N. 5 – 2006 – Contributi

 

A proteção do devedor decorrente do favor debitoris como princípio geral do direito das obrigações no ordenamento jurídico brasileiro

 

Maurício Mota

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

 

 

 

 

ResumoPalavras-chave: Favor debitoris – Proteção ao devedor - Princípios de direito

Neste artigo o autor analisa o papel do conceito de favor debitoris na Teoria Geral das Obrigações e na lei brasileira como um princípio direcionado à proteção dos devedores. A fim de realizar esta tarefa, o autor traça um lineamento histórico do favor debitoris, buscando as origens do instituto na época do Direito Romano, seu desenvolvimento nas antigas leis portuguesa e brasileira e finalmente alcançando o Novo Código Civil Brasileiro (2002). O artigo também trata da aplicação do favor debitoris no tempo e suas conseqüências nas relações de devedores e credores nos diferentes sistemas históricos que são objeto deste estudo.

AbstractKey-words: Favor debitoris – Protection of debtor - Principles of law

In this essay, the author analyses the role of the concept of favor debitoris in General Theory of Obligations and in Brazilian law as a principle directed to the protection of debtors. In order to accomplish this task, the author draws an historical outline of favor debitoris, tracing back the origins of the institute to the days of Roman Law and its development in Ancient Portuguese and Brazilian Law, finally reaching the issuing of the New Brazilian Civil Code (2002). The essay also deals with the application of favor debitoris throughout the time and its consequences among the relations of debtors and creditors in the different historical systems that are the object of this study.

 

 

Sumário: 1. A expressão favor no direito romano. – 2. A proteção do devedor no direito romano. – 3.  A proteção do devedor no direito português antigo. – 4. O desenvolvimento da proteção do devedor no direito brasileiro anterior ao Código Civil de 2002. – 5. A proteção ao devedor no Código Civil de 2002 e na legislação contemporânea. – 6. A natureza da obrigação no Código Civil de 2002. – 7.  A proteção do devedor decorrente do favor debitoris como princípio geral do direito das obrigações no ordenamento jurídico brasileiro. – 8. Conclusão. – 9. Referências Bibliográficas.

 

 

1. – A expressão favor no direito romano

 

A expressão favor no direito romano assume o significado daquilo que se desvia do rigor do direito. Como se verifica nas palavras de Ulpiano em D. XL,5,24,10:

 

Se alguien le hubiera dado la libertad directa a un esclavo pignorado, aunque en estricto derecho parece que la dejó inútilmente, sin embargo, el esclavo puede pedir, como se le hubiere dejado la libertad también por fideicomiso, que se le haga libre en virtud del  fideicomiso; porque el favor de la libertad aconseja que interpretemos, que las palabras del testamento son pertinentes también para la petición de la libertad, como se por fideicomiso le hubiere mandado que el esclavo sea libre; porque no es cosa ignorada que en favor de la libertad se establecieron muchas disposiciones contra el rigor del derecho[1].

 

Moreira Alves considera que a expressão favor denota a atitude do legislador e da jurisprudência de favorecimento a uma situação especial que decorre de uma causa favorabilis, ou seja, a tendência a privilegiar esta situação, pela sua relevância e importância dentro do ordenamento jurídico, desde que a interpretação dada não seja absolutamente destoante da lógica jurídica[2]. É o caso do testamento, através do favor testamenti, pelo qual, na dúvida sobre uma disposição, a jurisprudência tem a tendência a favorecer o desejo do testador, da maneira mais ampla possível, com larguíssima interpretação, de modo a evitar a sucessão intestada[3].

A causa favorabilis da qual decorre o favor pode ser compreendida como aquela que, em determinado ordenamento jurídico e época, possui um apreço de bem objetivo, é um bem fundamental, e, como tal, impõe a todos o dever de favorecê-la e defendê-la. A atitude ou tendência de favorecimento é o que se denomina favor, consoante a lição de Sua Santidade João Paulo II no seu discurso aos membros do Tribunal da Rota Romana na inauguração do Ano Judiciário de 2004, ao referir-se ao favor matrimonii:

 

«    Hoje, respondendo também às solicitudes manifestadas pelo Mons. Decano, desejo reflectir novamente sobre as causas matrimoniais que vos são confiadas e, de modo particular, sobre um aspecto jurídico-pastoral que delas sobressai: faço alusão ao favor iuris de que goza o matrimónio e à referente presunção de validade em caso de dúvida, declarada pelo cânone 1060 do Código latino e pelo cânone 779 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

Com efeito, por vezes ouvem-se vozes críticas a este propósito. Algumas pessoas julgam que tais princípios estão ligados a situações sociais e culturais do passado, em que a exigência de casar de forma canónica normalmente pressupunha nos interessados a compreensão e a aceitação da verdadeira natureza do matrimónio. A crise que hoje, em tantos ambientes, infelizmente assinala esta instituição, para eles parece que a própria validade do consenso deve considerar-se muitas vezes comprometida, por causa dos vários tipos de incapacidade ou ainda pela exclusão de bens essenciais. Diante desta situação, os críticos mencionados perguntam-se se não seria mais justo presumir a nulidade do matrimónio contraído, em vez da sua validade.

Nesta perspectiva o favor matrimonii, afirmam, deveria ceder o lugar ao favor personae ou ao favor veritatis subiecti ou ao favor libertatis.

3. Para avaliar correctamente as novas posições é oportuno, em primeiro lugar, reconhecer o fundamento e os limites do favor em questão. Na realidade, trata-se de um princípio que transcende enormemente a presunção de validade, dado que informa todas as normas canónicas, tanto substanciais como processuais, no que se refere ao matrimónio. Com efeito, o apoio ao matrimónio deve inspirar todas as actividades da Igreja, dos Pastores, dos fiéis e da sociedade civil, em síntese, de todas as pessoas de boa vontade. O fundamento desta atitude não é uma opção mais ou menos opinável, mas sim o apreço do bem objectivo, representado por toda a união conjugal e por cada família. Precisamente quando é ameaçado o reconhecimento pessoal e social de um bem tão fundamental, descobre-se mais profundamente a sua importância para as pessoas e para as comunidades.

À luz destas considerações, manifesta-se com clareza que o dever de defender e favorecer o matrimónio cabe certamente, de maneira particular, aos Pastores sagrados, mas constitui também uma responsabilidade específica de todos os fiéis, sobretudo dos homens e das autoridades civis, cada qual segundo as suas próprias competências»[4].

 

A interpretação que decorre do favor deve levar em conta sobretudo o valor transcendente da causa favorabilis e, assim, excluir considerações que decorram da aplicação de outros princípios, mormente aqueles oriundos de aplicações mecânicas de caráter formal. Como explica o Papa João Paulo II:

 

«O favor iuris de que goza o matrimónio implica a presunção da sua validade, enquanto não se provar o contrário (cf. Código de Direito Canónico [CDC], cân. 1060; Código dos Cânones das Igrejas Orientais [CCIO], cân. 779).

(...)

Esta presunção não pode ser interpretada como uma mera protecção das aparências ou do status quo como tal, porque é prevista também, dentro de limites razoáveis, a possibilidade de impugnar o acto. Todavia, aquilo que de fora parece correctamente realizado, na medida em que entra no campo da liceidade, merece uma consideração inicial de validade e a consequente protecção jurídica, porque este ponto de referência externo é o único de que, realistamente, o ordenamento dispõe para discernir as situações a que deve oferecer a tutela. Supor o contrário, ou seja, o dever de oferecer a prova positiva da validade dos respectivos actos, significaria expor os sujeitos a uma exigência de realização quase impossível. Com efeito, a prova deveria compreender os múltiplos pressupostos e requisitos do acto que, com frequência, têm uma extensão notável no tempo e no espaço, e comprometem uma vasta série de pessoas e de actos precedentes e conexos.

Então, o que dizer da tese, segundo a qual a própria falência da vida conjugal deveria fazer presumir a nulidade do matrimónio? Infelizmente, a força deste delineamento erróneo é, às vezes, tão grande que se transforma num preconceito generalizado, que leva a procurar as causas de nulidade, como meras justificações formais de um pronunciamento que, na realidade depende do facto empírico do insucesso matrimonial. Este formalismo injusto da parte daqueles que se opõem ao tradicional favor matrimonii pode chegar a esquecer que, segundo a experiência humana assinalada pelo pecado, um matrimónio válido pode falir por causa do recurso erróneo à liberdade dos próprios cônjuges.

(...)

Além disso, o problema diz respeito à concepção do matrimónio, por sua vez inserida no contexto de uma visão global da realidade. A dimensão essencial de justiça do matrimónio, que fundamenta o seu ser numa realidade intrinsecamente jurídica, é substituída por perspectivas empíricas, de índoles sociológica, psicológica, etc., assim como por várias modalidades de positivismo jurídico. Sem nada tirar das contribuições válidas que podem derivar da sociologia, da psicologia ou da psiquiatria, não se pode esquecer que uma consideração autenticamente jurídica do matrimónio exige uma visão metafísica da pessoa humana e do relacionamento conjugal. Sem este fundamento ontológico, a instituição matrimonial torna-se uma mera superestrutura extrínseca, fruto da lei e do condicionamento social, que limitam a pessoa na sua livre realização.

Contudo, é necessário voltar a descobrir a verdade, a bondade e a beleza da instituição matrimonial que, como obra do próprio Deus através da natureza humana e da liberdade do consenso dos cônjuges, permanece como uma realidade pessoal indissolúvel, como um vínculo de justiça e de amor, ligado desde sempre ao desígnio da salvação e elevado na plenitude dos tempos à dignidade de sacramento cristão. Esta é a realidade que a Igreja e o mundo devem favorecer! Este é o verdadeiro favor matrimonii!»[5].

 

Deste modo, os limites da interpretação que decorre do favor são os mais amplos possíveis, tanto subjetiva quanto objetivamente. Do ponto de vista objetivo, dizer que há uma situação jurídica beneficiada por um favor significa considerar que esta realidade é merecedora de valorização em si mesma, tratando-se de um bem fundamental e que, como tal, deve ser privilegiada em confronto com outros argumentos jurídicos porventura relevantes.

Juan Ignacio Bañares, ao comentar o cânon 1060 do Código de Direito Canônico sobre o favor matrimonii, assevera que o favor iuris decorre sempre de uma realidade fática que  o legislador considera em sua instauração e em seu desenvolvimento vital como um valor particularmente importante; que o ordenamento lhe outorga tal valor precisamente por sua conexão substancial e imediata com a causa favorabilis e que este valor deve ser entendido como informador de todo o sistema jurídico daquela ordem de relações[6].

Assim, nos exemplos citados acima, devem-se preferir as interpretações que conduzam à validade de um testamento do que as outras que resultariam numa situação intestada; no matrimônio, as disposições interpretativas assecuratórias da validade do laço jurídico preponderam em relação a justificações de caráter formal para determinação de nulidades. No que concerne ao aspecto subjetivo, todos os operadores do direito e partícipes das relações jurídicas são obrigados a implementar os valores institucionais veiculados através do favor e, nessa perspectiva, defender e proteger aquela situação jurídica.

O favor, em síntese, pode ser definido como o complexo de prerrogativas, quando não um verdadeiro e próprio privilégio, que atribui uma posição de vantagem a uma determinada pessoa, seja porque se leva em consideração a sua qualidade pessoal, seja porque a proteção do interesse individual é, muito freqüentemente, o único meio de satisfazer o interesse de ordem coletiva.

 

 

2. – A proteção do devedor no direito romano

 

A regulamentação jurídica de proteção do devedor no direito romano é um fenômeno típico do período pós-clássico. No direito romano clássico havia um equilíbrio entre a pretensão do credor e a preocupação para com o devedor. Na formulação de Biondo Biondi:

 

«Il diritto della obbligazione si sviluppa secondo uma linea di protezione del debitore; ma pertutta l´epoca classica rappresenta un sapiente equilibrio tra la pretesa del creditore e la pietà verso il debitore»[7].

 

Conhecidas são as disposições da Lei das XII Tábuas pelas quais o devedor responde pela dívida com o próprio corpo (o instituto do nexum), em draconiano processo de execução:

 

TÁBUA TERCEIRA.  Dos direitos de crédito

4. Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado terá 30 dias para pagar.

5. Esgotados os trinta dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado.

6. Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado por seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até o máximo de 15 libras; ou menos se assim o quiser o credor.

7. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor o mantém preso e dar-lhe-á uma libra de pão ou mais, a seu critério.

8. Se não há conciliação que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em 03 dias de feira ao comitium, onde se proclamará, em altas vozes, o valor de sua dívida.

9. Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos  sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre[8].

 

Paulatinamente, o rigor da execução pessoal do devedor foi se atenuando no direito romano. Em 326 a.C., a Lex Pœtelia Papiria aboliu o nexum, imprimindo um abrandamento sensível aos meios de execução das dívidas do devedor insolvente, porquanto a execução não mais poderia recair sobre a pessoa do devedor, mas apenas sobre o seu patrimônio.

Na época de Augusto, a lex Iulia iudiciorum privatorum instituiu a cessio bonorum. Esta autorizava o devedor que, sem culpa, se encontrasse em desastrosa situação patrimonial, a se subtrair à execução em sua pessoa mediante a cessão de todos os seus bens ao credor, o qual não adquiria a propriedade mas era tão-somente legitimado a revendê-la e a satisfazer o seu crédito com o resultado. Tal medida evitava a infâmia que decorria da venda do devedor insolvente. Desta maneira, pôde-se, por exemplo, conceder ao herdeiro evitar a execução em sua pessoa por uma dívida do de cujus, por meio do abandono de sua herança. Considerava-se, porém, nesse período, a cessio bonorum como um privilégio excepcional[9].

No período clássico, surge também o beneficium competentiæ, pelo qual alguns devedores somente podiam ser condenados, em determinadas circunstâncias, a pagar não a totalidade da dívida mas apenas aquilo que estivesse dentro de suas possibilidades patrimoniais (in id quod facere possunt)[10], como se apreende dessas passagens do Digesto:

 

D. XVIII,2,63, pr. Ulpiano, Comentários ao Édito, livro XXXI: É verdade o que a Sabino lhe parece, que ainda que não sejam sócios em todos os bens, senão de uma só coisa, devem ser, entretanto, condenados ao que podem fazer, ou ao que com dolo houverem feito que não pudessem; porque isto tem muitíssima razão, posto que a sociedade contém em si em certo modo um direito de fraternidade. § 1º Se há de ver, se isto deverá conceder-se também ao fiador do sócio, ou se será um benefício pessoal; o que é mais certo. Mas se este fiador houver aceitado o juízo como defensor do sócio,  aproveitar-lhe-á a ele; porque escreveu Juliano no livro décimo quarto do Digesto, que o defensor de um sócio deve ser condenado ao que o sócio pudesse fazer. E disse que o mesmo deve admitir-se também respeito ao defensor de um patrono. E, em verdade, o mesmo será a respeito a todos os que são demandados pelo que podem fazer[11] (tradução livre do autor).

 

D. XLII,1,19,1: § 1º - Também o que é demandado por causa de doação é condenado a quanto possa fazer; e certamente isto só havendo deduzido as dívidas. E entre aqueles a quem se deve dinheiro por causa análoga, será melhor a condição do ocupante; e ainda não creio que se lhe deva de arrancar tudo o que tem, senão que também se há de ter em conta dele mesmo, para que não careça do necessário (tradução livre do autor).

 

D. XXIV,3,12. Ulpiano, Comentários a Sabino, livro XXXVI: É evidente que o marido é condenado ao que pode fazer; mas isto não se lhe há de conceder ao herdeiro (tradução livre do autor).

 

A proteção do devedor surgida no período clássico sob a influência da humanitas[12] consolida-se com os imperadores cristãos, ampliando-se as formas de tutela do devedor, considerado a parte mais fraca. Razões de ordem ideológica, como a difusão do cristianismo, misturam-se a considerações de ordem econômica para a justificativa da tutela do devedor. Como lembra Giovanni Pugliese:

 

«Questo favor per il debitore, da un lato, dipese con ogni probabilità da ragioni economiche inerenti al generale impoverimento, specie nelle province occidentali, onde la condizione dei debitori veniva resa dura, da un altro lato è ragionevolmente da mettere in rapporto col Cristianesimo e la sua diffusione»[13].

 

No período justinianeu, ampliam-se significativamente as disposições que tornam o exercício do direito de crédito menos inexorável do que era no período clássico. O beneficium competentiæ muda o seu perfil. Admite-se a exclusão de alguns bens da execução patrimonial, com a finalidade de garantir a subsistência do devedor e evitar que este ficasse reduzido à indigência. É a deductio ne egeat, prevista em D. L.17,173 pr., estendida a todos os devedores que gozavam da condenação limitada[14].

Sob a égide de Justiniano, foi proibido o anatocismo, fixando-se que, se alguém houvesse estipulado juros além da taxa estabelecida, ou juros dos juros, tenha-se por não expresso aquilo que ilicitamente se expressou, e que se possa pedir apenas o que é lícito[15]. Pela legislação justinianéa, não poderiam os juros ser inseridos em estipulação nem exigidos quando o capital já tivesse dobrado por conta de juros[16]. Os juros recebidos indevidamente poderiam ser imputados como capital ou repetidos mediante a condictio indebiti[17].

O aspecto verdadeiramente novo na compilação justinianéa é a codificação de um sistema que tem em conta a classe social a que pertence o credor e a natureza do empréstimo para determinar o limite da convenção de juros. Sendo distintos os empréstimos civil, comercial e marítimo, Justiniano considerava que os dignitários, nobres e pessoas eméritas não deviam, de maneira alguma, estipular a título de juros, em qualquer contrato, mais do que quatro por cento ao ano; os comerciantes e banqueiros deveriam moderar sua estipulação até oito por cento ao ano; nos empréstimos marítimos, era lícito estipular somente até doze por cento ao ano; todas as demais pessoas podiam estipular, a título de juros, somente a metade de um por cento mensal, ou seja, seis por cento ao ano[18].

Por razões de clemência, ainda que do desagrado dos credores, como o próprio texto afirma, Justiniano concede a datio in solutum necessaria pela Novela IV,3, do ano de 535 d.C. Nesta, determina-se que o devedor que não dispusesse de dinheiro para restituir a quantia que recebera em mútuo, mas que fosse proprietário de imóveis, poderia, por não encontrar comprador para eles, dirigir-se ao juiz competente e, feita escrupulosa avaliação deles, dar os melhores em pagamento[19]. A legislação em D. XII, 1, 26, define que o pretor deverá agir com humanidade e facultar ao devedor o pagamento parcial do débito da parte incontroversa, incumbindo ao credor continuar a demandar em juízo pela parte restante[20].

Moreira Alves cita diversas passagens nas quais o direito justinianeu elabora uma proteção reforçada ao devedor. Assim, nesse direito, o termo presume-se aposto ao negócio jurídico em favor do devedor; há também a concessão de prazo de graça para o devedor[21].

Outro aspecto importante da proteção do devedor no direito romano é a vedação da læsio enormis através de rescrito de 285 d.C. do Imperador Diocleciano. Nesse período, a economia romana vivia uma profunda crise resultante da combinação de baixa taxa de natalidade, tentativas de incursão dos bárbaros, peso excessivo dos impostos, evasão dos camponeses e rarefação do número de escravos, o que trouxe como conseqüência o nascimento de uma nova classe social representada pelos colonos vinculados à terra.

Muitos dos pequenos proprietários nesse período viam-se obrigados a refugiarem-se sob o manto protetor dos grandes proprietários de terras, tornando-se seus colonos. Desta forma, a pequena e média propriedade rural passa a ser absorvida pelos poucos latifundiários, iniciando-se um processo de desagregação política e social.

Os abusos dos potentes (grandes proprietários de terras) em relação aos infimi ou minores (pequenos proprietários livres) consistem fator preponderante na instituição da læsio enormis.

É nesse contexto que, em 285 d.C., os imperadores Diocleciano e Maximiniano, em resposta a um certo Aurelius Lupus, elaboraram o rescrito criador da læsio enormis:

 

Rescrito imperial. C. IV,44,2 (Diocl. et Maxim. AA. Aurelio Lupo): Se tu ou teu pai houver vendido por menor preço uma coisa de preço maior, é humano que, restituindo tu o preço aos compradores, recebas o imóvel vendido mediante a intervenção da autoridade do juiz, ou se o comprador preferir, recebas o que falta para o justo preço. Ora, o preço parece ser menor se nem a metade do verdadeiro preço tenha sido paga (tradução livre do autor).

 

Sob a rubrica De rescindenda venditione, este rescrito oferece ao vendedor a possibilidade de invocar a rescisão do contrato de compra e venda se o preço obtido com a venda da coisa tiver sido inferior à metade do verdadeiro preço. Ao comprador, porém, foi concedida a faculdade de evitar a rescisão mediante o oferecimento do que faltar para o justo preço, constituindo-se em efetivo mecanismo de proteção do devedor.

Em 320 d.C., uma lei de Constantino proíbe o pacto comissório pelo qual as partes avençam que o credor, no caso de a dívida não ser paga e não se extinguir de outra forma, possa, após o vencimento da mesma, obter a satisfação na coisa penhorada. Nessa época, pela escassez de crédito, acumulavam-se os abusos por exploração usurária, havendo credores que aceitavam como penhores que caducam coisas cujo valor ultrapassava de longe o montante do crédito, para enriquecerem-se com a coisa penhorada, caso o devedor não pudesse pagar[22].

A proibição de adoção de providências vexatórias para a cobrança do crédito no direito romano é ressaltada por Moreira Alves em diversas passagens, como na cessio in potentiorem, na qual, por uma constituição dos imperadores Honório e Teodósio, estabelece-se a perda do crédito quando o credor o transferisse para pessoa mais poderosa. Considerava-se manifesta a voracidade dos credores que compram dívidas de outros para poder exercitar as correspondentes ações de execução[23].

Do mesmo modo, para impedir os especuladores de adquirir crédito a preço vil, e para colocar os devedores ao abrigo dos vexames a que ficariam expostos com essas operações, a constituição imperial de Anastácio (constitutio Anastasiana) determinou que o cessionário não poderia, em nenhuma hipótese, exigir do devedor os juros do preço[24].

O Imperador Justiniano também estabeleceu regra cogente de que ninguém seria obrigado a ceder todos os seus bens por dívida. Atendendo a uma súplica de um cidadão, Zosario, da província de Misia, Justiniano estabelece os padrões de interpretação da situação do devedor: por que onde é justo que aquele que perdeu por acidente, e não por manifesta negligência, seus próprios bens, abrace logo [seja reduzido pelos credores] uma vida indecorosa e seja privado com violência, acaso do cotidiano sustento e do abrigo do corpo?[25].

Considerando tal estado de coisas e, nas suas palavras, desejando render culto a Deus, proíbe aos magistrados reduzir, através da cessio bonorum, o devedor à miséria, quando este jurasse pelos evangelhos que não tinha em suas coisas outros bens ou dinheiro que pudessem satisfazer a dívida.

A interpretação do direito igualmente altera-se no direito justinianeu para estabelecer a maior proteção do devedor. Em D. L, 17, 34, nas Diversas Regras Gerais do Direito Antigo, estabelece-se, especialmente na parte final tida como interpolada, a elucidação de que, se for incerta a regra, deve-se preferir a interpretação que mais favoreça o devedor:

 

D. L,17,34. Ulpiano, Comentário a Sabino, livro XLV: Nas estipulações e nos demais contratos, atemo-nos sempre ao que se tratou; ou, se não aparecer o que se tratou, será conseguinte que nos atenhamos ao que é freqüente na região em que se tratou. Logo, o que se dirá se não apareceu costume da região, porque houve diversidade? A soma há de ser reduzida ao que seja a sua menor importância (tradução livre do autor).

 

A interpretação assume nítido benefício em favor do devedor, estabelecendo a regra iuris de que nas coisas obscuras[26] atemo-nos sempre ao que é o menos[27].

Assim, o ius civile romano desenvolve-se em um processo de crescente humanização, sob o influxo do estoicismo[28], pelo apreço da humanitas[29] e pela extraordinária benignidade do espírito cristão, culminando no estabelecimento de uma efetiva esfera diferenciada de proteção ao devedor, o que justifica pensar, a partir dele, em um verdadeiro favor debitoris.

 

 

3. – A proteção do devedor no direito português antigo

 

A recepção do direito justinianeu e da obra dos glosadores em Portugal dá-se a partir do século XIII. A difusão processa-se em ritmo extremamente lento, amparada sobretudo na justiça exercida em nome do monarca pelos “juízes de fora”. Fator marcante para esta difusão foi a presença significativa de estudantes portugueses, predominantemente eclesiásticos, em centros italianos e franceses do ensino do direito, onde tomaram contato com os novos estudos do renascimento do direito romano e, depois, disseminaram-nos por todo o território luso. O ensino do direito romano nas universidades da Península Ibérica e, após 1290, na Universidade de Coimbra, com as licenciaturas em direito canônico e direito civil, também contribuiu consideravelmente para essa disseminação.

Outro fator preponderante foi a elaboração nessa época de relevantes obras doutrinais e legislativas de conteúdo romano, como as Flores de Derecho, de Jácome Ruiz, e documentos legislativos espanhóis como o Fuero Real e as Siete Partidas, inspiradas no direito justinianeu[30].

As Siete Partidas, sobretudo, influenciaram profundamente o direito das primeiras ordenações portuguesas – as Afonsinas – e possibilitaram a transmissão para o ordenamento português dos institutos de proteção ao devedor do direito romano.

No direito português antigo, são inúmeras as disposições de favorecimento do devedor recebidas do direito justinianeu. Paschoal José de Mello Freire, em seu Curso de Direito Civil Português, ao discorrer sobre as regras gerais de interpretação das leis, anuncia em sua primeira regra que, para explicar o sentido de uma lei, deve-se dar preferência àquele que ela tem tido no uso e prática do foro, e, se um sentido não tiver um uso preferido, deve-se preferir aquele em que menos rigor se der:

 

«Para explicarmos o sentido d´uma Lei, devemos com preferencia attender àquelle, que ella tem tido no uso e práctica do Fôro, como n´outra parte mostrámos. Optima enim est interpres consueto – diz a L. 37, D., de Legibus.

Quando a disposição legal nos offerece dous sentidos, um dos quaes priva a Lei de ter effeito, deve ella no outro tomar-se; porque uma Lei nunca pode ter sido feita ociosa e inutilmente. Se offerece varios sentidos, que dão diversos effeitos à Lei, e se um não tem sido pelo uso preferido, deve preferir aquelle em que menos rigor se der. Benignus leges interpretandae sunt, quo voluntas earum conservetur – diz a L. 18, D. de Legibus»[31].

 

A cessio in potentiorem, pela qual, por uma constituição dos imperadores Honório e Teodósio, estabelece-se a perda do crédito quando o credor o transferisse para pessoa mais poderosa[32], foi recebida no direito português nas Ordenações Afonsinas, as quais previram que, se um credor tiver uma demanda contra um devedor e, antes da demanda começada, a ceder a uma pessoa mais poderosa em razão do Ofício, perderá todo o direito e ação que até então tinha:

 

Ordenações Afonsinas. Livro III, Titulo CXVIII: Mandamos, e Estabelecemos por Ley, que se alguum tever auçaõ contra outro, assy real, como pessoal, e ante da demanda começada a ceder, ou transmudar em algum poderozo por rezam do Offício, como dito he no Titulo suso dito, aquelle, que tal cessaõ, ou transmudaçam de acçam assy fezer, perca toda auçaõ, e direito, que hy ouver, e aquelle que fez a dita cessaõ, nem aquelle a que foi feita, nunqua, ja mais possam usar d’algum direito que hy tivessem, porque todo ele avemos por perdido; e alem desto Nós daremos ao dito nosso Official, que tal couza fizer, escarmento e pena, como achamos que por direito merece[33].

 

Igual disposição encontra-se nas Ordenações Manuelinas[34] e nas Filipinas[35].

Moreira Alves relata que a cessio bonorum, que permite ao devedor ceder todos os seus bens aos credores para livrar-se da execução pessoal e, portanto, da servidão e do cárcere, é admitida pelas Ordenações Afonsinas e que, utilizando-se desse benefício, o devedor não deve ser preso pela dívida, mas continua obrigado pelo saldo, embora, se vier a adquirir novos bens, goze do beneficium competentiæ:

 

«...dando elle luguar aos beens, em tal caso nom deve ser prezo por essa divida: e ainda segundo Direito he livre da obriguaçam civel, em que era obriguado, ainda que fique naturalmente obriguado a esses a que ante era. E esso nom embargante, se elle depois ouver alguuns beens de novo, será por elles obriguado á dita divida, com tanto que lhe fiquem tantos beens, em que rezoadamente se possa manter segundo seu estado e condiçaõ, em tal guiza que não pereça de fame, segundo alvidro de boõ juiz»[36]

 

Explica ainda este autor que as Ordenações Manuelinas e as Filipinas, embora mantendo essa disciplina da cessio bonorum (e do beneficium competentiæ ao devedor que dela se valesse), restringiram-na – alegando as malícias e os enganos que os devedores, com esse remédio, faziam aos credores – aos casos em que o devedor, solvente ao tempo em que contraiu o débito, deixasse de sê-lo sem sua culpa, ou, se insolvente naquele momento, tivesse declarado ao credor «como não tinha fazenda; ou se a tinha, que a tinha obriguada a outras pessoas, porque, nestes casos, e cada huu deles, poderá fazer cessam». O beneficium competentiæ era também, no antigo direito português, concedido pelos costumes às pessoas aludidas no D. 42, l, 16 e I. 4,6,37 e 38 (pais, filhos, irmãos, sócios, etc), bem como a clérigos, doutores, magistrados, igrejas, mosteiros, lavradores, negociantes e falidos de boa-fé[37].

No direito romano, a stipulatio, uma vez concluída, determinava obrigações rígidas e invariáveis para o credor e o devedor. O credor podia, por esta, reclamar diretamente o cumprimento da obrigação com a simples invocação da realização das solenidades prescritas, sem que o devedor pudesse se livrar de tais conseqüências invocando que a causa da obrigação era falsa, errônea ou ilícita. Ao juiz não cabia examinar a essência da convenção, nem suas qualidades intrínsecas. Uma constituição do Imperador Caracala, no ano de 215 d.C., contudo, estabeleceu que, se alguém começar a ser demandado por uma caução, ainda que tenha dado hipoteca, e houver oposto a exceção de dolo ou de dinheiro não contado, fica compelido o demandante a provar que entregou o dinheiro. Não tendo feito isto, seguir-se-á a absolvição[38]. Assim, Caracala introduziu no sistema de contrato formal a querela non numeratæ pecuniæ, pela qual os devedores ficavam protegidos da ma-fé dos emprestadores de dinheiro que, por vezes, não transferiam a totalidade do montante do empréstimo e se beneficiavam da abstração do contrato[39].

Esta querela non numeratæ pecuniæ foi reconhecida nas Ordenações Afonsinas:

 

se esse devedor oposer a dita excepçom ante dos sessenta dias, nom seja costrangido a pagar o confessado por elle, salvo se o creedor provar polo Taballiam, e testemunhas, que presentes forom ao contrauto, ou per outro algum modo licito, que realmente e com effeito entregou a esse devedor todo aquello, que per elle foi confessado; e provado assi esto per esse creedor, como dito he, seja logo o devedor costrangido a pagar o contheudo em sua confissom com as custas em tresdobro, pois, maliciosamente letigou, e nom lhe seja recebida em esse Juizo outra defesa alguã, que fóra da escriptura da confissom aja mester próva, pois negou o que razom avia de saber, e lhe veeo provado; e nom ho provando o dito creedor, será costrangido de entregar ao devedor a escriptura da obrigaçom, e fazello livre de seu confesso[40].

 

Também se faz presente o referido instituto nas Ordenações Manuelinas[41] e nas Ordenações Filipinas[42].

A disciplina da lesão, no direito lusitano, remonta às Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título XLV) e Manuelinas (Livro IV, Título XXX), inspiradas indiscutivelmente no direito justinianeu, mas temperadas pela influência canônica.

Nas Ordenações Filipinas, a figura da lesão assumiu um caráter objetivo, de inspiração romana (læsio ultra dimidium). O campo de incidência era vasto, abrangendo as alienações de bens móveis ou imóveis. Diferentemente do direito romano, que facultava a ação de lesão apenas ao vendedor, as Ordenações Filipinas permitiam ao comprador requerer a rescisão com o mesmo fundamento. As Ordenações Afonsinas previam a lesão nos contratos comutativos:

 

E achamos per direito, que as ditas Leix Imperiaaes nom taõ soomente ham lugar nos contrautos das compras e vendas, mais ainda nos contrautos dos arrendamentos, e afforamentos, e escaimbos, e aveenças, e quaaesquer outros semelhantes, em que se da, ou leixa [deixa] de hua cousa por outra[43].

 

Esclarecem os doutrinadores que a lesão nos contratos comutativos teria lugar sempre que uma das partes não recebesse o equivalente daquilo que desse[44].

As Ordenações Filipinas[45] previram, além da figura jurídica da lesão enorme (læsio enormis), a lesão enormíssima, que ocorria quando alguém recebesse somente a terça parte do justo valor da coisa.[46] A læsio enormissima não foi conhecida no direito romano, havendo sido concebida pelos canonistas. A ação de rescisão por lesão enormíssima era reputada ação de dolo, dolo esse presumido (in re ipsa), sendo bastante a prova da diferença de preço, sem necessidade de demonstrar-se a intenção do agente.

As Ordenações não admitiram a possibilidade de renúncia ao benefício da lesão, derrogando, pois, o direito comum. Acontecido o negócio lesionário, ao vendedor cabia pedir a rescisão do negócio com a retomada da coisa e ao comprador conferia-se a faculdade de rescindir o negócio ou refazê-lo pelo justo preço, isto é, aquele que o bem tinha ao tempo da celebração do contrato.

No que concerne à usura e ao anatocismo, as Ordenações proibiam-nos expressamente, como se deduz das Ordenações Afonsinas, IV, 19:

 

Hordenamos, e mandamos, e poemos por Ley, que nom seja nenhuu tam ousado, de qualquer estado e condiçom que seja, que dê ou receba dinheiro, prata, ouro, ou qualquer outra quantidade pesada, medida, ou contada a usura, per que possa aver, ou dar alguã vantagem, assy per via d'emprestido, como de qualquer outro contrauto, de qualquer qualidade natura e condiçom que seja, e de qualquer nome que possa seer chamado. E aquelle, que o contrairo fizer, e ouver de receber gaança algua do dito contrauto, perca todo o principal, que deu, por aver a dita gaança; e aquelle, que ouver de dar a dita gaança, perca outro tanto, como for o principal que recebeo, e seja todo pera a Corôa dos nossos Regnos: e per aqui entendemos, que poderá o contrauto usureiro tam inlicito da nossa terra, e Senhoria seer esquivado[47].

 

Este também era o prescrito nas Ordenações Manuelinas[48] e nas Ordenações Filipinas,[49] que dispunham:

 

Nenhuma pessoa, de qualquer stado e condição que seja, dê ou receba dinheiro, prata, ouro, ou qualquer outra quantidade pesada, medida, ou contada á usura, por que possa haver, ou dar alguma vantagem, assi per via de emprestimo, como de qualquer outro contracto, de qualquer qualidade, natureza e condição que seja, e de qualquer nome que possa ser chamado.

 

Não obstante, D. José I, Rei de Portugal, em Alvará de 17 de janeiro de 1757, reconhecendo as excessivas usuras que algumas pessoas costumam levar do dinheiro e verificando que as respectivas leis até agora incorporadas às Ordenações do Reino ou Extravagantes não foram bastantes para extirpar tão ilícitas e perniciosas negociações, proíbe que se dê dinheiro a juros que exceda a taxa de 5% ao ano. O espírito, entretanto, permanece o mesmo: considerar essas práticas contrárias aos bons costumes e tendentes para o ilícito.

As penas convencionais no direito das ordenações também são limitadas em benefício do devedor e não podem exceder o principal:

 

As penas convencionaes, que por convença das partes forem postas e declaradas nos contractos não podem ser móres, nem crescer mais que o principal[...]  E em isto não fazemos differença entre a pena, que he posta e promettida por multiplicação de dias, ou mezes, e a que he posta juntamente, porque em todo caso se poderá levar até outro tanto, como o principal, e mais não. E isto, que dito he das penas convencionaes, haverá lugar nas judiciaes, postas per alguns Juizes á algumas partes, ou fiadores em algum caso[50].

 

As Ordenações vedavam ainda a lex commissoria em se tratando de garantias reais, estabelecendo em síntese que era nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não fosse paga no vencimento[51].

Relata igualmente Moreira Alves que as ordenações estabeleceram normas de proteção ao devedor próprias, que não se encontravam no direito romano. Assim, quando o credor cobrasse injustamente em juízo a dívida antes do tempo devido, a pena seria: Haverá o reo todo aquelle tempo, que faltava, para haver de ser demandado, quando o autor primeiramente o demandou, como outro tanto[52]. Por outro lado, quem demandasse outrem por dívida já integralmente paga ou pela parte recebida seria condenado a dar em dobro o recebido, além de ser condenado no dobro das custas[53].

Observa-se, portanto, no direito português antigo que a tradição do favor debitoris do direito romano foi substancialmente mantida e mesmo criadas novas situações jurídicas protetivas do devedor. Vejamos, agora, como tais orientações inseriram-se no direito brasileiro.

 

 

4. – O desenvolvimento da proteção do devedor no direito brasileiro anterior ao Código Civil de 2002

 

No Brasil Império e durante parte da Primeira República, permaneceram em vigor as Ordenações Filipinas e as leis extravagantes portuguesas, até o início da vigência do Código Civil em 1917. Como fossem aquelas extremamente lacunosas e confusas, houve por bem o governo imperial, em 1855, contratar o jurista Augusto Teixeira de Freitas, a quem foi concedido o prazo de cinco anos para «coligir e classificar toda a legislação pátria, inclusive a de Portugal, anterior à Independência do Império, compreendendo-se na coleção e classificação as leis abrogadas ou obsoletas, com exceção das portuguesas». Esta classificação guardaria as divisões de Direito Público ou Administrativo e Privado, assim como as subdivisões respectivas, sendo feita por ordem cronológica. Depois, «consolidará toda a legislação civil pátria, com as mesmas condições da classificação». «Consiste a consolidação em mostrar o último estado da legislação»[54].

Procedeu este jurista o hercúleo trabalho e, em 1858, o Imperador aprovou a Consolidação das Leis Civis tendo, desde então, o diploma de Teixeira de Freitas passado a funcionar oficiosamente como um verdadeiro Código Civil, seja por que afinal fora aprovado pelo Governo Imperial, seja pela autoridade do seu organizador, seja pela facilidade que trouxe aos operadores do foro, agora dispensados de recorrer à legislação esparsa.

É expressa nessa Consolidação a proteção ao devedor. No art. 48, considera-se que, nas execuções, não se pode desmembrar das fábricas de mineração, de açúcar e de lavouras de cana as máquinas, bois, cavalos, escravos maiores de 14 anos e todos os móveis efetivos empregados no processo laboral[55].

O art. 115 define que, no regime de comunhão universal legal, não se comunicarão entre os cônjuges as dívidas passivas anteriores ao casamento e que estas só podem ser pagas pelos bens que trouxe para o casal o devedor e por sua meação nos adquiridos. Teixeira de Freitas, fundado no disposto nas Ordenações Filipinas, livro IV, T. 95, § 4º, conclui que o artigo protege a instituição do casamento das dívidas ao fazer uma exceção às regras de direito que determinam a universorum bonorum, a qual, em tese, compreenderia todas as dívidas existentes ao tempo das entradas sociais[56].

O instituto da lesão está previsto no art. 359, que estatui:

 

Todos os contratos, em que se dá, ou deixa, uma coisa por outra, podem ser rescindidos por ação da parte lesada, se a lesão for enorme; isto é, se exceder metade do justo valor da coisa[57].

 

Acrescenta esse autor que a presença da lesão enorme é ordinária no direito brasileiro e está admitida em nossos costumes. Em se tratando de compra e venda, a lesão pode ser invocada tanto pelo comprador quanto pelo vendedor[58].

A lesão enormíssima também é admitida no art. 567: Mas, se a lesão for enormíssima, restituir-se-á a coisa precisamente, e com os frutos desde o dia da venda[59]. São reprovadas nas escrituras as cláusulas que estabelecerem a renúncia à ação de lesão[60].

Proíbe-se também aos advogados, em detrimento dos devedores, estabelecer quota litis, ou seja, fazer contratos com as partes para haverem alguma coisa se vencerem a demanda. Somente poderiam auferir os honorários fixados em lei[61].

A querela non numeratæ pecuniæ, pela qual os devedores ficavam protegidos da ma-fé dos emprestadores de dinheiro que, por vezes, não transferiam a totalidade do montante do empréstimo e se beneficiavam da abstração do contrato, é prevista nos arts. 487, 489, 490 e 492. Estabecele-se por esses artigos que o contrato de empréstimo só será tido por insofismável, imune a uma exceptio, quando expresso em escritura lavrada perante tabelião que deu fé que o devedor recebeu o empréstimo por ele confessado. Nos demais casos, o devedor podia, no prazo de 60 dias, contestar a confissão do empréstimo, declarando não ter recebido a quantia confessada. Assim, o efeito da reclamação seria o de incumbir ao credor o ônus da prova sobre a realidade do empréstimo[62].

A cobrança indevida de aluguéis era punida nos seguintes termos:

 

Tendo sido a penhora injustamente feita, por estar o proprietário já pago de aluguel, ou de parte dele, incorrerá na pena de satisfazer o inquilino em tresdobro o que lhe pediu de mais, continuando este a morar na casa o tempo necessário para tal satisfação[63].

 

O pacto comissório pelo qual as partes pactuam que o credor, no caso da dívida não ser paga e não se extinguir de outra forma, possa, após o vencimento da mesma, obter a satisfação na coisa penhorada é expressamente vedado pelo art. 769 da Consolidação. Não proíbe, entretanto, a venda do objeto penhorado pelo preço justo (art. 770 e 771).[64]

Subsistia a disposição de que as penas convencionais não podem exceder o valor da obrigação principal (art. 391)

O beneficium competentiæ, na deductio ne egeat – pelo qual admite-se a exclusão de alguns bens da execução patrimonial, com a finalidade de garantir a subsistência do devedor e evitar que este ficasse reduzido à indigência –, permanece, em alguns aspectos principais, como na regra tradicional, dispondo que a lei considera fora de comércio, para o efeito de não serem penhorados, o que for indispensável para cama e vestuário do devedor, não sendo precioso e as provisões de comida que se acharem em sua casa[65].

A cessio bonorum também persiste no direito das obrigações, na abalizada opinião de Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça em 1911. Argumentava este que as Ordenações Filipinas, livro IV, título 74, admitiam que os devedores recorressem à cessão de bens demonstrando que foram infelizes, sem dolo, nos negócios. Era o abandono do patrimônio do devedor aos credores para solver as dívidas. À cessão julgada por sentença ou aceita pelo acordo dos credores, deixavam-se ao devedor alguns bens com que prover sua subsistência[66]. Essa operação não exonerava o devedor. Ele continuava adstrito a satisfazer o que faltasse para o inteiro adimplemento da obrigação. Contudo, assegurava fornecer ao devedor a oportunidade de demonstrar sua boa-fé e salvar o que lhe garantia o benefício de competência[67]. Pela extinção da cessio bonorum no direito brasileiro manifestava-se Teixeira de Freitas (Consolidação, art. 839, nota 24), porém, sem demonstrar a sua afirmativa.

A datio in solutum necessaria, com plenos efeitos para a quitação da dívida, foi admitida pelo Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890, como relata Carlos de Carvalho no art. 940 da sua Nova Consolidação das Leis Civis[68].

A usura, para Teixeira de Freitas, cessou no direito brasileiro através da lei de 24 de outubro de 1832, que revogou o texto das Ordenações, livro IV, títulos 67 e 70, §1º. Do mesmo modo, considerava a reprovação ao anatocismo. Esclarece, porém, Carlos de Carvalho que se estes juros não fossem convencionados, contar-se-iam à taxa de 6% ao ano[69].

Não se pode negar, à vista de todo esse panorama, que o favor debitoris constituía regra corrente no direito brasileiro anterior ao Código Civil de 1916. A imensa maioria da doutrina preconizava uma proteção reforçada aos despossuídos e vítimas de dívidas[70]. Como salienta Carvalho de Mendonça ao falar do instituto da cessio bonorum:

 

«Nos tempos que passam, em que a opressão do capital quase justifica os excessos do proletariado; em que a usura, não satisfeita com arrancar o pão ao devedor, compraz-se em macular-lhe a honra e o nome, é essencial que o direito venha auxiliar a moral fornecendo ao oprimido o extremo alívio de patentear a sua boa-fé e seu infortúnio. Se a cessão de bens não existisse realmente em nossa legislação, era o caso de a propagarmos como um instituto a construir»[71]

 

E, por fim, há na Consolidação de Carlos Augusto de Carvalho a consagração do favor debitoris como princípio geral de interpretação dos atos jurídicos no direito das obrigações, preconizando que, nos casos duvidosos, em que não se possa resolver segundo as regras estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor (favor debitoris) (art. 288)[72].

O Código Civil de 1916, impregnado pelo individualismo jurídico e pela doutrina do laissez-faire, pelo liberalismo econômico smithiano, não recepcionou muitas das medidas de proteção ao devedor acima expostas. Moreira Alves relata que não se encontram nesse código normas que admitam as moratórias, o beneficium competentiæ, a cessio bonorum como meio de extinção do débito (que se traduz numa verdadeira datio in solutum coativa) ou vinculada ao beneficium competentiæ, a querela ou a exceptio non numeratæ pecuniæ, o benefício do inventário, a pena do credor que cobrasse judicialmente antes do prazo, a lesão enorme, a lesão enormíssima, o pagamento parcial coativo, bem como as que vedem a usura, o anatocismo e as cessões aos poderosos[73].

O Código Civil de 1916, entretanto, manteve também dispositivos favoráveis ao devedor. Um deles é a proteção do bem de família, introduzido no Código por indicação do Senador Feliciano Pena, em 1912, e inspirado no Homestead Act norte-americano de 20 de maio de 1862. Por esse instituto, o chefe de família poderia destinar um domicílio para residência desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, isenção que perdurará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem a maioridade. Malgrado a má-vontade que em relação a ele manifestava Clóvis Beviláqua, reputando seus resultados como insignificantes e até inúteis[74], o instituto consolidou-se e mesmo resultou na maior situação de proteção ao devedor do direito pátrio: a impenhorabilidade do bem de família pela lei 8009/90, mediante a qual o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam. A impenhorabilidade, na hipótese desta lei, compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

No Código Civil de 1916, permaneceu a proibição do pacto comissório a todos os direitos reais de garantia no seu art. 765:

 

É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.

 

Clóvis Beviláqua expressamente refere-se a este artigo como tendo inspiração na proteção do devedor do direito romano cristão:

 

«A proibição do pacto comissório funda-se em um motivo de ordem ética. O direito protege o fraco contra o forte, impede que a pressão da necessidade leve o devedor a convencionar o abandono do bem ao credor por quantia irrisória. O imperador Constantino, impressionado pelas manobras capciosas dos pactos comissórios, cuja aspereza crescia assustadoramente, decretou-lhes a nulidade, e as legislações modernas aceitaram essa condenação. O pacto comissório não pode ser estipulado no momento de ser dada a garantia real, nem posteriormente»[75].

 

O art. 920 do referido Código estabelece que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. Foi incluído por iniciativa da Comissão do Governo. É artigo que contou também com a oposição de Clóvis Beviláqua, o qual considerava que ele não se justificava porque era uma restrição à plena liberdade das convenções e que mais perturbaria do que tutelaria os legítimos interesses individuais. Não teve acolhida sua argumentação e foi mantida a tradição decorrente das Ordenações[76].

O art. 9º do Decreto 22.626, de 07 de abril de 1933, previu, posteriormente, disciplinando todos os contratos (estipular em quaisquer contratos, art. 1º), que não é válida a cláusula penal superior à importância de 10% do valor da dívida.

Para o devedor que cumpriu em parte a obrigação, o Código (art. 924) previu a faculdade de o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de inadimplemento. Este é um relevante preceito protetivo do devedor, vez que permite ser aplicado, a título de redução da multa, a todas as situações em que o devedor inadimplente pede a extinção da obrigação; obtendo-a, a redução da cláusula penal que previa a perda das prestações garante ao devedor a devolução de uma parte do que pagou. A regra do art. 924 transformou-se no art. 413 do Código Civil de 2002 e com maior amplitude, isto é, nele está expresso claramente que o juiz poderá reduzir a multa imposta toda vez que ela se mostrar manifestamente excessiva, independentemente da proporção de cumprimento da obrigação, contrariamente ao disposto no Código de 1916 (art. 924).

No que concerne à responsabilidade pela impossibilidade da prestação, o art. 957 do Código de 1916 prevê que o devedor em mora responde por esta, ainda que essa impossibilidade resulte de caso fortuito, ou força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. É uma atenuação da regra da responsabilidade do devedor decorrente de razões de eqüidade[77]. Não existia norma expressa quanto a isso no direito anterior, mas era o sentido em que rumava a doutrina.

O art. 1530 do Código Civil de 1916 estabeleceu que o credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro. Também configura norma protetiva do devedor e pena civil ao credor que procede sem direito[78].

Do mesmo modo, o art. 1531 discorre que, aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação[79].

No que concerne à legislação extravagante ao Código, o Decreto 22.262, de 1933, reintroduziu a usura no direito brasileiro ao prever que é vedado estipular, em quaisquer contratos, taxas de juros superiores a 12% ao ano e que é considerado delito de usura toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos do referido Decreto, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento. Também foi proibido nesse Decreto o anatocismo, dispondo este que é proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano (art. 4º). A Lei nº 1521, de 1951 (art. 4º) veio reforçar o instrumental jurídico protetivo do devedor, agora de natureza penal, ao dispor que constitui crime a usura pecuniária ou real, assim se considerando:

 

a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito;

b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

 

No que concerne à usura real (art. 4º, alínea “b”), reintroduziu a figura da lesão subjetiva no ordenamento jurídico. As conseqüências jurídicas desses procedimentos também eram severas:

 

A estipulação de juros ou lucros usurários será nula, devendo o juiz ajustá-los à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a restituição da quantia para em excesso, com os juros legais a contar da data do pagamento indevido.

 

A mesma lei definiu uma proteção legal ao locatário contra cobranças indevidas ao disciplinar que constituía contravenção penal relativa à economia popular, receber, ou tentar receber , por motivo de locação, sublocação ou cessão de contrato, quantia ou valor além do aluguel e dos encargos permitidos por lei.

Na alienação fiduciária em garantia da lei 4728, de 14 de julho de 1965, estabeleceu-se a proibição da lex comissoria, ao preceituar a norma legal que é nula a cláusula que autorize o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento (art. 66, § 7º). No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o proprietário pode vender a coisa a terceiros e aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da cobrança, entregando ao devedor o saldo porventura apurado, se houver (redação dada pelo art. 1º, do Decreto-lei nº 911/69).

Em alguns casos, admite o ordenamento brasileiro, por motivações de ordem social, que o credor receba menos do que é devido, em uma datio in solutum legal. Foi, por exemplo, o caso da Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998, que previu:

 

Até 31 de dezembro de 1999, fica o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS autorizado a receber, como dação em pagamento, Títulos da Dívida Agrária a serem emitidos pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, por solicitação de lançamento do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária - INCRA, especificamente para aquisição, para fins de reforma agrária:

I - de imóveis rurais pertencentes a pessoas jurídicas responsáveis por dívidas previdenciárias de qualquer natureza, inclusive oriundas de penalidades por descumprimento de obrigação fiscal acessória;

II - de imóveis rurais pertencentes a pessoas físicas integrantes de quadro societário ou a cooperados, no caso de cooperativas, com a finalidade única de quitação de dívidas das pessoas jurídicas referidas no inciso anterior;

III - de imóveis rurais pertencentes ao INSS." (art. 1º).

 

Destarte, percebe-se que, embora sob uma perspectiva fortemente liberalizante e hipostasiada do princípio da autonomia da vontade, a legislação, nesse período, em diversos aspectos, sufragou a proteção do devedor, precipuamente na legislação extravagante.

 

 

5. – A proteção ao devedor no Código Civil de 2002 e na legislação contemporânea

 

O Código Civil de 2002 retomou a tradição reinícola e brasileira de maior proteção ao devedor, afastando-se do exacerbado individualismo do Código de 1916. O Novo Código tem como princípios a socialidade, a eticidade e a operabilidade. O primeiro deles – o da socialidade – representa a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem olvidar-se o valor supremo da pessoa humana; o segundo deles – o da eticidade – funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando a eqüidade, a boa-fé, a justa causa, o equilíbrio econômico, etc; e o último – o da operabilidade – traduz-se na efetivação do direito, uma vez que este é feito para ser operado e ser eficaz.

Tais princípios espraiam-se em diversas regras protetivas no Código, como o art. 113, ao estabelecer que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé. A boa-fé objetiva, que os alemães definem por Treu und Glauben (lealdade e crença), é um dever global: dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e honestidade para não frustrar a confiança da outra parte.

No que concerne à interpretação, esta diz respeito à significação a atribuir ao contrato, quando contenha cláusulas ambíguas, isto é, cláusulas cujo próprio sentido objetivo seja duvidoso. Em presença de cláusulas ambíguas, deve-se preferir o significado que a boa-fé aponte como o mais razoável. São principalmente os seguintes os meios pelos quais a jurisprudência, em proveito do devedor obrigado, vem procurando dar solução às hipóteses de ambigüidade: a) pela aplicação do princípio da conservação do contrato, deve-se escolher sempre, entre os diversos sentidos possíveis, o que assegure a preservação do contrato; b) pela aplicação do princípio do menor sacrifício, prevalece a idéia de que o contrato deve ser interpretado no sentido mais favorável à parte que assume obrigações; c) pela aplicação do princípio da interpretação contra o predisponente, busca-se interpretar o contrato sempre no sentido menos favorável a quem o redigiu, disposição esta particularmente relevante no que se refere aos contratos padronizados e de adesão[80].

O Novo Código introduz a idéia do negócio realizado em estado de perigo (art. 154). O negócio realizado em estado de perigo consiste em acordo de vontades no qual o agente emite declaração de vontade premido pela necessidade de salvar a si próprio ou pessoa de sua família de perigo atual de grave dano, conhecido da outra parte, assumindo obrigação excessivamente onerosa. O estado de perigo pode decorrer de um acontecimento natural ou de uma ação humana. Os negócios jurídicos são informados pela obrigação de correção e lealdade que decorre da boa-fé objetiva, não apenas naquilo que se estipulou mas também em todos os deveres laterais de conduta que decorrem naturalmente da relação negocial; assim sendo, o negócio em que se aufere ganhos exorbitantes com dolo de aproveitamento do estado de perigo da contraparte (o devedor) é ofensivo à boa-fé e, portanto, inválido, em tudo aquilo que diz respeito ao aproveitamento da desigualdade das partes. O negócio jurídico concluído em estado de perigo é parcialmente inválido porque não atende à função econômico-social do contrato (art. 421). Há conflito entre a vontade individual declarada e o interesse social, devendo prevalecer este último, em favorecimento ao devedor.

A presunção de que devem ser mantidos, porque de boa-fé, os negócios ordinários que garantam a subsistência do devedor e de sua família (art. 164) é modificação importante porque altera o ordenamento anterior e fixa um patrimônio mínimo a ser assegurado para o devedor.

O Código de 2002 abrigou a idéia do abuso do direito na acepção objetivista, ou seja, estabeleceu que, para que o ato seja abusivo, basta que ele tenha o propósito de realizar objetivos diversos daqueles para os quais o direito subjetivo em questão foi preordenado, contrariando o fim do instituto, seu espírito ou finalidade. No que concerne à proteção do devedor esse instituto desdobra-se, por exemplo, na proibição do venire contra factum proprium que protege uma parte (via de regra, o devedor) contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há uma quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Assim, o credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em tempo e lugar diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.

O art. 393 preceitua que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. O dispositivo atenua a responsabilidade anterior porque não mais exclui dos seus benefícios o devedor que estiver em mora.

Os juros moratórios, quando não convencionados, foram limitados em seu montante, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Consoante o Enunciado estabelecido pelo Conselho da Justiça Federal, em Brasília, em 12 e 13 de setembro de 2002, não é juridicamente segura a utilização da taxa SELIC, porque incompatível com o disposto no art. 591 do novo Código Civil, e, assim, a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês[81].

Na senda de proteção ao devedor, o art. 412 dispõe que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. Mantém-se, assim, a tradição do Direito brasileiro[82].

No caso em que o montante da penalidade a ser cobrado do devedor for manifestamente excessivo, o art. 413 determina que a penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio[83].

O diploma de 2002 reintroduz também na legislação brasileira (arts. 478 a 480) a resolução dos contratos de execução continuada ou diferida por onerosidade excessiva, com base na superveniência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, capazes de comprometer o equilíbrio entre as prestações, tal como originalmente estabelecido pelos contraentes.

O escopo da resolução por onerosidade excessiva, tal como disposta no art. 478, limita-se à chamada teoria da imprevisão: além de subseqüente à celebração do ajuste, a onerosidade excessiva capaz de ensejar a resolução do contrato não implica considerar-se o desequilíbrio contratual em si mesmo decisivo, senão quando se demonstre o caráter extraordinário e imprevisível da alteração das circunstâncias que o hajam determinado, assim como quando se demonstre a vantagem excessiva que tal alteração traz para o credor. Nesse sentido, constitui mecanismo de salvaguarda do devedor.

O art. 591 dispôs, no que concerne ao mútuo feneratício, que, destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual[84]. A capitalização de juros corresponde à prática através da qual juros são calculados sobre os próprios juros devidos. Tal prática foi proibida pela Lei de Usura (Decreto no 22.626, de 7 de abril de 1933) que, em seu artigo 4º dispõe que «é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano». Posteriormente, esse entendimento veio a ser confirmado pelo Supremo Tribunal Federal, através de sua Súmula de nº 121: «É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada». Agora, a capitalização só poderá ser anual, o que constitui uma garantia para o devedor.

A lesão é prevista no art. 157 do Código Civil de 2002. No dispositivo em epígrafe, a lesão é definida como a exagerada desproporção de valor entre as prestações de um contrato bilateral, concomitante à sua formação, resultado do aproveitamento, por parte do contratante beneficiado, de uma situação de inferioridade em que então se encontrava o prejudicado.

A lesão não foi inserida no Código Civil de 1916, de cunho voluntarista, hipostático em seu superdimensionamento da autonomia privada. Não obstante, ressurge agora, em um viés parcialmente subjetivista, em um contexto informado pela boa-fé objetiva e pelo equilíbrio das partes na relação negocial. A lesão está ligada à noção de justiça contratual e constitui-se num instrumento de tutela do equilíbrio negocial em sentido amplo.

Sendo os negócios jurídicos informados pela obrigação de correção e lealdade que decorre da boa-fé objetiva, não apenas naquilo que se estipulou, mas também em todos os deveres laterais de conduta que decorrem naturalmente da relação negocial, o negócio em que se aufere ganhos com a inexperiência ou a premente necessidade de contratar da contraparte (devedor) é, necessariamente, um negócio inválido. O contrato, porém, proporciona ao lesado, por meio da prestação do outro contraente, o bem que é preciso para satisfazer a sua necessidade, apresentando uma função socialmente útil; embora injusto, se o contrato ainda é útil, realiza um interesse que merece ser tutelado. Este se abriga no princípio da conservação dos contratos informados por normas protetivas: o negócio é parcialmente inválido até a redução do preço ao nível lícito ou, uma vez já pago este, a determinação da restituição do excesso[85].

Alteração relevante foi também a do art. 306 do Código Civil de 2002 para prever hipótese em que o devedor se eximirá da obrigação de reembolsar o terceiro que houver pago o débito, independentemente do benefício que tenha experimentado, sempre que o pagamento se dê sem o seu consentimento ou com a sua oposição, quando tinha, ele, devedor, meios ou instrumentos de evitar a cobrança do débito pelo credor. Tem-se exemplo disto nas hipóteses em que o devedor dispõe de defesas pessoais, só oponíveis ao primitivo credor. Na redação anterior do art. 932 do Código Civil de 1916, o devedor, mesmo opondo-se ao pagamento pelo terceiro não interessado, estava obrigado a reembolsá-lo, ao menos até a importância em que o pagamento lhe foi útil. O art. 306 do Novo Código promove importante modificação na regra de reembolso, passando a dispor que o devedor, mesmo aproveitando-se, aparentemente, do pagamento feito pelo terceiro, não estará mais obrigado a reembolsá-lo, desde que dispusesse, à época, dos meios legais de ilidir a ação do credor, vale dizer, de evitar que o credor viesse a exercer o seu direito de cobrança. Na verdade, se o devedor tinha meios para evitar a cobrança, e ainda assim, com a sua oposição ou seu desconhecimento, vem um terceiro e paga a dívida, sofreria prejuízo se tivesse que reembolsar àquele, significando inaceitável oneração de sua posição na relação obrigacional por fato de terceiro.

Na proteção do devedor em matéria de pagamento avulta também o art. 329, estabelecendo que o devedor pode alterar o local pré-determinado para o pagamento, sempre que ocorrer motivo grave e desde que não haja prejuízo ao credor. Caberá ao juiz, em cada caso concreto, decidir sobre a gravidade do motivo.

No mesmo diapasão tem-se o art. 330, pelo qual o pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto no contrato. Trata-se de inovação em relação ao Código Civil de 1916 e de prática já bastante consagrada na doutrina e na jurisprudência, ou seja, se o credor habitualmente aceita que o pagamento seja feito pelo devedor em local diverso, é porque tem a intenção de mudar o lugar do pagamento.

O art. 939 do Código Civil de 2002, dando continuidade ao art. 1530 do antigo Código, também estabeleceu que o credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro.[86]

Em idêntica orientação, o art. 940 discorre que aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.[87]

Portanto, o Novo Código Civil de 2002, como se verifica nessa apertada síntese, incrementa consideravelmente os dispositivos de proteção ao devedor, retomando institutos tradicionais de nosso direito e fundando novas diretrizes protetivas.

A legislação processual civil, no campo da execução, não obstante a pretensão de estrita cientificidade (aos moldes positivistas) do Código de Processo Civil de 1973, também assegura diversos mecanismos de proteção ao devedor.

O art. 649 do CPC estabelece que são absolutamente impenhoráveis as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante 1 (um) mês; os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; o imóvel rural, até um módulo, desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento agropecuário.

A preocupação em preservar o executado e, quando existente, também sua família, fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna do devedor. A impenhorabilidade de certos bens está ligada a uma exigência de humanidade na execução. Os deveres de solidariedade humana e de assistência social é que impedem o ato expropriatório. A preservação da pessoa do devedor e, em especial, a manutenção de um estado minimamente capaz para sua sobrevivência digna acabam por nortear o dispositivo.

Com fins protetivos, também encontramos o art. 574 do CPC, que fixa o princípio da responsabilidade do exeqüente ao prever que o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução.

Por sua vez, o art. 586 do CPC apresenta o princípio da certeza e liquidez do direito, pelo qual a execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título líquido, certo e exigível. Não existentes esses requisitos no título é possível a interposição pelo devedor da objeção de pré-executividade.

Também é princípio específico da execução o fato de que esta sempre se realiza no interesse do credor (CPC, art. 612). Somente tem necessidade de promover a execução quem é sujeito de um título executivo que lhe atribua a exigir de outrem determinada prestação. E toda a atividade executória se dirige no sentido de realizar em concreto a satisfação do crédito do exeqüente. Corolário desse princípio é a regra impeditiva da penhora, se for evidente que o valor dos bens encontrados seria absorvido totalmente pelas custas da execução (CPC, art. 659, § 2º).

Outro dispositivo processual de proteção do devedor é aquele que proíbe a arrematação por preço vil (CPC, art. 692), assim como a regra jurídica sobre poder o juiz conceder ao credor o usufruto de imóvel ou de empresa, se menos gravoso ao devedor e eficiente para a solução da dívida (CPC, art. 716).

E, finalmente, o art. 620 do CPC, no qual se estipula que, quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

Tratando do mesmo princípio protetivo no Código de Processo Civil de 1939, ao versar sobre o art. 903, Pontes de Miranda o define como favor debitoris, uma regra de interpretação das leis e dos atos jurídicos. Entre duas condutas possíveis de serem aplicadas na interpretação de um contrato ou de uma execução, o juiz determinará aquela menos gravosa (mais favorável) ao devedor[88].

Explica Pontes de Miranda, em seus Comentários ao Código de Processo Civil de 1973, que o critério tem de se basear em menor prejuízo para o devedor na dimensão econômica, jurídica, moral ou outra qualquer. Se o devedor é colecionador de quadros ou de esculturas, e há outros bens, ou se é advogado e tem salas de escritório, mas é dono de outros apartamentos, casas ou outros bens, o juiz deve a estes últimos ater-se. Como regra de interpretação, na aplicação do art. 620, o juiz não tem arbítrio, mas sim o dever de escolher o modo menos gravoso para o devedor[89].

Alcides de Mendonça Lima, comentando o citado dispositivo, afirma que a regra funda-se no princípio do favor debitoris, concedendo primazia, privilégios e garantia em prol do sujeito passivo, para evitar o agravamento que, normalmente, a execução já lhe causa, desde que sem utilidade para o credor. Observa ele que o legislador teve o intuito de proteger a parte mais fraca (normalmente o devedor, sendo, em tese, sempre na execução, ainda que possa não sê-lo na realidade). Se o credor infringir qualquer dos dispositivos que garantem uma execução mais suave, o juiz não deverá permitir a iniciativa, mandando que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. A regra favor debitoris tem incidência, assim, em execução normal e regular, mas na qual algum ato, por má-fé, por espírito de emulação ou por desnecessário, foi tentado pelo credor, sem visar a qualquer vantagem concreta para a satisfação do seu direito[90].

Amilcar de Castro destaca que esta é uma regra em consonância com o princípio da justiça e da eqüidade:

 

«E se a finalidade do processo executivo é esta de obter o Poder Judiciário, à custa do executado, o bem devido ao exeqüente, é intuitivo que, quando por vários meios executivos puder executar a sentença, isto é, quando por vários modos puder conseguir para o exeqüente o bem que lhe for devido, o juiz deve mandar que a execução se faça pelo menos dispendioso. Todos os meios executivos são onerosos para o executado, mas não seria justo e seria inútil que se preferisse um meio mais custoso, quando por outro menos pesado pudesse o exeqüente conseguir o mesmo resultado prático. É um elevado princípio de justiça e eqüidade, informativo do processo das execuções, este que o Estado deve, quanto possível, reintegrar o direito do exeqüente com o mínimo de despesa, de incômodo e de sacrifício do executado. Jus est ars boni et aequi, isto é, a sistematização do que é conveniente e útil»[91].

 

O Ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, ressalta a existência no direito de uma tendência humanizadora da execução forçada que se faz sentir mediante a imposições de limites à patrimonialidade da execução prevista no art. 591 do CPC. Busca-se preservar o mínimo de dignidade do devedor e de sua família. Alcança-se tal meta através de vários dispositivos, como o dos bens impenhoráveis (CPC, art. 649 e 650), o bem de família (art. 1º, Lei 8009/90), a proibição de efetuar penhora quando inútil para o credor (CPC, art. 659, §2º), tudo isso compondo o princípio do favor debitoris[92].

Candido Rangel Dinamarco salienta, em adendo, que:

 

«Pode-se mesmo dizer que existe um sistema de proteção do executado contra excessos, um favor debitoris inspirado nos princípios de justiça e eqüidade, que inclusive constitui uma das linhas fundamentais da história da execução civil em sua generosa tendência de humanização»[93].

 

Teori Zavascki acentua que o preceito do artigo 620, veículo do favor debitoris, é típica regra de sobredireito, cuja função não é a de disciplinar situação concreta e sim a de orientar a aplicação das demais normas do processo de execução, com a nítida finalidade de evitar atos executivos desnecessariamente onerosos para o devedor. Acrescenta ele que a riqueza do art. 620 reside, justamente, em consagrar um princípio de direito, que se caracteriza como tal, distinguindo-se de uma regra normativa comum pelo seu modo de atuar: enquanto a regra atua sobre a específica situação nela descrita, o princípio ocupa todos os espaços possíveis em que não encontrar oposição da ordem jurídica[94].

Tal caráter principiológico do favor debitoris em matéria de execução vem sendo acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que em diversos julgados tem estabelecido nos processos de execução a excepcionalidade da penhora sobre o faturamento da empresa, sobretudo quando esta tenha apresentado outros bens passíveis de garantir a execução, uma vez que o art. 620 do CPC consagra favor debitoris e tem aplicação quando, dentre dois ou mais atos executivos a serem praticados em desfavor do executado, o juiz deve sempre optar pelo ato menos gravoso ao devedor, qual seja, a penhora sobre outros bens e não sobre o faturamento[95].

A atuação do princípio na jurisprudência desse Tribunal é expressa para não inviabilizar a sobrevivência do devedor:

 

«Em observância ao consagrado princípio favor debitoris ( art.620 do CPC), tem-se admitido apenas excepcionalmente a penhora do faturamento, desde que presentes, no caso, requisitos específicos que justifiquem a medida, quais sejam:  a) inexistência de bens passíveis de constrições, suficientes a garantir a execução, ou, caso existentes, sejam  de difícil alienação;   b) nomeação de administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a apresentação da forma de administração e do esquema de pagamento; e c) fixação de percentual que não inviabilize o próprio funcionamento da empresa»[96].

 

Da mesma maneira, o STJ admitiu que o promissário-comprador inadimplente que não usufrui do imóvel tem legitimidade ativa “ad causam” para postular nulidade da cláusula que estabelece o decaimento de metade das prestações pagas e que este direito à devolução das prestações pagas decorre da força integrativa do princípio geral de direito privado “favor debitoris” (corolário, no Direito das Obrigações, do “favor libertatis”)[97].

Consagrada, pois, a recepção do favor debitoris na codificação de 2002 e na execução civil desde o Código de 1939, verifiquemos se este configura um princípio geral do direito das obrigações.

 

 

6. – A natureza da obrigação no Código Civil de 2002

 

A obrigação jurídica, no sentido clássico conferido pelos autores do século XIX, pode ser concebida, no dizer de Savigny, como «a dominação sobre uma pessoa estranha, não sobre toda a pessoa (pois que isto importaria em absorção da personalidade), mas sobre atos isolados, que seriam considerados como restrição à sua liberdade sobre os mesmos e sujeição à nossa vontade»[98].

Da definição, ressalta-se o domínio sobre os atos ou a liberdade do devedor em relação a estes, de modo que não pode ele mais praticá-los de forma livre e indeterminada, mas sim, sujeitando-se à vontade do credor.

A sujeição do devedor e o seu concreto objeto (a prática do ato), a prestação, passa a ser o cerne da relação obrigacional[99], ao contrário do sentido romano, que previa uma obrigação de natureza compromissória e fiduciária[100].

Sendo a prestação – de dar, de fazer ou de não fazer – a finalidade precípua da obrigação, os direitos do credor estariam previamente delimitados e seriam os que decorrem da natureza do crédito: a) o de exigir a execução forçada; b) o direito de exigir uma indenização no caso de inexecução; c) o direito de exercer medidas assecuratórias do patrimônio do devedor, considerado como garantia do seu crédito[101].

Assim, a obrigação, segundo esta orientação clássica, apresentava uma única finalidade: a prestação, concebida como um único dever principal, seja a realização ou abstenção de um fato, seja a dação de uma coisa[102].

Tal concepção unívoca de obrigação possuía por fontes a lei e o contrato. A primeira era concebida como um ato assecuratório da igualdade de todos, sendo, por natureza, geral e impessoal, fruto da vontade geral[103]. Uma dialética abstrato-geral, de um lado, e concreto-individual, do outro lado, constituía o modo específico de realização e de garantia da liberdade no Estado de Direito. Era esta dialética que proporcionava segurança à liberdade ou, numa terminologia moderna, tornava a liberdade mensurável. Concebia-se que as intervenções na liberdade e na propriedade somente poderiam ser realizadas se fundadas nesse caráter legal de generalidade e abstração.

Por outro lado, a esfera de atuação dos particulares era regulada pela idéia de autonomia da vontade expressa no contrato. A concepção de vínculo contratual centrava-se na idéia de valor da vontade, como elemento principal, como fonte única, para o nascimento de direitos e obrigações oriundos da relação jurídica contratual.

Como se depreende da definição de contrato de Savigny:

 

«Contrato é o acordo de mais de um indivíduo sobre uma manifestação comum de vontade destinada a reger suas relações jurídicas»[104].

 

Assim, apenas a vontade livre e real, isenta de vícios ou defeitos, dirigida a um fim específico, podia dar origem a um contrato válido, fonte de obrigações e direitos.

Essa refinada construção conceitual, fundada na absoluta clivagem entre Estado e sociedade civil, tinha como pressuposto a estabilidade das relações sociais, que foi a característica predominante daquele período até a Primeira Guerra Mundial.

Nesse mundo de estabilidade, a função da ciência do direito era a de proteger a vontade criadora e a de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas partes contratantes[105]. A tutela jurídica limitava-se a possibilitar a estruturação pelos indivíduos de relações sociais próprias através dos contratos, desinteressando-se totalmente pela situação econômica e social dos contraentes e pressupondo a existência de igualdade e de liberdade  no momento de contrair a obrigação[106].

A esse mundo de segurança correspondia um conceito unívoco de obrigação, onde a prestação era sempre a de dar, fazer ou não fazer um determinado dever principal, perfeita e expressamente delimitado pela declaração de vontade das partes, ou, quando muito, agregava-se a este um dever secundário, também diretamente decorrente do dever principal correlato[107].

Essa concepção tradicional de obrigação, em perfeita consonância com essa estabilidade das relações jurídicas, começa a se modificar a partir da promulgação do BGB em 1900 e, sobretudo, pela nova interpretação que a doutrina e a jurisprudência alemãs passam a elaborar a partir do § 242 do BGB em face da modificação revolucionária e incessante das circunstâncias econômicas e sociais no período entreguerras.

Os arts. 157 e 242 do BGB (Bügerliches Gesetzbuch) dispunham:

 

§ 242 - O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como o exija a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego[108].

 

§ 157 - Os contratos interpretam-se como o exija a boa fé, com consideração pelos costumes do tráfego.

 

Em termos literais, o § 242 nada mais representava do que o reforço do § 157, no qual se determinava a regra tradicional de interpretação dos negócios jurídicos segundo a boa-fé. Não era um dispositivo posto para atribuir ao juiz a função fundamental de criar o direito, mas sobretudo para reduzir os rigores da aplicação do direito estrito[109].

Foi com o estudo de H. Staub, Positive Vertragsverletzung, publicado em 1902, no Festschrift für das deutsche Juristentag, sobre a quebra positiva do contrato, que começa a se modificar o conceito tradicional de obrigação. Esta passa a ser concebida como um vínculo dialético entre devedor e credor, elementos cooperativos necessários ao correto adimplemento. A relação dialética assim estabelecida é perpassada na sua inteireza pela noção de boa-fé que constitui, assim, uma fonte autônoma de direitos e obrigações. Sendo a relação obrigacional uma totalidade voltada para o adimplemento, esta não inclui apenas, como relação totalizante que é, o dever principal de prestar, ou um eventual dever secundário correlato, mas também deveres acessórios ou implícitos, instrumentais e independentes, ao lado da obrigação principal, todos voltados para o correto adimplemento[110].

A obra de H. Staub, em que se manifesta no direito germânico o conceito de quebra positiva do contrato, marca uma nova concepção de relação obrigacional, com deveres secundários vinculados à aplicação do princípio da boa-fé. Essa transformação poderia representar apenas uma ligeira modificação do conteúdo da relação obrigacional, não houvesse, simultaneamente, assumido o juiz funções criadoras do direito bem mais amplas. Essa nova posição resultou da aplicação concomitante de outro dispositivo, o § 138 do Código Civil germânico, quando os tribunais começaram a declarar a nulidade de contratos em que se manifestasse a utilização abusiva do poder econômico de uma das partes, os “contratos-mordaça” (Knebelungsvertrag), por serem contrários aos bons costumes (contra bonos mores)[111].

Mais tarde, nos tempos da grande inflação ao redor de 1920, começou-se a falar no desaparecimento de base do negócio jurídico, outra importante criação da doutrina que se refletiu na jurisprudência[112].

A relação obrigacional, sob essa nova perspectiva, passou a ser encarada como uma totalidade que se encadeia e se desdobra em direção ao adimplemento, à satisfação dos interesses do credor. Como totalidade, a relação obrigacional é um sistema de processos. O vínculo obrigacional como um todo, muitas vezes, não se altera ou modifica com certas alterações ou modificações sofridas pelas partes. Por esse motivo, o adimplemento de um crédito determinado pode não extinguir, ou modificar, a relação jurídica.

Sob o ângulo da totalidade, o vínculo passa a ter sentido próprio, diverso do que assumiria se se tratasse de pura soma de suas partes, de um compósito de direitos, deveres e pretensões, obrigações, ações e exceções. Se o conjunto não fosse algo de orgânico, diverso dos elementos ou das partes que o formam, o desaparecimento de um desses direitos ou deveres, embora pudesse não modificar o sentido do vínculo, de algum modo alteraria a sua estrutura. Importa, no entanto, contrastar que, mesmo adimplindo o dever principal, ainda assim pode a relação jurídica perdurar como fundamento da aquisição (dever de garantir), ou em razão de outro dever secundário independente[113].

A obrigação contratual no sentido moderno pode ser entendida portanto como um dever global de agir objetivamente de boa-fé. Essa boa-fé objetiva constitui no campo contratual um processo que deve ser seguido nas várias fases das relações entre as partes. Assim, na fase pré-contratual das negociações preliminares à declaração de oferta, os contraentes devem agir com lealdade recíproca, dando as informações necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das conversações, etc. Na fase contratual, a conduta leal implica em vários deveres acessórios à obrigação principal, e, na fase pós-contratual, implica em deveres posteriores ao término do contrato – deveres post pactum finitum – como o de guarda de documentos, fornecimento de material de reposição ou informações a terceiros sobre os negócios realizados[114].

A todas essas modificações no direito obrigacional não permaneceu estranho o direito brasileiro, mormente com a aprovação do Código Civil de 2002.

O novo Código, como já salientado, tem como princípios a socialidade, a eticidade e a operabilidade. Tudo isso a traduzir no campo obrigacional um renovado conceito de obrigação, fundado na boa-fé, assim descrito:

 

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

 

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

 

Art. 2.045. Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850.

 

O conceito de obrigação no Código Civil de 2002 é assim único, abrangendo as obrigações civis e mercantis (revogada que está a primeira parte do Código Comercial) e importa em uma guarda pelos obrigados dos princípios da probidade e da boa-fé. O que significa dizer que, sendo a obrigação agora uma totalidade que se desdobra para o adimplemento, por cooperação necessária das partes, novos princípios têm de ser concebidos para a regência desse novedio conceito de obrigação.

A obrigação não pode mais ser considerada como tendo por escopo unicamente a prestação e a satisfação do interesse do credor (sujeitando a liberdade do devedor), como no século XIX, mas sim envolver uma totalidade de cooperação que, mais do que salvaguardar a manifestação da vontade expressa (a prestação), possibilite a manutenção do sinalagma obrigacional, com o atendimento simultâneo ao interesse das duas partes e da sociedade (compreensão hermenêutica decorrente da razão totalizadora da função social do contrato)[115].

Destarte, a proteção ao devedor avulta como causa favorabilis precípua dessa nova ordem de valores. Ao devedor não se pode efetuar uma constrição tal que impossibilite a consecução dos valores existenciais e primordiais da pessoa humana, os quais estão encartados em sede constitucional. Realizar sua proteção, garantir um patrimônio mínimo de subsistência e adequação social não significa, na ordem obrigacional do Código de 2002, conduzir a um estatuto de desigualdade por vantagem exagerada em favor de uma das partes em uma relação jurídica (como era no século XIX na abordagem savigniana) mas sim reconduzir, no reconhecimento material das desigualdades, a obrigação aos seus fundamentos, alavancando os mecanismos protetivos daqueles que, cooperando, são injustamente menos iguais[116].

A um conteúdo nupérrimo da obrigação deve corresponder uma novel ordem de princípios e, dentre estes, o princípio da proteção ao devedor. Cabe nessa configuração obrigacional verificar se a proteção ao devedor constitui um princípio geral do direito das obrigações e, em caso positivo, em que medida, tema este que será objeto do próximo tópico.

 

 

7. – A proteção do devedor decorrente do favor debitoris como princípio geral do direito das obrigações no ordenamento jurídico brasileiro

 

Para averiguar se a proteção do devedor que decorre do favor debitoris pode ser considerada um princípio geral do direito das obrigações é necessário antes distinguir princípios de regras.

Princípios são pautas diretivas de um determinado ramo ou fração do ordenamento. Estabelecem parâmetros, vetores, a partir dos quais as regras serão aplicadas. Os princípios são normas com grau de abstração relativamente elevado; as regras possuem abstração relativamente reduzida.

Os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz, etc.) enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta. Princípios são normas jurídicas de otimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante condicionamentos fáticos e jurídicos; regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência. Princípios permitem um balanceamento de valores ou interesses; a regra não deixa espaço para qualquer outra solução pois se uma regra vale deve cumprir-se na exata medida de suas prescrições.

Princípios também têm importância estruturante dentro do sistema jurídico, revelando mesmo uma proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados na idéia de justiça; as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional.

Os princípios são, deste modo, fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, função normogenética fundamentante e dispõem de uma capacidade deontológica de justificação.

Larenz define bem as características dos princípios ético-jurídicos e o processo de sua formação:

 

«Esses princípios possuem um conteúdo material de justiça; por esse motivo podem ser entendidos como manifestações e especificações especiais da ideia de Direito, tal como este se revela na ‘consciência jurídica geral’, neste estádio da evolução histórica. Enquanto ‘princípios’ não são regras imediatamente aplicáveis aos casos concretos, mas idéias directrizes, cuja transformação em regras que possibilitem uma resolução tem lugar em parte pela legislação, em parte pela jurisprudência, segundo o processo de concretização e aperfeiçoamento de princípios mais especiais mediante a formação de grupos de casos. Alguns deles tem o escalão de normas constitucionais; outros, como o princípio da “boa-fé’, estão expressos nas leis ou infere-se delas, recorrendo à ratio legis, o fundamento justificante de uma regulação legal. Enquanto critérios ‘teleológicos-objetivos’ são coadjuvantes para a interpretação, bem como para a integração de lacunas; aqui constituem o fundamento para uma analogia global e, por vezes, também para uma redução teleológica.

Trata-se de um desenvolvimento do Direito superador da lei de acordo com um princípio ético-jurídico, quando um tal princípio, ou também um novo âmbito de aplicação de tal princípio, é conhecido pela primeira vez e expresso de modo convincente. O motivo para isso constitui-o, as mais das vezes, um caso, ou uma série de casos de igual teor, que não pode ser solucionado de um modo que satisfaça a sensibilidade jurídica com os meios de interpretação da lei e de um desenvolvimento do Direito imanente à lei»[117].

 

A proteção do devedor é um princípio do direito das obrigações porque constitui uma pauta diretiva a partir da qual as regras serão criadas ou aplicadas. A doutrina e a jurisprudência eram uníssonas, na vigência do antigo Código Civil, em admitir a presunção de renúncia do direito de credor pela tolerância deste a comportamento diverso do devedor, o que acabou se positivando no art. 330 do novo Código Civil[118]. A teoria da imprevisão, em benefício do devedor, foi admitida em nosso ordenamento[119] apesar de não haver norma jurídica com essa previsão[120] no Código anterior. Deste modo, como salienta Moreira Alves, tem-se o favor debitoris como uma pauta diretiva, fonte supletiva de direito a permitir que o juiz, na lacuna da lei e dos costumes, julgasse com base nele como princípio geral de direito, criando-se, posteriormente, por lei, o instituto que supriu essa lacuna[121].

Legislações protetivas de um patrimônio jurídico mínimo que não inviabilize a existência condigna do devedor são da lógica do direito, consoante essa pauta diretiva[122]. A extinção da prisão civil por dívidas fora das hipóteses constitucionais, a impenhorabilidade de tudo o que seja útil ou imprescindível ao exercício da profissão do devedor[123], a impenhorabilidade do módulo rural e do bem de família, os diversos institutos jurídicos do Código Civil, têm a informá-los esse mesmo princípio da proteção ao devedor.

A proteção ao devedor constitui-se num princípio porque também configura uma norma jurídica de otimização, compatível com vários graus de concretização, consoante condicionamentos fáticos e jurídicos. Desta maneira, o favor debitoris informa o negócio concluído em estado de perigo, mas é o juiz que irá, através de uma mediação concretizadora, definir quando a obrigação se tornou excessivamente onerosa, quando deveres laterais de conduta foram violados ou em que medida houve aproveitamento da desigualdade das partes.

No caso do art. 413, quando a penalidade houver de ser reduzida eqüitativamente pelo juiz, são as condicionantes fáticas que a determinarão, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Na definição do que seja a superveniência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, capaz de comprometer o equilíbrio das prestações, a concretização condicional do princípio avulta com toda a sua força.

A forma do art. 330 do Código Civil, ao prever que o comportamento concludente do credor insere-se no programa contratual para exonerar o devedor de modo de cumprimento do contrato anteriormente previsto, também evidencia que é ao princípio da proteção do devedor, na sua multifacetada configuração, que se está a recorrer.

No Código de Processo Civil, o art. 620 prevê que, quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. É um princípio de ordem material mais do que processual, porque seu escopo último é o de assegurar o sinalagma da relação obrigacional. Deste modo, o princípio da proteção incide para, por exemplo, no caso da penhora on line[124], determinar que esta só se faça em última instância. A noção de obrigação informada pela boa-fé objetiva e sua realização através do favor debitoris preconiza que se deve proteger o interesse do credor, e proporcionar-lhe a satisfação de seu crédito o quanto antes, mas não se deve cegamente perseguir tal pretensão e violar inúmeros direitos do devedor, ofendendo diversas normas e princípio éticos e jurídicos que regem a vida em sociedade. A execução deve buscar um equilíbrio, uma harmonização, entre o direito de um credor em haver o que lhe é devido e o direito de um devedor em defender-se contra uma infundada pretensão de cobrança e de pagar um débito de forma com que não haja ofensa a sua dignidade, nem tampouco afete a continuidade de sua atividade empresarial.

A interpretação protetiva favor debitoris evidencia-se também no art. 265 do Código Civil, que estabelece não existir presunção de solidariedade. Esta, de conformidade com a legislação em vigor, apenas decorre da lei ou da vontade das partes, o que significa que, em princípio, quando duas ou mais pessoas assumem o pólo passivo de uma obrigação, cada qual responde somente por sua parte, não aproveitando ao credor a possibilidade de endereçar cobrança contra todos os devedores. Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza são acordes em que o entendimento da desnecessidade de vontade expressa das partes para instituir a solidariedade, a qual poderia resultar das cláusulas do contrato de forma implícita, não se harmoniza com o texto legal (v. arts. 914, 1.317), que pressupõe a manifestação clara das partes[125]. Inexistisse o favor debitoris como princípio do direito das obrigações, a interpretação de que o ato de obrigar-se, sendo comum, a todos constrange, e, portanto, está contido na vontade das partes, seria de aceitação induvidosa.

A proteção ao devedor configura um princípio do direito das obrigações porque tem uma relação direta com a idéia de direito, atua como um standard juridicamente vinculante radicado na noção de justiça. A obrigação contemporânea, como visto, só pode ser pensada dentro de um quadro de cooperação com vistas ao adimplemento e esta cooperação só se torna possível quando se procura manter, na medida do possível, as condições de dignidade e o próprio sinalagma contratual com a parte mais fraca. Como assinala o economista Pedro Malan, insuspeito de nutrir um viés protetivo para com os devedores:

 

«A suspensão do pagamento justifica-se apenas quando a dívida externa representa um ônus desmedido. Esse é o caso de um conjunto de países pobres altamente endividados, cujas economias não prosperaram, seja porque foram devastados por guerras civis, seja porque foram atingidos por condições meteorológicas adversas ou outros fenômenos que afetaram negativamente o seu sistema produtivo.

Entre esses países encontram-se, por exemplo, Moçambique e Nicarágua. O primeiro tinha uma renda per capita de US$ 230, e o segundo, uma renda per capita de US$ 445, em 1988. No mesmo ano, a dívida externa de Moçambique correspondia a 214% do produto interno bruto, e a dívida externa da Nicarágua, a 280% do produto interno bruto. A dívida externa bruta do Brasil, como já se viu, representa 41% do PIB, e a dívida externa líquida do setor público não chega a 10% do PIB.

A comunidade internacional, inclusive o Brasil, reconhece que, nesses casos como o de Moçambique e Nicarágua, não há como pagar o serviço da dívida sem inviabilizar qualquer tentativa de recuperação econômica. Por isso, o Brasil também apóia o perdão da dívida externa para esses países, e inclusive já perdoou a dívida de Moçambique e a da Nicarágua»[126]

 

É da idéia de justiça, como assinalado no referido artigo, que decorre a noção de que não se pode priorizar o direito do credor em detrimento da própria viabilidade humana e econômica do devedor. Daí o favor debitoris como princípio, que pode chegar mesmo, em casos extremos, como os descritos, ao próprio perdão da dívida.

A noção de que o favor debitoris como princípio do direito das obrigações funda-se na idéia de direito pode ser comprovada por todo o excurso histórico que realizamos. É do espírito de um ordenamento ao longo do tempo que se extrai – conclusão a que se chega pelo exame do conjunto de normas que, num mesmo âmbito, nele se encontram, ainda que possam sofrer exceção circunstancial – a inspiração comum que o anima, os seus princípios, como o presente da proteção à debilidade jurídica ou econômica de uma das partes da relação obrigacional[127].

Como já visto, no ordenamento jurídico português e brasileiro é expressa a proteção ao devedor ao longo do tempo[128]. O favor debitoris constituía regra corrente no direito brasileiro anterior ao Código Civil de 1916, tanto que foi considerado por Carlos de Carvalho como princípio geral de interpretação dos atos jurídicos no direito das obrigações, preconizando-se nessa interpretação que, nos casos duvidosos, em que não se possa resolver segundo as regras estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor (favor debitoris) (art. 288)[129].

No Código Civil de 1916 tem-se um breve hiato marcado pelo individualismo jurídico e pela doutrina do laissez-faire, não recepcionando muitas das medidas de proteção ao devedor. Não se encontram nesse código normas que admitam as moratórias, o beneficium competentiæ, a cessio bonorum como meio de extinção do débito (que se traduz numa verdadeira datio in solutum coativa) ou vinculada ao beneficium competentiæ, a querela ou a exceptio non numeratæ pecuniæ, o benefício do inventário, a pena do credor que cobrasse judicialmente antes do prazo, a lesão enorme, a lesão enormíssima, o pagamento parcial coativo, bem como as que vedem a usura, o anatocismo e as cessões aos poderosos[130].

O Código Civil de 2002, não obstante, retoma a tradicional estrutura protetiva, favor debitoris do direito brasileiro, ao prever a boa-fé objetiva como fundamento do direito das obrigações, o negócio realizado em estado de perigo, a idéia do abuso do direito na acepção objetivista, a limitação dos juros moratórios, quando não convencionados, o dispositivo de que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal, a resolução dos contratos de execução continuada ou diferida por onerosidade excessiva, a lesão subjetiva, o preceito que estabelece que o devedor pode alterar o local pré-determinado para o pagamento, sempre que ocorrer motivo grave,  a oneração da cobrança indevida, etc.

Na legislação processual civil, no campo da execução, relembramos também os diversos mecanismos assegurados para a proteção ao devedor, como a impenhorabilidade das provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante 1 (um) mês; os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; o imóvel rural, até um módulo, desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento agropecuário, o princípio da responsabilidade do exeqüente, o princípio da certeza e liquidez do direito, a regra impeditiva da penhora, se for evidente que o valor dos bens encontrados seria absorvido totalmente pelas custas da execução, a proibição da arrematação por preço vil e o art. 620 do CPC, no qual se estipula que, quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

De todas essas normas particulares de proteção ao devedor extrai-se o espírito do ordenamento jurídico examinado. Da particularidade das leis se volve à universalidade do direito. O espírito que anima e envolve o direito obrigacional brasileiro é o de favorecer a liberdade, numa cooperação com vistas ao adimplemento e, como tal, impõe-se, historicamente e como princípio a proteção do devedor decorrente do favor debitoris.

Como bem conceitua Moreira Alves, deve-se evitar o rigorismo do apego extremado à intangibilidade do pacta sunt servanda, quando ocorrerem situações subjetivamente iníquas para o devedor em decorrência da adoção de técnicas jurídicas especialmente para a proteção do credor, as quais, se admissíveis para as variações normais que se enquadrem nas oscilações previsíveis, não deverão sê-lo para as que resultem de situações acentuadamente anormais que venham a impossibilitar o pagamento do débito, impossibilidade que, sem essas circunstâncias, não ocorreria para o devedor[131].

Por último, o caráter de princípio da proteção ao devedor decorrente do favor debitoris singulariza-se porque este é o fundamento de regras, constitui a ratio de regras jurídicas e possui uma capacidade deontológica de justificação.

Moreira Alves, em alentado artigo, discorre que o favor debitoris substancia a ratio das regras jurídicas obrigacionais concernentes ao devedor no direito visigótico, no Fuero Juzgo, no Fuero Real, nas Siete Partidas, na Nueva Recopilación, na Novísima Recopilación, no Código Civil espanhol de 1889, nos Códigos Civis do Chile, Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela e também nos recentes Códigos Civis da Bolívia, Peru e Paraguai[132].

Há, deste modo, no direito ibérico e no direito latino-americano, uma mesma tradição comum de proteção ao devedor que constitui a ratio de todas essas regras de direito civil e de direito processual nos diversos Códigos. É a expressão do favor libertatis no âmbito do direito de crédito, um verdadeiro princípio no que se refere às obrigações, como magistralmente sintetiza Giorgio Del Vecchio ao referir-se ao valor absoluto da pessoa humana em suas obrigações:

 

«O conceito do valor absoluto da pessoa se revela, em todo o direito, refletindo-se, ainda, em disposições particulares aparentemente alheias a ele. O que antigamente se chamava favor libertatis, a respeito de uma ordem especial de relações, pode entender-se, mais amplamente, como princípio válido para todo o sistema jurídico, a penetrá-lo por toda parte. Ainda que sejam numerosos os vínculos jurídicos impostos aos indivíduos, presume-se que a regra é a sua imunidade do vínculo. Na dúvida, interpretam-se os pactos, no sentido menos gravoso para o obrigado»[133].

 

As Décimas Jornadas Nacionais de Direito Civil realizadas na Universidad Nacional del Nordeste, em Corrientes, na Argentina, em 1985, expressamente estabeleceram através de sua Comissão nº 02 que: 1) o favor debitoris é um princípio residual do direito civil que deve ser entendido no sentido da proteção da parte mais débil em um contrato; 2) em caso de que no contrato não exista uma parte mais débil, a interpretação deve favorecer a maior equivalência das contraprestações; 3) o favor debitoris não se aplica às obrigações que têm sua origem em um fato ilícito.

O jurista argentino Rodolfo Vigo, em recente livro publicado no Brasil, versando sobre a interpretação dos contratos civis, esclarece, justificando deontologicamente, que a doutrina consolidou, através dos tempos, uma série de regras que facilitam a busca, por parte do intérprete, dos débitos e créditos que as partes poderão reclamar e cumprir em virtude do contrato e, dentre estas, elenca a proteção da parte mais fraca do contrato, entendida esta como a contemporânea formulação do favor debitoris[134].

Insofismável, em conclusão, que a proteção do devedor decorrente do favor debitoris constitui um princípio geral do direito das obrigações no direito brasileiro porque estabelece uma pauta diretiva a partir da qual as regras serão criadas ou aplicadas nesse ordenamento, requerendo para sua aplicação uma mediação concretizadora do juiz ou do legislador. Ainda que não positivado, funda-se na idéia de direito como o comprova o desenvolvimento histórico dos seus institutos, atenua os rigores do pacta sunt servanda, reequilibrando a noção de obrigação, e consubstancia a ratio e a justificação deontológica das regras protetivas do direito ibérico e latino-americano.

 

 

8. – Conclusão

 

É tempo de formularmos as conclusões mais importantes desse trabalho, em sínteses dos vários assuntos abordados, de modo que possam servir de base para o aprofundamento dogmático do princípio da proteção ao devedor no direito das obrigações:

1)               A expressão favor no direito romano assume o significado daquilo que se desvia do rigor do direito. Essa expressão denota a atitude do legislador e da jurisprudência de favorecimento a uma situação especial que decorre de uma causa favorabilis, ou seja, a tendência a privilegiar esta situação, pela sua relevância e importância dentro do ordenamento jurídico, desde que a interpretação dada não seja absolutamente destoante da lógica jurídica. A causa favorabilis da qual decorre o favor pode ser compreendida como aquela que, em determinados ordenamento jurídico e época, possui um apreço de bem objetivo, é um bem fundamental, e, como tal, impõe a todos o dever de favorecê-la e defendê-la.

2)             No direito romano, sobretudo a partir do período cristão, a interpretação assume nítido benefício em favor do devedor, estabelecendo a regra iuris de que nas coisas obscuras atemo-nos sempre ao que é o menos.  Assim, o ius civile romano desenvolve-se em um processo de crescente humanização, sob o influxo do estoicismo, pelo apreço da humanitas  e pela extraordinária benignidade do espírito cristão, culminando no estabelecimento de uma efetiva esfera diferenciada de proteção ao devedor, o que justifica pensar, a partir dele, em um verdadeiro favor debitoris.

3)             As normas de proteção do devedor romanas foram recebidas no direito português através das Ordenações do Reino e mesmo desenvolvidos institutos protetivos próprios no âmbito destas. Deste modo, no direito português antigo, a tradição do favor debitoris foi substancialmente mantida, passando deste para o ordenamento jurídico brasileiro.

4)             No direito brasileiro pré-codificado, a proteção do devedor encontrou forte abrigo em institutos como a disposição de que no regime de comunhão legal não se comunicarão entre os cônjuges as dívidas passivas anteriores ao casamento, a lesão, a lesão enormíssima, a proibição da quota litis, a querela non numeratæ pecuniæ, a cobrança indevida, a proibição do pacto comissório referente a garantias reais,  a disposição de que as penas convencionais não podem exceder o valor da obrigação principal, o beneficium compententiæ, na deductio ne egeat, a cessio bonorum, a datio in solutum necessaria. Configurava assim o  favor debitoris regra corrente no direito brasileiro anterior ao Código Civil de 1916 e foi considerado por Carlos de Carvalho como princípio geral de interpretação dos atos jurídicos no direito das obrigações, preconizando-se que, nessa interpretação, nos casos duvidosos, que não se possam resolver segundo as regras estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor (favor debitoris).

5)              No Código Civil de 1916 tem-se um breve hiato marcado pelo individualismo jurídico e pela doutrina do laissez-faire, não recepcionando muitas das medidas de proteção ao devedor. Não se encontram nesse código normas que admitam as moratórias, o beneficium competentiæ, a cessio bonorum como meio de extinção do débito (que se traduz numa verdadeira datio in solutum coativa) ou vinculada ao beneficium competentiæ, a querela ou a exceptio non numeratæ pecuniæ, o benefício do inventário, a pena do credor que cobrasse judicialmente antes do prazo, a lesão enorme, a lesão enormíssima, o pagamento parcial coativo, bem como as que vedem a usura, o anatocismo e as cessões aos poderosos. Não obstante, as normas jurídicas, nesse período, em diversos aspectos, sufragaram a proteção do devedor, principalmente na legislação extravagante.

6)             O Código Civil de 2002 retoma a tradicional estrutura protetiva, favor debitoris, do direito brasileiro ao prever a boa-fé objetiva como fundamento do direito das obrigações, o negócio realizado em estado de perigo, a idéia do abuso do direito na acepção objetivista, a limitação dos juros moratórios, quando não convencionados, o dispositivo de que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal, a resolução dos contratos de execução continuada ou diferida por onerosidade excessiva, a lesão subjetiva, o preceito que estabelece que o devedor pode alterar o local pré-determinado para o pagamento, sempre que ocorrer motivo grave, a oneração da cobrança indevida, etc. Do mesmo modo, na legislação processual civil, no campo da execução, sobretudo no art. 620 do CPC no qual se estipula que, quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

7)             A partir do Código Civil de 2002 a obrigação não pode mais ser considerada como tendo por escopo unicamente a prestação e a satisfação do interesse do credor (sujeitando a liberdade do devedor), como no século XIX, mas sim envolver uma totalidade de cooperação que, mais do que salvaguardar a manifestação da vontade expressa (a prestação), possibilite a manutenção do sinalagma obrigacional, com o atendimento simultâneo ao interesse das duas partes e da sociedade (compreensão hermenêutica que decorre da razão totalizadora da função social do contrato). Destarte, a proteção ao devedor avulta como causa favorabilis precípua dessa nova ordem de valores. Ao devedor não se pode efetuar uma constrição tal que impossibilite a consecução dos valores existenciais e primordiais da pessoa humana, que estão encartados em sede constitucional.

8)             Realizar a proteção do devedor, garantir um patrimônio mínimo de subsistência e adequação social não significa, na ordem obrigacional do Código de 2002, conduzir a um estatuto de desigualdade por vantagem exagerada em favor de uma das partes em uma relação jurídica (como na abordagem savigniana do século XIX) mas sim reconduzir, no reconhecimento material das desigualdades, a obrigação aos seus fundamentos, alavancando os mecanismos protetivos dos que, cooperando, são injustamente menos iguais. A um conteúdo nupérrimo da obrigação deve corresponder uma novel ordem de princípios e, dentre estes, o princípio da proteção ao devedor.

9)             A proteção do devedor decorrente do favor debitoris constitui um princípio geral do direito das obrigações no direito brasileiro porque configura uma pauta diretiva a partir da qual as regras serão criadas ou aplicadas nesse ordenamento, requer para sua aplicação uma mediação concretizadora do juiz ou do legislador, quando não positivado, funda-se na idéia de direito como o comprova o desenvolvimento histórico dos seus institutos, atenua os rigores do pacta sunt servanda, reequilibrando a noção de obrigação e consubstancia a ratio e a justificação deontológica das regras protetivas do direito ibérico e latino-americano.

 

 

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* Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da UERJ, Doutor em Direito Civil pela UERJ e Procurador do Estado do Rio de Janeiro.

 

[1] JUSTINIANO. Cuerpo del Derecho Civil. Primera Parte. Digesto. Tomo III. Tradução de Idelfonso García del Corral. Fac-símile. Valladolid: Lex Nova, 1988, 238.

 

[2] ALVES, José Carlos Moreira Alves. As normas de proteção ao devedor e o favor debitoris: do direito romano ao direito latino-americano. Notícia do Direito Brasileiro. Nova Série. Brasília, n. 3, p. 109-165, jan./jul., 1997, 112-113.

 

[3] «Ha de señalarse que el favor testamenti del Derecho clásico llega a ser en el derecho posterior favor testantis, y los textos de Justiniano contienen muchas decisiones en las cuales se hace eficaz o lo que se entiende haber sido el deseo del testador, aunque esta interpretación no sea verdadero resultado de lo que él há dicho, o lo que sea necesario para evitar la sucesión intestada» BUCKLAND, W. W. & McNAIR, Arnold. D. Derecho romano y Common Law: uma comparación en esbozo. Madrid: Universidad Complutense, 1994, 160-161.

 

[4] JOÃO PAULO II. Discurso aos membros do Tribunal da Rota Romana na inauguração do Ano Judiciário de 2004. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/2004/january/documents/hf_jp-ii_spe_20040129_roman-rota_po.html. Acesso em: 20 nov. 2005.

 

[5] JOÃO PAULO II. op. cit. Acesso em 20 nov. 2005.

 

[6]BAÑARES, Juan Ignácio. Comentario ao Canon 1060. In: MARZOA, A. & MIRAS, J. & RODRÍGUEZ-OCAÑA. (orgs.) Comentario exegético al Código de Derecho Canónico. Pamplona: EUNSA, 1997, 1083-1084.

 

[7] BIONDI, Biondo. Instituzioni di diritto romano. Milano: Giuffrè, 1972, 341.

 

[8] MEIRA, Sílvio. A Lei das XII Tábuas: fonte do direito público e privado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961, 170.

 

[9] SCHULZ, Fritz. Derecho romano clásico. Barcelona: Bosch, 1960, 203-204.

 

[10] Sobre a matéria, ver no direito brasileiro, VELASCO, Ignácio M. Poveda. A execução do devedor no direito romano. São Paulo: Livraria Paulista, 2003.

 

[11] D. XVIII, 2, 63, pr. aqui e doravante citado de JUSTINIANO. Cuerpo del Derecho Civil. Primera Parte. Digesto. Tomo III. Tradução de Idelfonso García del Corral. Fac-símile. Valladolid: Lex Nova, 1988.

 

[12] SCHULZ, Fritz. Princípios del derecho romano. Madrid: Civitas, 1990, 211-242.

 

[13] PUGLIESE, Giovanni. Instituzioni di diritto romano, III. Il periodo postclasico e giustinianeo. 2ª ed. Torino: Giappichelli, 1998, 975.

 

[14] VELASCO, Ignácio M. Poveda. op. cit., 17.

 

[15] D. XXII,1,29.

 

[16] D. XII,6,26,1.

 

[17] C. IV,22,18. A condictio indebiti era a principal e mais antiga condição do direito romano. Era a condictio que sancionava a obrigação resultante da indebiti solutio (pagamento indevido). Esta ocorria quando alguém pagava alguma coisa por erro, porém sempre com a intenção de liberar-se de uma obrigação, que na verdade não existia. Configurava-se a condictio indebiti quando houvesse a presença dos seguintes requisitos: a) que tenha havido o cumprimento de uma obrigação que era suposta pelo sujeito (uma solutio), isto é, o cumprimento de prestação para extinguir uma suposta relação obrigacional; b) que essa solutio fosse indevida, ou seja, que entre solvens e accipiens nunca tivesse existido relação obrigacional ou, se já existiu, que já estivesse extinta; ou ainda, que a prestação realizada não fosse objeto da relação obrigacional existente; c) que no cumprimento da obrigação ocorresse erro de fato escusável; d) o accipiens deveria estar de boa-fé. Se estivesse de má-fé, a ação seria outra (condictio furtiva); e que a solutio não se referisse a uma obrigação que, embora não existente, ensejasse ação, em caso de o réu falsamente negar a dívida, cujo valor fosse o dobro daquilo que realmente se devia, ou a obrigação fosse eliminável por meio de exceção perpétua.

 

[18] FERRARI, Francesco Antonio. L´usura: nel diritto, nella storia, nell´arte. Napoli: Edizioni del Giornale La Toga, 1928, 94-95 (cf. C. IV,32,26).

 

[19] Novela IV,3, citada por ALVES, José Carlos Moreira. op. cit., 116.

 

[20] D. XII,1,26.

 

[21] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit., 117.

 

[22] KASER, Max. Direito privado romano. Lisboa : Calouste Gulbenkian, 1999, 187.

 

[23] C. II,13,2.

 

[24] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit., p. 118.

 

[25] Novela 135, prefácio.

 

[26] Assim, a presença de uma cláusula obscura num contrato já celebrado nos conduz à interpretação contra proferentem. Uma cláusula pode ser também obscura por ser incerta em seus próprios termos, por terem sido utilizadas expressões com duplo sentido ou mais de uma acepção, de modo que em tais casos não é possível conhecer o alcance real da cláusula sem proceder a uma posterior aferição. As cláusulas que admitam mais de um sentido devem ser entendidas naquele mais adequado para a proteção do devedor, o que está em consonância com a natureza e objeto do contrato. O caráter de obscura pode ser também conferido à cláusula que, apesar de ser determinada, no sentido de que as palavras ou termos utilizados não deixem margem ao duplo sentido, a estipulação em seu conjunto sim admite significados diversos, de forma que possa ser classificada de equívoca, como quando se tende a mascarar o alcance efetivo para o aderente das cargas e obrigações nascidas do contrato. A equivocidade aqui referida não é a das palavras usadas, que podem ser ambíguas em seu significado, mas a da cláusula em si mesma. Têm a consideração de cláusulas ambíguas aquelas que, apesar de aparentarem ser determinadas e não equívocas, podem ser entendidas num sentido diferente, segundo sua leitura se fizer isoladamente ou posta em relação com o resto de cláusulas contratuais. Mais uma vez não se trata da utilização de palavras de duplo sentido ou polissêmicas, senão de saber se o resultado final da combinação e dos termos ou expressões utilizadas na redação final da cláusula pode variar o sentido da mesma. Em toda essa sorte de estipulações, deve-se observar o que menos encargos traga para o devedor.

 

[27] D. L,17,9.

 

[28] CÍCERO, Marco Túlio. Tratado dos Deveres. Coleção Cultura Clássica. São Paulo: Edições Cultura Brasileira, s.d., cap. VII.

 

[29] SCHULZ, Fritz. Principios del derecho romano. Madrid: Civitas, 1990, 211-242.

 

[30] COSTA, Mário Júlio de Almeida. História do Direito Português. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1996, 225-236.

 

[31] FREIRE, Paschoal José de Mello. Curso de Direito Civil Portuguez. Anotado por Antonio Ribeiro de Liz Teixeira. Coimbra: J. Augusto Orcel Editor, 1856, 33.

 

[32] C. II,13,2.

 

[33] Afonso V. Ordenações Afonsinas, III, CXVIII. Fac-símile. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984, 425.

 

[34] Ordenações Manuelinas, III, 84.

 

[35] Ordenações Filipinas, III, 39.

 

[36] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit., 144; ver também Ordenações Afonsinas, III, op. cit., 434.

 

[37] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit., 144.

 

[38] C. IV,30,3.

 

[39] CAPITANT, Henri. De la cause des obligations. 3ª éd. Paris: Dalloz, 1927, 100-101.

 

[40] Ordenações Afonsinas, IV, 55, op. cit., 198.

 

[41] Ordenações Manuelinas, IV, 47.

 

[42] Ordenações Filipinas, IV, 51.

 

[43] Ordenações Afonsinas, IV, 45, op. cit., 168.

 

[44] ROCHA, M. A. Coelho da. Instituições de Direito Civil Português. Rio de Janeiro: Garnier, 1907, v. II, § 737, 266.

 

[45] Ordenações Filipinas, IV, 13, 10, in fine.

 

[46] TELES, José Homem Corrêa. Digesto Português, Rio de Janeiro: Livraria Cruz Coutinho, 1909, art. 253.

 

[47] Ordenações Afonsinas, IV, 19, op. cit., 94 e 95.

 

[48] Ordenações Manuelinas, IV, 14.

 

[49] Ordenações Filipinas, IV, 67, Fac-símile. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985, 871-874.

[50] Ordenações Filipinas, IV, 70, op. cit., 880-881.

 

[51] Ordenações Afonsinas, IV, 39; Ordenações Manuelinas, IV, 26 e Ordenações Filipinas, IV, 56.

 

[52] Ordenações Filipinas, III, 35, op. cit., 619.

 

[53] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit. , 150.

 

[54] FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. 3ª ed. Rio de Janeiro: H. Garnier Editor, 1896, XXX.

 

[55] FREITAS, Augusto Teixeira de. op. cit. p. 49. Essa disposição da Consolidação é contestada por Carlos Augusto de Carvalho em sua Nova Consolidação das Leis Civis, de 1899, art. 192, § 2º, sob o argumento da edição do Dec. 160-A, de 1890, art. 21, bem como pela legislação extravagante portuguesa.

 

[56] Igual disposição encontra-se em Carlos de Carvalho (art. 1498). CARVALHO, Carlos Augusto de. Nova Consolidação das Leis Civis. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1899, 430.

 

[57] FREITAS, Augusto Teixeira de. op. cit., 242.

 

[58] A respeito do tema, esclarece Carlos de Carvalho que a lesão só pode ser contemporânea ao contrato (art. 1071). CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit., 318.

 

[59] A mesma disposição é assente em Carlos de Carvalho (art. 1073, § 2º). CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit., 318.

 

[60] FREITAS, Augusto Teixeira de. op. cit. art. 390, 273.

 

[61] FREITAS, Augusto Teixeira de. op. cit. art. 468, 326.

 

[62] FREITAS, Augusto Teixeira de. op. cit. art. 492, 338.

 

[63] FREITAS, Augusto Teixeira de. op. cit. art. 675, 444-445.

 

[64] A mesma regra se encontra em a Nova Consolidação das Leis Civis, de Carlos de Carvalho (art. 681).

 

[65] CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit. art. 193, §1º, “e”, “f”, 59-60.

 

[66] Ou, no dizer das Ordenações: com o que razoavelmente se possa manter, segundo seu estado e condição, em maneira que não pereça de fome, segundo o arbítrio do bom juiz.

 

[67] MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça. Doutrina e prática das obrigações. V.1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1911, nº 445, 744-747.

 

[68] CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit. art. 940, 282.

 

[69] CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit. art. 1133, 330.

 

[70] Carlos Augusto de Carvalho era expresso ao afirmar que o direito romano justinianeu, de nítida inspiração protetiva, era fonte do direito civil de caráter subsidiário (art. 5º, II, a). Do mesmo modo fixava, fundado no Assentamento 321, de 02 de março de 1786, no Alvará de 23 de fevereiro de 1771 e no Alvará de 15 de julho de 1755 que, no que concerne à aplicação e interpretação das leis, as leis que tem em vista maior cômodo do Império se entendem extensivamente, uma vez que não fiquem mais onerosas às partes. CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit. art. 5, 4.

 

[71] MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça. op. cit., 747.

 

[72] CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit. art. 288, 97.

 

[73] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit., 154.

 

[74] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. 1. 9ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, art. 70, 326.

 

[75] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. 3. 8. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, art. 756, 358.

 

[76] Ordenações Filipinas, IV, 4, 70, pr. e §2º, in fine, bem como Regimento nº 737, de 25 de novembro de 1850, art. 431; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 391; Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 246. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. 4. 8ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1950, art. 920, 68.

 

[77] BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. 4. 8ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1950, art. 957, 111.

 

[78] Perpetua assim a tradição do direito das Ordenações, III, 35; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 828 e Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 872. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol.5. 8. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1952, art. 1530, 309.

 

[79] Igualmente mantém-se nesse dispositivo a tradição, diferindo apenas a sanção, como exposto no direito das Ordenações, III, 36; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 829 e Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 872, § 2º.

 

[80] Idéia que também já pode ser encontrada em germe na sétima regra de interpretação dos contratos de Pothier: na dúvida, uma cláusula deve interpretar-se contra aquele que tem estipulado uma coisa, em descargo daquele que tem contraído a obrigação. POTHIER, R-J. Tratado das obrigações pessoaes e recíprocas. Tomo I. Rio de Janeiro: H. Garnier Editor, 1906, 64.

 

[81] Conselho da Justiça Federal. Jornada de Direito Civil. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2003, 192-193.

 

[82] Ordenações, IV, 70, pr. e §2º, in fine, Regimento nº 737, de 25 de novembro de 1850, art. 431, Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 391 e Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 246, Código Civil de 1916, art. 920.

 

[83] O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 11527 / SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado de 01/04/1992 fixou o princípio de que a redução pelo juiz da pena convencional é norma de ordem pública, inderrogável por convenção das partes no sentido de ser a multa devida por inteiro em caso de inadimplemento parcial da obrigação. Esclarece o STJ que a moderna doutrina e atual jurisprudência se opõem à clássica doutrina civilística da autonomia da vontade preferindo optar pelo caráter social de proteção da parte presumidamente mais frágil. Lex STJ, vol. 35, 185.

 

[84] A taxa de juros a que o artigo se refere não poderá exceder um por cento ao mês já que a taxa prevista no art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.

 

[85] BECKER, Anelise. Teoria general da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000, 165-167

 

[86] Perpetua assim a tradição do direito das Ordenações, III, 35; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 828 e Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 872 e Código Civil de 1916, art. 1530.

 

[87] Da mesma forma, mantém-se nesse dispositivo a tradição, diferindo apenas a sanção, como exposto no direito das Ordenações, III, 36; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 829 e Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 872, § 2º e Código Civil de 1916, art. 1531.

 

[88] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo XIII. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961, 157-158.

 

[89] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo X. Rio de Janeiro: Forense, 1976, 40-43.

 

[90] LIMA, Alcides de Mendonça.  Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VI. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 1976, 667-672.

 

[91] CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, nº 213, 150.

 

[92] ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol 8. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 399.

 

[93] DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, 307.

[94] ZAVASCKI, Teori Albino. op. cit., 400-401.

 

[95] STJ, AgRg na MC 8911 / RJ, Relator Ministro Francisco Falcão, Relator(a) p/ Acórdão Ministro  Luiz Fux, Primeira Turma, Data do Julgamento: 14/12/2004, Data da Publicação/Fonte: DJ 21.03.2005, 214.

 

[96] STJ, AgRg na MC 8275 / RJ; Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Órgão Julgador: Primeira Turma, Data do Julgamento: 29/06/2004, Data da Publicação/Fonte: DJ 23.08.2004, 119.

 

[97] STJ, REsp 345725 / SP ; Relator Ministra Nancy Andrighi, Órgão Julgador: Terceira Turma,  Data do Julgamento: 13/05/2003, Data da Publicação/Fonte: DJ 18.08.2003, 202; RSTJ vol. 181, 262.

 

[98] «L'idée de obligation a déjà été établie ailleurs (a) de la manière suivante: Elle consiste dans la domination sur une personne étrangère; non pas, cependant, sur la personne tout entière (car elle aurait pour résultat l'absorption de la personnalité même), mais sur des actes isolés, qu'il faut considérer comme une restriction à sa liberté et un assujettissement à notre volonté. Le développement de cette idée doit porter, en partie sur les personnes qui figurent dans l'obligation, en partie sur les actes auxquels l'obligation s'applique» SAVIGNY, Friedrich Karl von. Le Droit des Obligations. T. 1. Paris: Auguste Durand Libraire-Éditeur, 1863, 16-17.

 

[99] «Dans toute obligation nous trouvons deux personnes placées dans un rapport d'inegalité l'une vis à vis de l'autre. D'un côté nous voyons la liberté personnelle étendue au-delà de ses limites naturelles, comme domination sur une personne étrangère; de l'autre côté, nous voyons la liberté naturelle restreinte, comme un état d'assujettissement et de contrainte (b). Nous pouvons envisager ces états opposés des personnes, parties dans l'obligation, comme deux activités distinctes, dont l'une consiste dans la prestation du débiteur et l'autre dans la cœrcition (l'action) que peut employer le créancier. Cependant dans cette conception, c'est l'activité du débiteur qui doit être considérée comme le point capital, comme l'essence propre de l'obligation, et celle du créancier comme l'accessoire. Car dans l'obligation comme dans tout rapport de droit en général, l'état normal et naturel consiste dans la reconnaissance et l'exécution volontaire du droit, tandis que la lutte contre une résistance injuste (la cœrcition, l'action) ne peut être considérée que comme le redressement d'un état anormal (c). C'est ainsi que le caractère essentiel de la propriété consiste avant tout dans la domination illimitée et exclusive de la personne sur la chose, et c'est un simple accident, lorsque cette domination se manifeste sous la forme de la revendication exercée contre un usurpateur» SAVIGNY, Friedrich Karl von. Le Droit des Obligations. T. 1. op. cit. 3, 17-18.

 

[100] Os juristas clássicos têm muito clara a idéia de que o simples acordo das partes, a conventio, não é suficiente para que surja o contrato e, por conseguinte, o vínculo obrigatório; junto com o acordo deve existir a causa, quer dizer, é preciso que a vontade acordada das partes se ordene ao ato de troca, ao qual se vinculam determinados efeitos jurídicos e conseqüências concretas.

Assim, a noção romana de contractus não guarda relação com a idéia moderna. Com o termo contractus, os juristas clássicos designam não uma situação subjetiva plúrima fundada na vontade e na liberdade de estipulação, mas sim uma realidade objetiva na qual as manifestações de vontade de dois ou mais sujeitos que tendem a um mesmo fim devem amoldar-se a um estalão fixado de forma taxativa pelo ius civile e encaminhado a constituir entre os manifestantes uma relação de obligatio.

Muito pelo contrário, concebendo a realidade do direito como estando in re, os romanos descrevem tal natureza, ou seja, o regime do negotium: este dependerá de cada tipo de negócio.  No mutuum, empréstimo entre vizinhos ou amigos, deve-se restituir o mútuo excluindo o recebimento de qualquer interesse. A convenção não tem neste nenhum papel: não pode modificá-lo. É simplesmente a justiça objetiva, dita comutativa, que o estabelece assim em razão da natureza do contrato. Mesmo nos contratos "consensuais" o efeito do contrato é função da natureza de cada negócio: se o vendedor deve dar garantias contra os vícios da coisa vendida não é por que as partes assim o tenham previsto, nem porque assim convencionaram. É o justo equilíbrio nas prestações recíprocas que o impõe, aquilo que o jurista romano persegue.

 

[101] «L’obligation, ou droit personnel, est un rapport juridique qui assigne, à une ou à plusieurs personnes, la position de débiteurs, vis-à-vis d’une ou de plusieurs autres, qui jouent le rôle de créanciers et envers lesquelles elles son tenues à une prestation positive (obligation de donner ou de faire) ou négative (obligation de ne pas faire): envisagée du côté du créancier, l’obligation est une créance; considérée du côté du debiteur, elle est une dette. Parfois, l’obligation est envisagée uniquement sous ce second aspect; on dira, en ce sens, que telle personne est tenue de telles obligations envers telle autre». JOSSERAND, Louis. Cours de Droit Civil Positif Français, 3ª ed., II Vol., Paris: Sirey, 1938, 2.

 

[102] «La qualification que nous donnons aux actes, d'actes isolés, ne doit pas être entendue en ce sens littéral que, dans tous les cas, chaque obligation doive nécessairement se restreindre à un acte unique; tout au contraire, l'obligation peut porter sur plusieurs actes isolés, voire même sur un ensemble d'actes tels qu'ils représentent une activité continue et collective. Encore doivent-ils toujours, dans leur rapport avec le cercle de la liberté complète du débiteur, apparaître comme un minimum; car, c'est cette situation seule qui nous amène à concevoir l'assujettissement résultant de l'obligation, sans que la personnalité même du débiteur soit absorbée. Or cette nature des actes susceptibles de faire l'objet de l'obligation peut être établie par deux sortes de caractères, souvent liées l'une à l'autre: d'abord par leur étendue; car, en fait, la plupart des obligations portent sur des actes complètement isolés et transitoires, par exemple, celui de payer une somme d'argent; ensuite par leur durée, car le plus souvent l'accomplissement de l'obligation entraîne son extinction instantanée, et dans ces deux cas il est évident que l'obligation ne saurait avoir pour but final d'assujettir la personne, mais seulement d'assurer l'exécution en provoquant son activité. Et même dans le cas plus rares où l'obligation s'applique à des actes continus d'une durée indéterminée, comme dans le mandat et la société, on a pris soin, en établissant la faculté de renonciation, de maintenir l'idée naturelle que nous nous sommes faite des actes obligatoires» SAVIGNY, Friedrich Karl von. Le Droit des Obligations. T. 1. op. cit. 3, 18-19.

 

[103] «Quando todo o povo estatui algo para todo o povo, só considera a si mesmo e, caso se estabeleça então uma relação, será entre todo o objeto sob um certo ponto de vista e todo o objeto sob um outro ponto de vista, sem qualquer divisão do todo. Então, a matéria sobre a qual se estatui é geral como a vontade que a estatui. A esse ato dou o nome de lei. Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, por isso entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as ações como abstratas, e jamais um homem como indivíduo ou uma ação particular. (...) Baseando-se nessa idéia, vê-se logo que não se deve mais perguntar a quem cabe fazer as leis, pois são atos da vontade geral, nem se o príncipe está acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a Lei poderá ser injusta, pois ninguém é injusto consigo mesmo, ou como se pode ser livre e estar sujeito às leis, desde que estas não passam de registros de nossas vontades». ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural, 1973, 60-61.

 

[104] SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Sistema del derecho romano actual. Tomo II. Madrid: F. Góngora Editores, 1879, 354.

 

[105] «Les actes obligatoires ont en outre été indiqués comme restreignant la liberté propre de l'une des parties. Examinée à ce point de vue, l'essence des obligations nous apparaît comme la transformation d'actes qui, jusque-là, devaient être considérés comme des événements nécessaires et certains. Même le but définitif de l'obligation est de placer le créancier dans une position telle qu'il puisse compter avec certitude sur l'arrivée de ces événements» SAVIGNY, Friedrich Karl von. Le Droit des Obligations. T. 1. op. cit. 3, 21.

 

[106] SILVA, Clóvis do Couto e. O direito civil brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. FRADERA, Vera Maria Jacob de. O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, 19.

 

[107] «Obrigação é a relação transitoria de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa economicamente apreciavel, em proveito de alguem, que, por acto nosso ou de alguem comnosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa acção ou omissão. É uma definição, que deve a sua extensão á necessidade de attender a todos os elementos essenciaes, que entram no conceito de obrigação. (...) É uma relação transitoria de direito, porque o devedor, cumprindo a obrigação, della se liberta; o credor, recebendo o que lhe é devido, seja por pagamento espontaneo, seja por execução forçada, nenhum direito mais tem. (...)  Que nos constrange. A obrigação é uma limitação á liberdade; é um direito contra uma pessoa. (...)  A dar, fazer ou não fazer. Quaesquer que sejam as espécies e modalidades de obrigações, consistirão ellas sempre numa actuação sobre a vontade do devedor para dar alguma coisa, praticar algum acto, ou abster-se de o praticar» BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado, 8ª Edição, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1950, 6-7.

 

[108] Os “costumes do tráfego” [Verkehrssitte], de natureza discutida, são mais do que meros usos, mas menos que Direito consuetudinário.

 

[109] SILVA, Clóvis do Couto e. O princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português. FRADERA, Vera Maria Jacob de. O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, 36-37.

 

[110] Ibidem, 37-38.

 

[111] Ibidem, 38.

 

[112] Ibidem, 39.

 

[113] SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, 5-9. passim.

 

[114] MOTA, Mauricio Jorge Mota. A pós-eficácia das obrigações. In: TEPEDINO, Gustavo. Problemas de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, 188-192.

 

[115] Aproximar-nos-íamos então do conceito de direito dos romanos. Para os romanos, o direito é um objeto exterior ao homem, uma coisa, a mesma coisa justa (ipsa iusta res) que constitui o término do atuar justo de uma pessoa, a finalidade da virtude da justiça. A conduta justa do homem justo (dikaios, em grego) é a justiça em mim, subjetiva; o direito (dikaion) é a justiça fora de mim, no real, a coisa justa mesma, objetiva. O direito está assim fora do homem, in re, nas coisas justas, de acordo com uma determinada proporção, o justo meio objetivo.

O direito é, deste modo, uma relação entre substâncias, por exemplo, entre casas e somas em dinheiro que, numa cidade, repartem-se entre seus proprietários. O direito é, com efeito, uma coisa exterior que se extrai de uma natureza relacional entre duas ou mais pessoas que disputam bens, encargos e honras. Assim, em um litígio, o direito será a justa parte que corresponde a cada uma das pessoas envolvidas nele, o que significa reconhecer que não somente resulta impossível concebê-lo à margem das relações interpessoais, senão que, também, este direito é necessariamente finito, limitado (é a parte justa de uma relação concreta).

Ao direito antigo, então, é estranha a nossa noção de direito subjetivo e toda temática de direitos individuais como absolutos e exclusivos de cada pessoa, sem conexão e, portanto, sem limitação inicial alguma com os demais. O direito antigo, assim pensado, não é rigorosamente individual; não supõe para o indivíduo somente um ativo, só vantagens; meu direito, isso que me deve ser dado, isso que eu mereço, não é "subjetivo", não se refere somente a um indivíduo, implica necessariamente uma relação entre indivíduos. É o resultado de uma repartição. O direito apenas é um atributo da minha pessoa, não é exclusivamente meu na medida em que é primordialmente o bem de outrem.

O direito – o justo de cada um – emerge de uma repartição concreta, é uma proporção (justa, um igual [ison] ou analogon, termo grego gramaticalmente neutro). Essa igualdade expressa, consoante a matemática grega, uma cosmovisão integrada da totalidade, não a constatação de uma simples equivalência de fato entre quantidades, mas revela a harmonia, o valor do justo, uma certa ordem que se discerne no caso mesmo e que se acha em conexão, em última instância, com a ordem geral do mundo que é a matéria da justiça geral.

 

[116] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, 269.

 

[117]LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1989, 511.

 

[118] ALVES, José Carlos Moreira. O favor debitoris como princípio geral de direito. In: Revista Brasileira de Direito Comparado, nº 26, 03-23, 1º semestre de 2004.

 

[119] No Brasil, já em 1938, o Supremo Tribunal Federal reconhecia a possibilidade de se resolverem contratos por onerosidade excessiva, Revista dos Tribunais, nº 387, 177.

 

[120] «Diante da alteração do ambiente objetivo no qual se formou o contrato, acarretando para o devedor uma onerosidade excessiva e para o credor um lucro inesperado, a solução só pode ser a resolução do vínculo, operando ex nunc, substituído para o credor o exercício, em forma específica, dos seus direitos, pelo respectivo valor econômico. Dá-se, assim, como que uma expropriação judicial dos direitos do credor, para evitar uma iniquidade, com plena salvaguarda de suas legítimas expectativas, quanto aos lucros que foram ou podiam ser previstos na data da obrigação» FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943, 334-335.

 

[121] ALVES, José Carlos Moreira. O favor debitoris como princípio geral de direito. op. cit., 11.

 

[122] Como a lei 9533/97 que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de renda mínima associados a ações sócio-educativas.

 

[123] «Na prática forense vem a impenhorabilidade sendo estendida ao direito de uso do telefone que sirva a médico, ou a vendedor autônomo, ou instalado em escritório de advocacia, ou a qualquer profissão autônoma ou mesmo em residência, desde que, em qualquer destes casos, necessário ou útil ao exercício da profissão» FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. op. cit., 233-234.

 

[124] A penhora on line começa a ser utilizada nas Varas de Fazenda Pública, como meio de bloquear as contas bancárias de contribuintes em débito com o Fisco. Ela é o meio pelo qual o Poder Judiciário determina o bloqueio das contas correntes do executado, para assegurar a satisfação do crédito de eventual credor ou exeqüente.

 

[125] «A solidariedade não pode, portanto, ser presumida por circunstâncias, tal como ocorre nas obrigações assumidas por condôminos (art. 1.317 e 1.381), ou devidas a parentes (TJRS, Apelação Cível Nº 591116389, 8ª Câmara Cível, Rel. Des. João Andrades Carvalho, julg. 20.2.92), ou ainda naquelas estabelecidas em conjunto, na mesma ocasião ou no mesmo ato. Se não se presume, é certo que deve ser provada por quem a alega, podendo esta prova ser feita até mesmo por testemunhas (art. 227 e art. 401 do CPC)». TEPEDINO, Gustavo & MORAES, Maria Celina Bodin de & BARBOZA, Heloísa Helena. Código Civil Interpretado coforme a Constituição da República. Vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, 545.

Contra: STJ, 3ª Turma, Resp 234288/MG, DJ 28.2.00 P.80 Rel. Min. Eduardo Ribeiro; TJRJ, 5ª Câmara Cível, Apelação Cível N. 1990.001.00374, Rel. Des. Humberto de Mendonça Manes, Julg. 8.10.96.

 

[126] MALAN, Pedro. Para entender a dívida externa. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/2000/pr000903.asp. Acesso em: 17.12.2005.

 

[127] ALVES, José Carlos Moreira. O favor debitoris como princípio geral de direito. op. cit., 15.

 

[128] Primeiro, no direito português antigo, na interpretação do direito, como em Paschoal José de Mello Freire, dispondo que, para explicar o sentido de uma lei, deve-se dar preferência aquele que ela tem tido no uso e prática do foro, se um sentido não tiver um uso preferido deve-se preferir aquele que menos rigor se der.

Depois, através de diversos institutos jurídicos como a cessio in potentiorem,  a cessio bonorum, o beneficium competentiæ, a querela non numeratæ pecuniæ, a lesão enorme (læsio enormis), a lesão enormíssima (de origem canônica), a usura, o anatocismo, a limitação das penas convencionais em benefício do devedor que não podem exceder o principal, a vedação da lex commissoria em se tratando de garantias reais, o dispositivo prevendo que quem demandasse outrem por dívida já integralmente paga ou pela parte recebida seria condenado a dar em dobro o recebido, além de ser condenado no dobro das custas.

Em segundo lugar, no direito brasileiro, a disposição de que, no regime de comunhão legal, não se comunicarão entre os cônjuges as dívidas passivas anteriores ao casamento, a lesão, a lesão enormíssima,  a proibição da quota litis, a querela non numeratæ pecuniæ, a cobrança indevida, a proibição do pacto comissório  referente a garantias reais,  a disposição de que as penas convencionais não podem exceder o valor da obrigação principal, o beneficium compententiæ, na deductio ne egeat, a cessio bonorum, a datio in solutum necessaria.

 

[129] CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit. art. 288, 97.

 

[130] ALVES, José Carlos Moreira. op. cit. , 154.

 

[131] ALVES, José Carlos Moreira. O favor debitoris como princípio geral de direito. op. cit., 23.

 

[132] ALVES, José Carlos Moreira Alves. As normas de proteção ao devedor e o favor debitoris: do direito romano ao direito latino-americano. Notícia do Direito Brasileiro. Nova Série. Brasília, n. 3, 109-165, jan./jul., 1997.

 

[133] DEL VECCHIO, Giorgio. Sobre os princípios gerais do direito. Separata da Revista de Crítica Judiciária. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1937, 38.

 

[134] VIGO, Rodolfo Luis. Interpretação jurídica: do modelo juspositivista-legalista do século XIX às novas perspectivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, 166-168.