamento legal ao que já se fazia, anteriormente, com base na
distinção doutrinária.
Ambas as
normas – a do artigo 295º do Código Civil português de
1967 e a do artigo 185 do novo Código Civil brasileiro – esgotam a
disciplina das ações humanas que, por força do direito
objetivo, produzem efeitos jurídicos em consideração
à vontade do agente, e não simplesmente pelo fato objeto dessa
atuação. Quando ocorre esta última hipótese,
já não há que falar em ato jurídico, mas sim
– e é dessa forma que o considera o direito – em fato
jurídico em sentido estrito (são os atos-fatos jurídicos da doutrina germânica)[5].
A teoria
dos atos jurídicos não nasce com os romanos. Juristas
práticos, não se preocuparam eles, as mais das vezes, com
categorias abstratas. Voltaram suas vistas para os atos do homem de que
resultavam obrigações, e, com relação aos fatos de
que nasciam essas obrigações distinguiram determinadas figuras.
Cuidaram, assim, de atos jurídicos específicos e não da
figura genérica de ato jurídico, e as expressões actus e negotium que se encontram
em seus textos não têm significado técnico.
Foram os
juristas alemães que, a partir dos meados do século XVIII, com
base nos textos romanos, iniciaram a elaboração da teoria geral
do ato jurídico lícito. Em 1748, NETTELBLADT, no Systema Elementare Universae Iurisprudentiae
Positivae, se utilizou dos termos actus
iuridicus e negotium iuridicum, expressões que teve como
sinônimas. A designação Rechtsgeschäft
(negócio jurídico) como espécie de ato jurídico
é devida a WEBER e a HUGO, no final do século XVIII.
Por ter
sido essa teoria construída principalmente sobre os casuísticos
textos romanos, é de manifesto interesse o exame dessas fontes para o
aprofundamento do estudo do novo Código Civil brasileiro no tocante
às inovações que apresenta em face do de 1916.
Não
é demais relembrar a observação de RICCOBONO, no
prefácio da obra de SCIALOJA, Negozi
Giuridici[6],
no sentido de que «entre todos os argumentos da dogmática
civilista moderna o que concerne ao negócio jurídico é de
longe o mais importante, direi o centro vital de todo o sistema do direito
privado».
Por
não terem, porém os juristas romanos, como já referido,
formulado a teoria do negócio jurídico – é isolada a
opinião de DULCKEIT[7]
no sentido de que eles foram além de uma utilização
inconsciente dessa figura jurídica, tanto que chegaram a criar princípios
que se aplicam a todos os atos ou a vários deles que ela abarca –,
não se encontra nos textos romanos a conceituação dele,
nem a distinção entre ele e os demais atos jurídicos lícitos.
Ao ordenar as normas concernentes ao negócio
jurídico, o Código novo afastou-se do sistema adotado no
Código de 1916, como se vê do quadro comparativo seguinte:
Código Civil
de 1916 |
O novo Código Civil
|
Cap. I – Disposições Gerais |
Cap. I – Disposições Gerais |
Cap. II – Dos defeitos dos negócios
jurídicos |
Cap. II – Da representação |
Cap. III – Das modalidades dos atos jurídicos |
Cap. III – Da condição, do termo e do
encargo |
Cap. IV – da forma dos atos jurídicos e da sua
prova |
Cap. IV – Dos defeitos do negócio jurídico |
Cap. V – Das nulidades |
Cap. V – Da invalidade do negócio jurídico |
Desse
confronto, verifica-se que, embora conservando o mesmo número de
capítulos – cinco –, o novo Código não
só modificou a ordem de colocação, mas também
retirou um que está no Código de 1916 (“Da forma dos atos
jurídicos e da sua prova”), acrescentando, em contrapartida, outro
que neste não se acha (“Da representação”).
Exclusão e
inclusão explicam-se facilmente.
Retirou-se
o capítulo “Da forma dos atos jurídicos e da sua
prova”, porque se entendeu que a maior parte do seu conteúdo, que
é referente à prova, diz respeito, em rigor, aos fatos
jurídicos em sentido amplo, e não apenas aos negócios
jurídicos. Daí a razão por que, no novo Código, o
Título V do livro III da Parte Geral – que se intitula “Dos
fatos jurídicos” – é dedicado todo à prova.
Quanto às normas concernentes à forma do negócio
jurídico, e cuja sedes materiae
no Código de 1916 se encontra também no capítulo ora
excluído, foram elas colocadas, no novo, nas
“Disposições gerais”, onde se estabelecem os
preceitos gerais sobre os requisitos de validade do negócio
jurídico, um dos quais é a forma prescrita ou não defesa
em lei.
Incluíram-se,
por outro lado, em capítulo próprio, na Parte Geral do novo
Código, regras genéricas sobre representação legal
e voluntária, suprindo-se, desse modo, omissão do Código
de 1916.
Na ordem
de matérias observada, no tocante ao negócio jurídico,
pelo novo Código, prevaleceu, afinal, o sistema originariamente proposto
no Anteprojeto da Parte Geral:não se segue a tricotomia existência-validade-eficácia
do negócio jurídico, posta em particular relevo, no Brasil, por
PONTES DE MIRANDA, no seu Tratado de
Direito Privado. À objeção de que a sistemática
que veio a preponderar seria antiquada, antepôs-se-lhe a
demonstração de que a observância daquela tricotomia, que
para efeito de codificação se reduziria à dicotomia
validade-eficácia, condiziria a discrepâncias desta ordem: a) no
capítulo “Da validade dos negócios jurídicos”,
tratar-se-ia apenas dos casos de invalidade do negócio jurídico
(nulidade e anulabilidade); b) do capítulo “Da eficácia dos
negócios jurídicos” não se abrangeriam todos os
aspectos da eficácia, mas apenas uma parcela deles (os impropriamente
denominados elementos acidentais do negócio jurídico).
Ao
contrário do que ocorre no Código de 1916, com
relação ao ato jurídico, o novo não definiu o
negócio jurídico, atento à diretriz de se retirarem de seu
bojo princípios de caráter meramente doutrinário. No
entanto, da disciplina que ele lhe dá se verifica que não adotou
a concepção objetiva ou perceptiva, que teve origem em BÜLOW,
e que é sustentada mais modernamente, e com nuances diversas, por LARENZ
e BETTI, mas preferiu manter a concepção subjetiva que é
mais consentânea com a realidade, porquanto dele surgem
relações jurídicas, e não, propriamente, normas.
Afastou-se, todavia, as mais das vezes, dos exageros a que conduz a concepção
subjetiva lastreada na rígida observância do dogma da vontade,
recorrendo, para isso, à concepção subjetiva mitigada
pelos princípios da auto-responsabilidade do declarante e da confiança
nessa declaração pelo seu destinatário
No artigo
104, relativo aos requisitos da validade do negócio jurídico, o
novo Código acrescenta à enumeração feita pelo
artigo 82 do Código de 1916 que o objeto dele, além de
lícito, deve ser possível e determinado ou determinável.
Nesse particular, as fontes romanas são explícitas quanto
à invalidade do negócio jurídico cujo objeto é
impossível, seja física, seja juridicamente. Assim, Gaio, nas Institutas (III, 97 e seguintes)
dá vários exemplos de stipulationes
inválidas (inutiles) por
impossibilidade física ou jurídica de seu objeto. Por exemplo,
é inválida a stipulatio
cujo objeto não exista na natureza, ou não possa nela existir,
como a que tem por objeto dar-se um hipocentauro (impossibilidade
física); igualmente é inválida a que tem por objeto a
transmissão de um locum sacrum vel
religiosum (impossibilidade jurídica). Celso, D. 50.17.185,
salienta: “impossibilium nulla obligatio est”. E Venuleio (D. 45.1.1374)
distingue o impedimentum naturale,
que é a impossibilidade que diz respeito ao objeto prometido, da maior ou
menor dificuldade em se poder pagar. De resto, a determinação do
objeto do negócio jurídico é exigida em texto
atribuído a Marcello (D. 45.1.94).
Por outro
lado, não têm símiles, no código de 1916, os artigos
110, 111 e 113 do novo.
O artigo
110 trata da reserva mental, tendo-a por irrelevante, salvo se conhecida do
destinatário, caso em que se configura hipótese de ausência
de vontade, e, conseqüentemente, de inexistência do negócio
jurídico. No direito romano, BETTI[8]
extrai a irrelevância da reserva mental dos seguintes textos: D. 2.15.12;
D. 16.1.30pr.; D. 12.6.50; D. 46.4.8, pr. interpolado; D. 40.1.4.1; e D. 13.7.1.1.
CARLO LONGO[9],
porém, sustenta que o único texto que, nas fontes, trata da
reserva mental é o D. 29.2.6.7, que está tão corrompido
por glossemas e provavelmente por interpolações que não
permite qualquer conclusão sequer para o período justinianeu.
MÁRIO TALAMANCA[10],
salientando que os juristas romanos praticamente (e isso, por certo, por se
tratar de questão mais teórica do que prática) não
a tomaram em consideração, entende – e nesse sentido
é a orientação da doutrina romanista dominante, ainda que
sem apoio claro nas fontes – que a reserva mental era irrelevante no
direito romano.
O artigo
111 preceitua quando o silêncio importa anuência, o que se verifica
toda a vez em que as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e
não for necessária a declaração de vontade
expressa. A regra, em direito romano, é a de que “quem cala
não afirma nem nega” (cfe. D. 50.117.142). Pode o silêncio,
no entanto, ser manifestação tácita de vontade quando as
circunstâncias do caso o autorizarem, como ocorre quando há o
ônus jurídico de contradizer ou de não contradizer
decorrente da natureza da relação jurídica ou de
convenção preestabelecida pelas partes (D. 1.7.4 que parece
interpolado; D. 14.6.12; D. 14.6.16; C. 8.25.6), ou quando a lei atribui ao
silêncio valor de concordância ou de recusa (D. 23.1.7.1; D. 24.3.2.2).
Ampla citação das fontes romanas sobre essas
exceções se encontra em SAVIGNY[11].
No artigo 113, consagra-se a seguinte norma
relativa à interpretação do negócio
jurídico: “Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Boa-fé, nesse dispositivo, não é a boa-fé
subjetiva, mas, sim, a boa-fé objetiva, que se situa no terreno das
relações obrigacionais e do negócio jurídico em
geral, e se caracteriza como regra de reta conduta do homem de bem no
entendimento de uma sociedade em certo momento histórico, não se
fundando, pois, na vontade das partes, mas se ligando a deveres
secundários ou instrumentais cuja observância nessas
relações se exige. É, portanto, algo exterior ao sujeito,
e que, no concernente à interpretação, se relaciona ora
com a hermenêutica integradora, ora com a hermenêutica limitadora,
possibilitando, assim, que o conteúdo do negócio jurídico
seja integrado ou limitado por esses deveres, como, por exemplo, o dever do
vendedor de tudo fazer para que a coisa vendida seja entregue ao comprador e
chegue íntegra a este. Nos textos romanos, não há preceito
correspondente ao sob exame. DI MARZO[12],
com relação ao artigo 1.366 do Código Civil italiano que
trata da interpretação de boa-fé, remete ao artigo 1.337,
referente ao comportamento de boa-fé que as partes devem seguir no
desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato, e
acentua que, nesses casos, o direito romano operava com a noção
de dolo. Com efeito, traçando a evolução da fides bona no direito romano das
obrigações, cujos pormenores ainda são controvertidos,
salienta HOVART[13]
que ela, na época histórica, significa fidelidade à
palavra dada com o dever de cumprimento da promessa, o que levou ao
reconhecimento jurídico e, portanto, à possibilidade de intentar
ação – que não podia basear-se no oportere – em certos contratos
(assim, nos consensuais mais antigos, a saber, a compra-e-venda e a
locação), que não eram conhecidos do antigo ius civile, mas o foram primeiramente no
comércio internacional dos romanos com os estrangeiros, dando-lhes
sanção jurídica o pretor peregrino. Com o passar do tempo,
esses contratos ingressaram no ius civile como negócios iuris gentium. Assim – e é
essa a opinião dominante – a fórmula baseada no oportere ex fide bona foi introduzida
pelo pretor peregrino, e depois adotada pelo pretor urbano, ingressando no ius civile. A fides bona tem, então, nova função: a de
exigir que os contratantes ajam sem dolo e segundo o critério de
relações leais e honestas, ou seja, a de exigir deles
comportamento honesto positivo. A categoria dos iudicia bonae fidei já era conhecida no tempo de Plauto, e
sua função de repressão do dolo e da desonestidade
é da época de Cícero. No direito clássico, os iudicia bonae fidei dão ao iudex maior liberdade de
apreciação, transformando-se a função da fides bona em meio de alargamento do officium iudicis, permitindo ao iudex levar em
consideração o dolo de um dos litigantes sem a
inserção da fórmica da exceptio
doli, bem como fazer, ao determinar o valor da condenação, a
compensação dos créditos e débitos do autor e do
réu, e incluir, na condenação, o valor dos frutos e dos
juros não convencionados. Com o desaparecimento do processo
formulário e, na fórmula, da cláusula oportere ex fide bona, a boa-fé no direito
pós-clássico se transforma em cláusula geral de direito
material que domina todo o sistema contratual. Por isso, no direito justinianeu
alarga-se a esfera das ações bonae
fidei e se restringe a das ações stricti iuris.
Outra
inovação do novo Código é a
introdução
O
Código Civil de 1916, sob o título “Das modalidades dos
atos jurídicos” trata da condição, do termo e do
encargo (modus), afastando-se do seu
modelo, no tocante à Parte Geral, que foi o BGB. Este, aí,
ocupa-se apenas da condição e do termo, por não
reconhecer, certamente, caráter de generalidade ao modus que somente pode ser aposto aos negócios gratuitos.
Diversa, porém, era a sistemática observada pelos pandectistas
germânicos, que o estudavam na Parte Geral, orientação que
foi mantida pelo novo Código Civil brasileiro, que, porém,
abandonou, por impróprio, o título “Das modalidades do ato
jurídico” e o substituiu pelo “Da condição, do
termo e do encargo”.
No que diz respeito à
condição, procurou ele aperfeiçoar o Código de
1916, corrigindo-lhe falhas e suprindo-lhe lacunas. Assim, no artigo 121 (que
corresponde em parte ao 117 do Código de 1916), a inclusão da
frase “derivando exclusivamente da vontade das partes” serve para
afastar do terreno das condições em sentido técnico as condiciones iuris. No artigo 122 do novo
Código substituiu-se a fórmula empregada pelo artigo 115 do
código de 1916 (“São lícitas, em geral, todas as
condições, que a lei não vedar expressamente”) por
esta mais exata: “São lícitas, em geral, todas as
condições não contrárias à lei, à
ordem pública ou aos bons costumes”. Ao tratar das
condições que invalidam o negócio jurídico e das
que se têm por inexistentes, o novo Código, nos artigos 123
(“Invalidam os negócios jurídicos que lhes são
subordinados: I – as condições física ou
juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II – as
condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III
– as condições incompreensíveis ou contraditórias”)
e 124 (“Têm-se por inexistentes as condições
impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer coisa
impossível”), corrige falhas de há muito observadas no
Código de 1916, além de tornar expresso que as
condições incompreensíveis ou contraditórias
são causas de invalidade do negócio a que foram apostas. Ao
disciplinar a eficácia da condição resolutiva, no artigo
128, ele inova, com relação ao Código de 1916, ao
estabelecer que, se ela for aposta a um negócio de
execução continuada ou periódica, “a sua realização,
salvo disposição em contrário, não tem
eficácia quanto aos atos já praticados, desde que
compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme
aos ditames de boa-fé”. Ademais, suprime-se, no novo
Código, a referência que o parágrafo único do artigo
199 do Código de 1916 faz á condição resolutiva
tácita, que não é condição em sentido
técnico, pois esta só se configura se aposta ao negócio
jurídico. E, no artigo 130, o novo Código estendeu à
condição resolutiva – o que se impunha para a proteção
da parte que, enquanto pende essa condição, é titular de
direito expectativo – a regra (limitada no Código de 1916 à
hipótese de condição suspensiva) de que ao titular de
direito eventual é permitido exercer os atos destinados a
conservá-lo.
O direito romano não conheceu a
condição resolutiva. Ele chegava ao resultado a que se chega, com
ela, no direito moderno, pela aposição, ao negócio
jurídico, de um pacto de resolução sob
condição suspensiva (D. 18.3.1; e D. 41.2.4, 3, tido como
interpolado). A condicio era sempre
suspensiva, e, quando esta consistia em fato impossível física ou
juridicamente, divergiam, no período clássico, a escola dos
proculeianos (que sustentava que essas condições acarretavam a
nulidade do negócio jurídico tanto inter vivos quanto mortis
causa) e a escola dos sabinianos (que entendia que, nos negócios mortis causa, essas
condições se tinham como não-apostas, sendo válido
o negócio jurídico como puro); já nos períodos
pós-clássico e justinianeu, as condições
impossíveis apostas a negócio inter
vivos levam á nulidade deste, ao passo que no negócio mortis causa se têm como não-apostas (com
relação a esses períodos, vide Gaio, Institutas III, 98; D. 28.5.46(45); D. 35.1.3; e Inst. 2.14.10). O novo Código
Civil brasileiro, como se vê, seguiu a orientação adotada
pelos proculeianos. Quanto às condições ilícitas e
imorais, no período clássico, elas, em regra, não
invalidavam o negócio jurídico no sistema do ius civile, salvo algumas exceções (assim, a
título de exemplo, as condições captatórias), mas o
pretor, atuando no âmbito do ius
honorarium, contra tais condições apostas a negócios
jurídicos inter vivos, principalmente em se tratando de stipulationes, inutilizava a validade
desses negócios, denegando ação contra o
não-cumprimento da stipulatio,
ou concedendo à parte obrigada uma exceptio
doli; e, em se tratando de negócio jurídico mortis causa, o pretor exonerava o
interessado do cumprimento de condição dessa natureza (remissio condicionis), o que
indiretamente acarretava a validade do negócio; nos períodos
pós-clássico e justinianeu, as condições
ilícitas e imorais têm o mesmo tratamento das impossíveis:
se apostas a negócio jurídico inter
vivos ocasionam a nulidade deste; se se tratar de negócio mortis causa, têm-se como
não-apostas (a propósito, Paulo, Sent. III, 4 B, 2; e D. 35.1.64pr.). o novo Código Civil
brasileiro, portanto, seguiu apenas em parte o direito romano
pós-clássico e justinianeu, pois considerou que as
condições ilícitas (e, conseqüentemente,
também as de fazer coisa ilícita) invalidam, por via de regra,
tanto os negócios jurídicos inter
vivos quanto os mortis causa,
mantendo, porém, na parte especial, no artigo 1.899 (que corresponde,
sem alteração, ao artigo 1.667 do Código de 1916), norma
que dispõe que é nula a disposição
testamentária que institua herdeiro ou legatário sob a condição
captatória de que este disponha, também por testamento, em
benefício do testador, ou de terceiro. De outra parte, também no
direito romano, não é condição a condicio iuris, ou seja, requisito legal
de eficácia, que, portanto, decorre automaticamente de norma
jurídica e não da aposição em negócio
jurídico por vontade das partes (D. 35.1.21). E, no que diz respeito
às condições contraditórias ou perplexas, que
são as que encerram em si mesmas contradição – assim
as referidas no D. 28.7.16, e D. 40.4.39 –, os citados textos consideram
que a instituição de herdeiro e a manumissão sob
condição dessa natureza em testamento são nulas (inutiles). Daí, observar PEROZZI[16]
que essas condições anulam sempre seja a stipulatio, seja a disposição de última vontade,
porque a sua perplexidade torna perplexa a própria
declaração principal.
No tocante
ao termo, a única alteração que merece referência
é a do § 3º do artigo 132 do novo Código, no qual se
estabeleceu o princípio de que os prazos de meses e de anos expiram no
dia de igual número de início, ou no imediato, se falta exata
correspondência. No direito romano, SCIALOJA[17],
depois de fazer longa resenha das opiniões divergentes sobre a contagem
do tempo quando o prazo é de ano inteiro, se manifesta no sentido de
que, para o anniculus, para a
capacidade de fazer testamento e para a capacidade de manumitir, os textos
(assim, respectivamente, D. 50.16.132 e 134; D. 38.1.5; e D. 40.1.1) são
claros em que para a idade ou para essas capacidades o prazo iniciado em
qualquer momento do dia 1º de janeiro se tem como completado no primeiro
momento do dia 31 de dezembro do mesmo ano. Já com relação
à contagem desse prazo em se tratando de prescrição
(prescrição extintiva), salienta ele que, com base no D. 44.7.6,
não há dúvida de que, iniciada ela em 1º de janeiro,
se terá como ocorrente no fim do dia 31 de dezembro de igual ano; mas,
em se tratando de usucapião (prescrição aquisitiva), a
questão é controvertida pela divergência de
interpretação de três textos (D. 44.3.15pr.; D. 41.3.6; e
D. 41.3.7) que, por sua obscuridade, não permitem que se chegue a
qualquer resultado seguro.
Finalmente,
preenchendo lacuna do Código de 1916, o novo contém preceito
(artigo 137) sobre os encargos ilícito e impossível com o teor
seguinte: “Considera-se não escrito o encargo ilícito ou
impossível, se constituir o motivo determinante da liberalidade, caso em
que se invalida o negócio jurídico”. Em direito romano, os
romanistas divergem. Segundo SCIALOJA[18]
e PEROZZI[19],
entre outros, o modo ilícito ou impossível era tido por
não-escrito; BIONDO BIONDI[20],
porém, sustenta que, em face das fontes romanas, era necessário o
exame da intenção do autor da disposição: se o modo
se apresenta como disposição autônoma ou paralela com
relação ao negócio jurídico, a nulidade daquele
não implica a deste; caso contrário, a nulidade do modo importa a
do negócio jurídico.
Ao tratar
dos defeitos do negócio jurídico, o novo Código apresenta
várias inovações em face do Código de 1916.
Dois
institutos – o estado de perigo e a lesão – que não
se encontram neste, têm assento naquele. Demais, alterações
se introduziram na disciplina do erro, do dolo, da coação e da
fraude contra credores. O tratamento da simulação foi
inteiramente reformulado, sendo deslocado para o capítulo V (“Da
invalidade do negócio jurídico”).
O estado
de perigo, de que trata o artigo 156 do novo Código, era objeto do
artigo 121 do Projeto de CLÓVIS BEVILÁQUA – é certo
que em termos algo diversos, e com solução diferente: o
negócio jurídico presumia-se nulo por vício da vontade,
enquanto não ratificado, depois de passado o perigo – e foi
suprimido pela Comissão Revisora, sem que se saibam os motivos que a
isso a conduziram. Em virtude dessa lacuna, que também ocorre me
vários sistemas jurídicos, a doutrina, no Brasil, não
é uníssona sobre a solução a ser dada a essa
hipótese, seguindo as vacilações dos autores franceses e
italianos. EDUARDO ESPÍNOLA[21]
chega a afirmar que o parágrafo 138 do BGB resolve, na Alemanha, esse
caso, quando, em verdade, o citado dispositivo se refere, propriamente, ao
instituto da lesão, em que não se configura perigo de vida.
Tratando-se de estado de perigo, o novo Código, no seu artigo 171, II,
declara anulável o negócio jurídico, e, ao
contrário do que sucede no direito italiano (Código Civil, artigo
1.447, 2ª parte), que determina que o juiz, ao rescindir o negócio,
pode, segundo as circunstâncias, fixar compensação eqüitativa
à outra parte pelo serviço prestado, não estabelece regra
semelhante, o que implica dizer que o prestador do serviço só se
ressarcirá se configurar-se hipótese de enriquecimento sem causa.
Sobre esse instituto, especificamente, nada há nos textos
jurídicos romanos, salientando, porém, DI MARZO[22],
sem citar as passagens em que se apóia, que as normas, a respeito, do
Código Civil italiano respondem ao espírito da
legislação pós-clássica. No mesmo sentido,
também sem citar textos, se manifesta NARDI[23].
No tocante
à lesão, o novo código Civil brasileiro, no artigo 157 se
afastou dos sistemas alemão e italiano, e, portanto, do adotado pelo
Código Civil português, que se orientou por ambos, já que
observou a conceituação daquele, mas preferiu a
solução deste. Assim, não se preocupa em punir a atitude
maliciosa do favorecido – como sucede no direito italiano e no
português, que, por isso mesmo, não deveriam admitir se evitasse a
anulação se, modificado o contrato, desaparecesse o defeito
–, mas, sim, em proteger o lesado, tanto que, ao contrário do que
ocorre com o estado de perigo em que a outra parte tem de conhecê-lo, na
lesão esse conhecimento é indiferente para que ela se configure,
bastando, apenas, a ocorrência do requisito objetivo da manifesta
desproporção entre a prestação e a
contraprestação contraída por pessoa sob premente
necessidade, ou por inexperiência. Ainda que haja a lesão,
não se decretará a anulação do negócio
jurídico se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito (§ 2º do
artigo 157). O direito romano conheceu a laesio
enormis que vem regulada
Em matéria de erro, o novo
Código inova em vários pontos. O artigo 138 exige, para que seja
anulável o negócio jurídico por erro substancial que este
possa ser percebido por pessoa de diligência normal em face das
circunstâncias do negócio, o que está em consonância
com a concepção subjetiva mitigada do negócio
jurídico. Ao enumerar, no artigo 139, os casos em que há erro
substancial, supre omissão do Código de 1916 (o erro que diz
respeito à identidade da pessoa a quem se refere a
declaração de vontade), e determina que, tanto nesse caso, quanto
na hipótese de erro sobre qualidade essencial dessa mesma pessoa,
é mister, para ser substancial, que a falsa identidade ou a qualidade
essencial tenha influído, de modo relevante, na declaração
de vontade. Por outro lado, no inciso III desse mesmo artigo 139, contempla o
erro de direito nos moldes do Código Civil italiano (art. 1.249, 4). Em
seguida, no artigo 140, corrige impropriedade em que incidiu o artigo 90 do
Código de 1916, substituindo falsa
causa por falso motivo. Já
o artigo 143 é expresso no sentido de que o erro de cálculo
apenas autoriza a retificação da declaração de
vontade. E é também de notar-se que o novo Código, na
esteira do de 1916, atribui o mesmo efeito (a anulabilidade) ao erro-obstáculo
(também denominado erro na declaração) e ao erro
vício (ou erro-motivo), não tratando das duas figuras
separadamente. Por isso seu artigo 144 – que estabelece que “o erro
não prejudica a validade do negócio jurídico, quando a
pessoa, a quem a manifestação de vontade se dirige, se oferecer
para executá-la na conformidade da vontade real do manifestante”
– se dirige a ambas as espécies de erro, e não apenas ao
erro-obstáculo, à semelhança do disposto no artigo 1.432
(combinado com o artigo 1.433 no particular) do Código Civil italiano.
No direito romano, quanto ao requisito da percepção do erro pela
outra parte, DI MARZO[24]
o considera substancialmente conforme ao pensamento romano, citando o D. 18.1.9.2,
no caso em que alguém venda vinagre por vinho. No mesmo sentido NARDI[25],
sem citar fonte romana. No tocante ao erro essencial quanto à pessoa,
há que distinguir, no direito romano, quando se trata de erro dessa
natureza cometido em negócio jurídico mortis causa, em que este é inválido (D. 28.5.9pr.),
e em negócio jurídico inter
vivos, hipótese em que este só é inválido
quando a identidade da pessoa é determinante para o consentimento, como
sucede em caso de empréstimo em que a solvência do devedor tem
particular importância para o credor (D. 47.2.52.21 e D. 47.2.67(66).4).
No que concerne ao erro de direito como defeito do negócio
jurídico, os romanos levavam em consideração o homem
médio (D. 22.6.3.1), para considerar que a ignorância de direito
em que este não incorresse prejudicaria o que nela incorresse, excetuando,
porém, dessa regra algumas categorias de pessoas (assim, as mulheres, os
menores, os soldados e os rústicos) que podiam invocá-la em seu
favor para evitar dano e não para conseguir vantagem (D. 22.6.9pr. e D.
22.6.7). Também a retificação do negócio
jurídico quando há erro de cálculo está em
conformidade com o que preceitua o C. 2, V, 1, sendo, porém, de notar-se
que o texto do artigo 143 do Código Civil brasileiro, ao
contrário do que ocorre, de certa maneira, com o artigo 1.430 do
Código Civil italiano, não se refere à ressalva contida na
citada fonte romana, pela qual, se por erro de cálculo se prometeu como
devida uma quantidade que não o era, cabe a condictio para a
liberação. Finalmente, nada há nas fontes romanas quanto
à norma do artigo 144 do novo Código Civil brasileiro.
Manteve o
novo Código, no concernente ao dolo, a distinção –
acolhida pelo Código de 1916, que, nesse ponto, se afastou o BGB –
entre dolus causam dans e dolus incidens, somente considerando o
primeiro como vício da vontade, e, portanto, como capaz de acarretar a
anulabilidade do negócio jurídico. Nessa seção,
aliás, introduziu poucas alterações, a saber: no que diz
respeito ao dolo de terceiro (artigo 148), e na distinção que faz
(artigo 149), quanto ao dolo de terceiro, entre representante legal e
voluntário. Merece destaque o disposto no artigo 150: “se ambas as
partes procederam com dolo, nenhuma pode alegá-lo, para anular o
negócio, ou reclamar indenização”. No direito romano,
não se encontra nas fontes base suficiente para sustentar que seja
romana a distinção entre dolus
causam dans e dolus incidens,
que, em verdade, vem dos glosadores até os pandectistas, embora
já se tenham invocado para assentar essa distinção no
direito romano dois textos: D. 19.1.11.4 (para o dolus causam dans) e D. 19.1.13.4 (para o dolus incidens). Ademais, no direito romano antigo, o dolo
não implicava a invalidade do negócio jurídico, seja pelo
formalismo então imperante, seja pela falta de diligência do
enganado, mas, além de ser possível prevenir-se do dolo inserindo
a stipulatio uma cláusula doli, nos iudicia bonae fidei o iudex
poderia levar em consideração a existência do dolo;
posteriormente, no ius honorarium, o
pretor concedeu ao enganado três instrumentos processuais: a actio doli, a exceptio doli e a restitutio
in integrum propter dolum, que permitiam evitar os danos patrimoniais dele
decorrentes, sem, portanto, acarretar a invalidade do negócio
jurídico (D. 4.3.38); e, no direito justinianeu, é que o dolo se
considera como vício da declaração de vontade de que
resulta a invalidade do negócio jurídico em que ele ocorre.
Note-se, afinal, que a norma do artigo 148 do novo Código Civil
brasileiro, à semelhança da do artigo 1.439, 2, do Código
Civil italiano, encontra base romanística no D. 4.3.18.3.
No que
concerne à coação, o novo Código Civil brasileiro
apresenta duas alterações dignas de menção. No
parágrafo único do artigo 151, admite que haja
coação ainda quando o dano diga respeito a pessoa que não
pertença à família do coacto, cabendo ao juiz, com base
nas circunstâncias, decidir se ela se configurou. E se modificou
substancialmente a disciplina da coação exercida por terceiro: no
Código de
O
último dos defeitos de cuja disciplina trata o novo Código
é a fraude contra credores. Manteve ele a anulabilidade como
conseqüência desse defeito, embora reproduza, no artigo
À
semelhança do Código de 1916, duas são as
gradações de invalidade a que alude o novo Código: a
nulidade e a anulabilidade.
Nesse capítulo
há várias inovações.
Entre as
relativas aos casos de nulidade do negócio jurídico, destaca-se,
no artigo 166, III, “a”, do negócio jurídico em
fraude à lei imperativa (fraus
legi facta). Quando ela ocorre, ao invés de sua sanção
ser a mesma que se comina à violação direta (ou seja, a
aplicação do princípio da exaequatio do agere in
fraudem legis ao contra legem agere),
será sempre a nulidade do negócio fraudulento, que, assim,
é punido mais severamente do que o ato de violação direta
se esta der margem apenas à anulabilidade. Já com
relação ao direito romano, demonstrou ROTONDI, em seu livro Gli Atti in frode alla lege nella dottrina
romana e nella sua evoluzione posteriore, e o reafirmou posteriormente no
escrito Ancora sulla genesi della teoria
della fraus legi (republicado
Da
simulação, que no Código Civil de 1916 era defeito do
negócio jurídico que acarretava a anulabilidade quando não
fosse inocente, resulta, no novo código, sempre a nulidade do
negócio jurídico simulado, quer seja a simulação
absoluta quer seja relativa, sendo que, neste último caso,subsiste o
negócio que se dissimulou, se válido na substância e na
forma (artigo 167, caput). O §
2º desse dispositivo ressalva os direitos de terceiros de boa-fé em
face dos contraentes do negócio jurídico simulado, no direito
romano, em síntese, se tem que, no período
pré-clássico, o negócio jurídico simulado era
válido, uma vez que, em virtude do formalismo primitivo, a
simulação era irrelevante; no período clássico,
embora não se tenha estabelecido a regra geral de que o negócio
simulado era nulo, não só há nas fontes decisões
nesse sentido (assim, D. 18.1.36; D.18.2.4.5; D. 23.2.30; D. 44.7.54, dentre
várias outras), mas também à nulidade dos negócios
jurídicos simulados conduzia o princípio da veritas actus
relativo a contratos consensuais e reais (o contrato de compra e venda sem
preço era nulo); finalmente, na época justinianéia, surge
o preceito geral de que o negócio simulado é nulo (cfe. A rubrica
do C. I.22 – Plus valere quod agitur,
quam quod simulate concipitur), sendo que, em caso de
simulação relativa, o negócio dissimulado é
válido se, além de estarem seus elementos essenciais contidos na
simulação, não infringir a lei, a moral ou os bons costumes.
Inovando,
o artigo 169 determina que “o negócio jurídico nulo
não é suscetível de confirmação, nem
convalesce pelo decurso do tempo”. Em se tratando de negócio
jurídico nulo, também no direito romano se acha a regra de Paulo,
segundo a qual “quod initio
viciosum est, non potest tractu temporis convalescere” (D. 50.17.29).
Todavia, em hipóteses excepcionais, e por determinação do
ordenamento jurídico, pode validar-se um negócio jurídico
originariamente nulo com a confirmação dele pela pessoa que possa
valer-se de sua nulidade (cfe. Fr. Vat. 294; D. 31.77.17;
D. 32.33.2; D. 34.2.13).
No artigo
170, disciplina-se a conversão do negócio jurídico nulo
nestes termos: “se, porém, o negócio jurídico nulo
contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que
visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a
nulidade”. Em sentido semelhante o direito romano admitia a
conversão do negócio jurídico nulo, exigindo, para isso, a
observância dos seguintes requisitos: a) – que ela fosse autorizada
pelo ordenamento jurídico: b) – que o negócio
jurídico nulo contivesse os elementos essenciais do negócio em
que aquele iria converter-se; e c) – que se pudesse presumir que teriam
as partes querido o negócio jurídico em que se converteria o
nulo, se tivessem sabido da sua nulidade, e isso porque esse novo
negócio era apto a propiciar a elas o mesmo fim prático que
perseguiam com o antigo. Um exemplo de conversão com a
verificação desses requisitos é o que se encontra no D. 2.14.27.9
e no D. 18.5.5pr., a saber: a acceptilatio
– um dos modos de extinguir a obrigação –, que, por
qualquer razão, fosse nula, podia ser tomada como pacto de não
pedir (pactum de non petendo) firmado
pelas partes.
Permite o
artigo 176 que “quando a anulabilidade do ato resultar da falta de
autorização de terceiro, será validado se este a der
posteriormente”. No direito romano, em que se tem que o negócio
jurídico, na falta da necessária autorização de
terceiro, era tido como incompleto ou claudicante, podia ser ele validado se a
autorização fosse dada posteriormente á sua
celebração (vide, por exemplo, D. 14.6.7.15, que trata da
hipótese de empréstimo que, feito a filius familias sem o consentimento do pater, se validava se
este, posteriormente, o desse expressa ou tacitamente). Esse ato, que supria
tal falta, é denominado, nas fontes, ratihabitio,
expressão que é também utilizada em textos
jurídicos romanos para designar o ato de confirmação do
negócio jurídico.
Dispõe-se,
no artigo 178 do novo Código Civil brasileiro, que o prazo para
pleitear-se a anulação do negócio jurídico por
defeitos deste é de decadência e não de
prescrição. No período pré-clássico do
direito romano, as ações da lei eram perpétuas. No
processo formulário, as ações civis, em regra, são
perpétuas (Gaio, Institutas
IV, 110), ao passo que as ações pretorianas, em geral, devem ser
propostas dentro de prazo curto (as mais das vezes, um ano), o mesmo ocorrendo
com vários interditos (como o interdictum
fraudatorium) e as restitutiones in
integrum. Nos períodos pós-clássico e justinianeu,
denominam-se actiones perpetuae as
sujeitas a prescrição de 30 ou 40 anos, estando as actiones temporales sujeitas a
prescrição mais breve. No processo formulário, como
acentua AMELOTTI[28],
a palavra praescriptio no sentido de
perda da ação por decurso de tempo é estranha a ele,
só tendo surgido na cognitio extra
ordinem. Adverte ainda o mesmo autor[29]
que “a regulamentação moderna da prescrição,
enquanto não tem pontos de contacto com as prescrições do
processo formulário, é claramente inspirada na
prescrição justinianéia”, e acrescenta que numerosos
princípios seus permaneceram válidos, como os do impedimento, da
suspensão e da interrupção da prescrição, além
de não ser pronunciável de ofício. E, em se tratando de
instrumentos processuais contra os defeitos dos negócios
jurídicos (assim, no tocante ao dolo, à coação e
à fraude contra credores, a actio
de dolo e a actio quod metus causam
gestum erit, bem como a restitutio in
integrum e o interdictum fraudatorium),
eram eles meios processuais pretorianos no período clássico, e,
portanto, deviam ser exercidos em prazos breves, e, nos períodos
pós-clássico e justinianeu, as duas ações acima
referidas (que da natureza penal que tinham no direito clássico passaram
a ter a função restitutória
da in integrum restitutio), bem como,
na época de Justiniano, a actio
Pauliana, que substituiu o interdictum fraudatorium, se sujeitam a
breve prazo de prescrição. Note-se, ainda, que há
romanistas, como BETTI[30],
que sustentam que, no processo formulário, as ações
pretorianas enquanto anuais estavam sujeitas à decadência. De
qualquer sorte, porém, no período pós-clássico, e
principalmente no justinianeu, o que há, com relação ao
decurso do tempo no tocante à propositura de qualquer
ação, é – ao contrário do que ocorre com as
ações referidas nesse artigo 178 do novo Código Civil
brasileiro – a prescrição e não a decadência.
Finalmente,
o artigo 184 preceitua que, para a invalidade parcial de um negócio
jurídico não o prejudicar na parte válida se esta for
separável, se há de respeitar a intenção das
partes. No direito romano, o princípio “utile per inutile non
vitiatur” é adotado claramente no D. 45.1.1.5, quando o
negócio jurídico parcialmente nulo não era
incindível. Nas fontes romanas, no entanto, não se encontra texto
expresso que admita, para não-aplicação desse
princípio, que se leve em conta a intenção das partes para
a aferição da incindibilidade do negócio jurídico parcialmente
nulo.
[2] Das Anwendungsgebeit der Vorschriften
für die Rechtsgeschäfte, Breslau 1901; Willenserklärung und Willensgeschäft, Berlin 1907; e Das rechtswirksame Verhalten, Berlin
1939.
[4] A
propósito do desenvolvimento desses estudos, vide Soriano Neto, A construção científica alemã sobre os atos
jurídicos em sentido estrito e a natureza jurídica do
reconhecimento da filiação ilegítima, separata, Recife
1957; Mirabelli, L’atto non negoziale nel diritto
privato italiano, Napoli 1955; Panuccio,
Le dichiarazioni non negoziali di
volontà, Milano 1966; Castro
y Bravo, El negocio
jurídico, 21-50, Madrid 1967; Flume,
Das Rechtsgeschäft, § 9º, 104 e seguintes.
Combatem a
distinção entre negócio jurídico e ato
jurídico em sentido estrito Andreoli,
Contributo alla teoria
dell’adempimento, 52 e seguintes, Padova 1937; e José Paulo Cavalcanti, A representação
voluntária do direito civil – a ratificação no
direito civil, 40-42, nota 68, Recife 1965.
[5]
Expressão divulgada no Brasil especialmente por Pontes de Miranda, Tratado
de Direito Privado, tomo II, 3a ed., § 209, I, 372, Rio de Janeiro
1970. Outras denominações são, também, utilizadas
pelos autores. Assim, Enneccerus-Nipperdey,
Lehrbuch des Bürgerlichen rechts
– Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, erster Band, zweiter
Halbband, § 137, IV, 2, “b”, 579 – que consideram
pleonástica a expressão atos-fatos
(Tathandlungent), ibidem, nota 25 – preferem a
denominação Realakte (Pontes de Miranda, porém, ob,
cit., § 21, I, 373-4, considera os atos
reais – também denominados atos naturais ou atos meramente
externos – como espécie do gênero atos-fatos jurídicos). A designação atos meramente externos (rein äussere Handlungen), para
indicar os atos-fatos jurídicos,
se encontra em Manigk (cfe. Enneccerus-Nipperdey, ob. cit., §
137, IV, 2, 579, nota 25). Meros atos
jurídicos é como os denomina Cariota Ferrara (El
negocio jurídico, trad. Albaladejo, 31, Madrid
1956).
[7] Zur
lehre vom Rechtsgeschäft im klassischem Recht,
in Festschrift Fritz Schulz, vol. I, 148 e
seguintes, Hermann Böhlaus Nachfolger, Weimar 1951.
[8] Istituzioni di Diritto Romano, I,
ristampa inalterata della seconda edizione, § 58, 133, nota 4, Padova
1947.
[9] Corso di Diritto romano, Parte Generale
– fatti giuridici, negozi giuridici, atti illeciti –, Parte
Speciale – la compravendita, 117-118, Milano s/data.
[13] Osservazioni sulla
“bona fides” nel diritto romano obbligatorio,
in Studi in onore di Vicenzo Arangio-Ruiz
nel XLV anno del suo insegnamento, I, 423-443, Napoli s/data.
[21] Manual do Código Civil Brasileiro,
Parte Geral, Dos Fatos Jurídicos, vol. III, parte primeira, 2a ed., 378,
Rio de Janeiro 1929.