A proteção do devedor decorrente do favor debitoris
como princípio geral do direito das obrigações no
ordenamento jurídico brasileiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
– UERJ
Resumo
– Palavras-chave: Favor debitoris – Proteção ao devedor - Princípios de
direito
Neste artigo o autor analisa o papel do
conceito de favor debitoris na Teoria
Geral das Obrigações e na lei brasileira como um princípio
direcionado à proteção dos devedores. A fim de realizar
esta tarefa, o autor traça um lineamento histórico do favor
debitoris, buscando as origens do instituto na época do Direito
Romano, seu desenvolvimento nas antigas leis portuguesa e brasileira e
finalmente alcançando o Novo Código Civil Brasileiro (2002). O
artigo também trata da aplicação do favor debitoris
no tempo e suas conseqüências nas relações de
devedores e credores nos diferentes sistemas históricos que são
objeto deste estudo.
Abstract – Key-words:
Favor debitoris – Protection of debtor - Principles
of law
In this essay, the
author analyses the role of the concept of favor debitoris in General Theory
of Obligations and in Brazilian law as a principle directed to the protection
of debtors. In order to accomplish this task, the author draws an historical
outline of favor debitoris, tracing back the origins of the institute to
the days of Roman Law and its development in Ancient Portuguese and Brazilian
Law, finally reaching the issuing of the New Brazilian Civil Code (2002). The
essay also deals with the application of favor debitoris throughout the
time and its consequences among the relations of debtors and creditors in the
different historical systems that are the object of this study.
Sumário: 1. A expressão favor
no direito romano. – 2. A
proteção do devedor no direito romano. – 3. A
proteção do devedor no direito português antigo.
– 4. O
desenvolvimento da proteção do devedor no direito brasileiro
anterior ao Código Civil de 2002. – 5. A
proteção ao devedor no Código Civil de 2002 e na
legislação contemporânea. – 6. A
natureza da obrigação no Código Civil de 2002. –
7. A
proteção do devedor decorrente do favor debitoris como princípio geral do direito das
obrigações no ordenamento jurídico brasileiro. –
8. Conclusão. – 9. Referências
Bibliográficas.
A expressão favor no direito romano assume o significado daquilo que se desvia do rigor
do direito. Como se verifica nas palavras de Ulpiano
Se
alguien le hubiera dado la libertad directa a un esclavo pignorado, aunque en
estricto derecho parece que la dejó inútilmente, sin embargo, el
esclavo puede pedir, como se le hubiere dejado la libertad también por
fideicomiso, que se le haga libre en virtud del fideicomiso; porque el favor de la
libertad aconseja que interpretemos, que las palabras del testamento son
pertinentes también para la petición de la libertad, como se por
fideicomiso le hubiere mandado que el esclavo sea libre; porque no es cosa ignorada
que en favor de la libertad se establecieron muchas disposiciones contra el
rigor del derecho[1].
Moreira Alves
considera que a expressão favor denota a atitude do legislador e da
jurisprudência de favorecimento a uma situação especial que
decorre de uma causa
favorabilis, ou seja, a tendência a privilegiar esta
situação, pela sua relevância e importância dentro do
ordenamento jurídico, desde que a interpretação dada
não seja absolutamente destoante da lógica jurídica[2].
É o caso do testamento, através do favor testamenti, pelo qual, na
dúvida sobre uma disposição, a jurisprudência tem a
tendência a favorecer o desejo do testador, da maneira mais ampla
possível, com larguíssima interpretação, de modo a
evitar a sucessão intestada[3].
A causa favorabilis da qual
decorre o favor pode ser
compreendida como aquela que, em determinado ordenamento jurídico e
época, possui um apreço de bem objetivo, é um bem
fundamental, e, como tal, impõe a todos o dever de favorecê-la e
defendê-la. A atitude ou tendência de favorecimento é o que
se denomina favor, consoante
a lição de Sua Santidade João Paulo II no seu discurso aos
membros do Tribunal da Rota Romana na inauguração do Ano
Judiciário de 2004, ao referir-se ao favor matrimonii:
« Hoje, respondendo também às
solicitudes manifestadas pelo Mons. Decano, desejo reflectir novamente sobre as
causas matrimoniais que vos são confiadas e, de modo particular, sobre
um aspecto jurídico-pastoral que delas sobressai: faço
alusão ao favor iuris de que goza o matrimónio e à
referente presunção de validade em caso de dúvida,
declarada pelo cânone 1060 do Código latino e pelo cânone
779 do Código dos Cânones das Igrejas Orientais.
Com efeito, por vezes ouvem-se vozes
críticas a este propósito. Algumas pessoas julgam que tais
princípios estão ligados a situações sociais e
culturais do passado, em que a exigência de casar de forma
canónica normalmente pressupunha nos interessados a compreensão e
a aceitação da verdadeira natureza do matrimónio. A crise
que hoje, em tantos ambientes, infelizmente assinala esta
instituição, para eles parece que a própria validade do
consenso deve considerar-se muitas vezes comprometida, por causa dos
vários tipos de incapacidade ou ainda pela exclusão de bens essenciais.
Diante desta situação, os críticos mencionados
perguntam-se se não seria mais justo presumir a nulidade do
matrimónio contraído, em vez da sua validade.
Nesta perspectiva o favor matrimonii,
afirmam, deveria ceder o lugar ao favor personae ou ao favor veritatis subiecti
ou ao favor libertatis.
3. Para avaliar correctamente as novas
posições é oportuno, em primeiro lugar, reconhecer o
fundamento e os limites do favor
À luz destas
considerações, manifesta-se com clareza que o dever de
defender e favorecer o matrimónio cabe certamente, de maneira
particular, aos Pastores sagrados, mas constitui também uma
responsabilidade específica de todos os fiéis, sobretudo dos
homens e das autoridades civis, cada qual segundo as suas próprias
competências»[4].
A
interpretação que decorre do favor deve levar em conta
sobretudo o valor transcendente da causa favorabilis e, assim, excluir
considerações que decorram da aplicação de outros
princípios, mormente aqueles oriundos de aplicações
mecânicas de caráter formal. Como explica o Papa João Paulo
II:
«O
favor iuris de que goza o matrimónio implica a
presunção da sua validade, enquanto não se provar o
contrário (cf. Código de Direito Canónico [CDC],
cân. 1060; Código dos Cânones das Igrejas Orientais [CCIO],
cân. 779).
(...)
Esta presunção não
pode ser interpretada como uma mera protecção das
aparências ou do status quo como tal, porque é prevista
também, dentro de limites razoáveis, a possibilidade de impugnar
o acto. Todavia, aquilo que de fora parece correctamente realizado, na
medida em que entra no campo da liceidade, merece uma
consideração inicial de validade e a consequente
protecção jurídica, porque este ponto de referência
externo é o único de que, realistamente, o ordenamento dispõe
para discernir as situações a que deve oferecer a tutela. Supor
o contrário, ou seja, o dever de oferecer a prova positiva da validade
dos respectivos actos, significaria expor os sujeitos a uma exigência de
realização quase impossível. Com efeito, a prova deveria
compreender os múltiplos pressupostos e requisitos do acto que, com
frequência, têm uma extensão notável no tempo e no
espaço, e comprometem uma vasta série de pessoas e de actos
precedentes e conexos.
Então, o que dizer da tese,
segundo a qual a própria falência da vida conjugal deveria fazer
presumir a nulidade do matrimónio? Infelizmente, a força deste
delineamento erróneo é, às vezes, tão grande que se
transforma num preconceito generalizado, que leva a procurar as causas de
nulidade, como meras justificações formais de um pronunciamento
que, na realidade depende do facto empírico do insucesso matrimonial.
Este formalismo injusto da parte daqueles que se opõem ao tradicional
favor matrimonii pode chegar a esquecer que, segundo a experiência
humana assinalada pelo pecado, um matrimónio válido pode falir
por causa do recurso erróneo à liberdade dos próprios
cônjuges.
(...)
Além disso, o problema diz
respeito à concepção do matrimónio, por sua vez
inserida no contexto de uma visão global da realidade. A dimensão
essencial de justiça do matrimónio, que fundamenta o seu ser numa
realidade intrinsecamente jurídica, é substituída por
perspectivas empíricas, de índoles sociológica,
psicológica, etc., assim como por várias modalidades de
positivismo jurídico. Sem nada tirar das contribuições
válidas que podem derivar da sociologia, da psicologia ou da
psiquiatria, não se pode esquecer que uma consideração
autenticamente jurídica do matrimónio exige uma visão
metafísica da pessoa humana e do relacionamento conjugal. Sem este
fundamento ontológico, a instituição matrimonial torna-se
uma mera superestrutura extrínseca, fruto da lei e do condicionamento
social, que limitam a pessoa na sua livre realização.
Contudo, é necessário
voltar a descobrir a verdade, a bondade e a beleza da instituição
matrimonial que, como obra do próprio Deus através da
natureza humana e da liberdade do consenso dos cônjuges, permanece como
uma realidade pessoal indissolúvel, como um vínculo de
justiça e de amor, ligado desde sempre ao desígnio da
salvação e elevado na plenitude dos tempos à dignidade de
sacramento cristão. Esta é a realidade que a Igreja e o mundo
devem favorecer! Este é o verdadeiro favor matrimonii!»[5].
Deste modo, os limites
da interpretação que decorre do favor são os mais
amplos possíveis, tanto subjetiva quanto objetivamente. Do ponto de
vista objetivo, dizer que há uma situação jurídica
beneficiada por um favor significa considerar que esta realidade é merecedora
de valorização em si mesma, tratando-se de um bem fundamental e
que, como tal, deve ser privilegiada em confronto com outros argumentos
jurídicos porventura relevantes.
Juan Ignacio Bañares, ao comentar o cânon 1060 do
Código de Direito Canônico sobre o favor matrimonii, assevera que o favor iuris decorre sempre de uma
realidade fática que o
legislador considera em sua instauração e em seu desenvolvimento
vital como um valor particularmente importante; que o ordenamento lhe outorga
tal valor precisamente por sua conexão substancial e imediata com a causa
favorabilis e que este valor deve ser
entendido como informador de todo o sistema jurídico daquela ordem de
relações[6].
Assim, nos exemplos
citados acima, devem-se preferir as interpretações que conduzam
à validade de um testamento do que as outras que resultariam numa
situação intestada; no matrimônio, as disposições
interpretativas assecuratórias da validade do laço
jurídico preponderam em relação a
justificações de caráter formal para
determinação de nulidades. No que concerne ao aspecto subjetivo,
todos os operadores do direito e partícipes das relações
jurídicas são obrigados a implementar os valores institucionais
veiculados através do favor e, nessa perspectiva, defender e proteger aquela
situação jurídica.
O favor, em síntese,
pode ser definido como o complexo de prerrogativas, quando não um
verdadeiro e próprio privilégio, que atribui uma
posição de vantagem a uma determinada pessoa, seja porque se leva
em consideração a sua qualidade pessoal, seja porque a
proteção do interesse individual é, muito
freqüentemente, o único meio de satisfazer o interesse de ordem
coletiva.
A
regulamentação jurídica de proteção do
devedor no direito romano é um fenômeno típico do
período pós-clássico. No direito romano clássico
havia um equilíbrio entre a pretensão do credor e a
preocupação para com o devedor. Na formulação de
Biondo Biondi:
«Il diritto
della obbligazione si sviluppa secondo uma linea di protezione del debitore; ma
pertutta l´epoca classica rappresenta un sapiente equilibrio tra la pretesa
del creditore e la pietà verso il debitore»[7].
Conhecidas
são as disposições da Lei das XII Tábuas pelas
quais o devedor responde pela dívida com o próprio corpo (o
instituto do nexum), em
draconiano processo de execução:
TÁBUA TERCEIRA. Dos direitos de crédito
4. Aquele que confessa
dívida perante o magistrado ou é condenado terá 30 dias
para pagar.
5. Esgotados os trinta dias e
não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do
magistrado.
6. Se não paga e
ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado por seu
credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso
até o máximo de
7. O devedor preso
viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor o
mantém preso e dar-lhe-á uma libra de pão ou mais, a seu
critério.
8. Se não há
conciliação que o devedor fique preso por 60 dias, durante os
quais será conduzido em 03 dias de feira ao comitium, onde se
proclamará, em altas vozes, o valor de sua dívida.
9. Se são muitos os
credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo
do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando
cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o
devedor a um estrangeiro, além do Tibre[8].
Paulatinamente, o
rigor da execução pessoal do devedor foi se atenuando no direito
romano. Em
Na época de
Augusto, a lex
Iulia iudiciorum privatorum instituiu a cessio bonorum. Esta autorizava o
devedor que, sem culpa, se encontrasse em desastrosa situação
patrimonial, a se subtrair à execução em sua pessoa
mediante a cessão de todos os seus bens ao credor, o qual não
adquiria a propriedade mas era tão-somente legitimado a revendê-la
e a satisfazer o seu crédito com o resultado. Tal medida evitava a
infâmia que decorria da venda do devedor insolvente. Desta maneira,
pôde-se, por exemplo, conceder ao herdeiro evitar a
execução em sua pessoa por uma dívida do de cujus, por meio
do abandono de sua herança. Considerava-se, porém, nesse
período, a cessio bonorum como um privilégio excepcional[9].
No período
clássico, surge também o beneficium competentiæ, pelo qual
alguns devedores somente podiam ser condenados, em determinadas
circunstâncias, a pagar não a totalidade da dívida mas
apenas aquilo que estivesse dentro de suas possibilidades patrimoniais (in id quod facere possunt)[10],
como se apreende dessas passagens do Digesto:
D. XVIII,2,63, pr. Ulpiano, Comentários ao Édito, livro
XXXI: É
verdade o que a Sabino lhe parece, que ainda que não sejam sócios
em todos os bens, senão de uma só coisa, devem ser, entretanto, condenados
ao que podem fazer, ou ao que com dolo houverem feito que não
pudessem; porque isto tem muitíssima razão, posto que a sociedade
contém em si em certo modo um direito de fraternidade. § 1º Se
há de ver, se isto deverá conceder-se também ao fiador do
sócio, ou se será um benefício pessoal; o que é
mais certo. Mas se este fiador houver aceitado o juízo como defensor do
sócio,
aproveitar-lhe-á a ele; porque escreveu Juliano no livro
décimo quarto do Digesto, que o defensor de um sócio deve ser
condenado ao que o sócio pudesse fazer. E disse que o mesmo deve
admitir-se também respeito ao defensor de um patrono. E, em verdade, o
mesmo será a respeito a todos os que são demandados pelo que
podem fazer[11] (tradução livre do autor).
D. XLII,1,19,1: § 1º - Também o que é demandado por causa
de doação é condenado a quanto possa fazer; e certamente
isto só havendo deduzido as dívidas. E entre aqueles a quem se
deve dinheiro por causa análoga, será melhor a
condição do ocupante; e ainda não creio que se lhe deva de
arrancar tudo o que tem, senão que também se há de ter em
conta dele mesmo, para que não careça do necessário (tradução livre do autor).
D. XXIV,3,12. Ulpiano, Comentários a Sabino, livro XXXVI: É evidente que o marido
é condenado ao que pode fazer; mas isto não se lhe há
de conceder ao herdeiro
(tradução livre do autor).
A
proteção do devedor surgida no período clássico sob
a influência da humanitas[12]
consolida-se com os imperadores cristãos, ampliando-se as formas de
tutela do devedor, considerado a parte mais fraca. Razões de ordem
ideológica, como a difusão do cristianismo, misturam-se a
considerações de ordem econômica para a justificativa da
tutela do devedor. Como lembra Giovanni Pugliese:
«Questo
favor per il debitore, da un lato, dipese con ogni probabilità da
ragioni economiche inerenti al generale impoverimento, specie nelle province
occidentali, onde la condizione dei debitori veniva resa dura, da un altro lato
è ragionevolmente da mettere in rapporto col Cristianesimo e la sua
diffusione»[13].
No período
justinianeu, ampliam-se significativamente as disposições que
tornam o exercício do direito de crédito menos inexorável
do que era no período clássico. O beneficium competentiæ muda o seu
perfil. Admite-se a exclusão de alguns bens da execução
patrimonial, com a finalidade de garantir a subsistência do devedor e
evitar que este ficasse reduzido à indigência. É a deductio ne egeat, prevista
Sob a égide de
Justiniano, foi proibido o anatocismo, fixando-se que, se alguém
houvesse estipulado juros além da taxa estabelecida, ou juros dos juros,
tenha-se por não expresso aquilo que ilicitamente se expressou, e que se
possa pedir apenas o que é lícito[15].
Pela legislação justinianéa, não poderiam os juros
ser inseridos em estipulação nem exigidos quando o capital
já tivesse dobrado por conta de juros[16].
Os juros recebidos indevidamente poderiam ser imputados como capital ou
repetidos mediante a condictio indebiti[17].
O aspecto
verdadeiramente novo na compilação justinianéa é a
codificação de um sistema que tem em conta a classe social a que
pertence o credor e a natureza do empréstimo para determinar o limite da
convenção de juros. Sendo distintos os empréstimos civil,
comercial e marítimo, Justiniano considerava que os dignitários,
nobres e pessoas eméritas não deviam, de maneira alguma,
estipular a título de juros, em qualquer contrato, mais do que quatro
por cento ao ano; os comerciantes e banqueiros deveriam moderar sua
estipulação até oito por cento ao ano; nos
empréstimos marítimos, era lícito estipular somente
até doze por cento ao ano; todas as demais pessoas podiam estipular, a
título de juros, somente a metade de um por cento mensal, ou seja, seis
por cento ao ano[18].
Por razões de
clemência, ainda que do desagrado dos credores, como o próprio
texto afirma, Justiniano concede a datio in solutum necessaria pela Novela IV,3, do
ano de 535 d.C. Nesta, determina-se que o devedor que não dispusesse de
dinheiro para restituir a quantia que recebera em mútuo, mas que fosse
proprietário de imóveis, poderia, por não encontrar
comprador para eles, dirigir-se ao juiz competente e, feita escrupulosa
avaliação deles, dar os melhores em pagamento[19].
A legislação
Moreira Alves cita
diversas passagens nas quais o direito justinianeu elabora uma
proteção reforçada ao devedor. Assim, nesse direito, o
termo presume-se aposto ao negócio jurídico em favor do devedor;
há também a concessão de prazo de graça para o
devedor[21].
Outro aspecto
importante da proteção do devedor no direito romano é a
vedação da læsio enormis através de rescrito de 285 d.C. do
Imperador Diocleciano. Nesse período, a economia romana vivia uma
profunda crise resultante da combinação de baixa taxa de natalidade,
tentativas de incursão dos bárbaros, peso excessivo dos impostos,
evasão dos camponeses e rarefação do número de
escravos, o que trouxe como conseqüência o nascimento de uma nova
classe social representada pelos colonos vinculados à terra.
Muitos dos pequenos
proprietários nesse período viam-se obrigados a refugiarem-se sob
o manto protetor dos grandes proprietários de terras, tornando-se seus
colonos. Desta forma, a pequena e média propriedade rural passa a ser
absorvida pelos poucos latifundiários, iniciando-se um processo de
desagregação política e social.
Os abusos dos potentes (grandes
proprietários de terras) em relação aos infimi ou minores (pequenos
proprietários livres) consistem fator preponderante na
instituição da læsio enormis.
É nesse contexto
que, em 285 d.C., os imperadores Diocleciano e Maximiniano, em resposta a um
certo Aurelius Lupus, elaboraram o rescrito criador da læsio enormis:
Rescrito imperial. C. IV,44,2 (Diocl. et Maxim. AA. Aurelio Lupo): Se tu ou teu pai houver
vendido por menor preço uma coisa de preço maior, é humano
que, restituindo tu o preço aos compradores, recebas o imóvel
vendido mediante a intervenção da autoridade do juiz, ou se o
comprador preferir, recebas o que falta para o justo preço. Ora, o
preço parece ser menor se nem a metade do verdadeiro preço tenha
sido paga (tradução livre do
autor).
Sob a rubrica De rescindenda venditione, este
rescrito oferece ao vendedor a possibilidade de invocar a rescisão do
contrato de compra e venda se o preço obtido com a venda da coisa tiver
sido inferior à metade do verdadeiro preço. Ao comprador,
porém, foi concedida a faculdade de evitar a rescisão mediante o
oferecimento do que faltar para o justo preço, constituindo-se em
efetivo mecanismo de proteção do devedor.
Em 320 d.C., uma lei
de Constantino proíbe o pacto comissório pelo qual as partes
avençam que o credor, no caso de a dívida não ser paga e
não se extinguir de outra forma, possa, após o vencimento da
mesma, obter a satisfação na coisa penhorada. Nessa época,
pela escassez de crédito, acumulavam-se os abusos por
exploração usurária, havendo credores que aceitavam como
penhores que caducam coisas cujo valor ultrapassava de longe o montante do
crédito, para enriquecerem-se com a coisa penhorada, caso o devedor
não pudesse pagar[22].
A
proibição de adoção de providências
vexatórias para a cobrança do crédito no direito romano
é ressaltada por Moreira Alves em diversas passagens, como na cessio in potentiorem, na qual,
por uma constituição dos imperadores Honório e
Teodósio, estabelece-se a perda do crédito quando o credor o
transferisse para pessoa mais poderosa. Considerava-se manifesta a voracidade
dos credores que compram dívidas de outros para poder exercitar as
correspondentes ações de execução[23].
Do mesmo modo, para
impedir os especuladores de adquirir crédito a preço vil, e para
colocar os devedores ao abrigo dos vexames a que ficariam expostos com essas
operações, a constituição imperial de
Anastácio (constitutio Anastasiana) determinou que o cessionário
não poderia, em nenhuma hipótese, exigir do devedor os juros do
preço[24].
O Imperador Justiniano
também estabeleceu regra cogente de que ninguém seria obrigado a
ceder todos os seus bens por dívida. Atendendo a uma súplica de
um cidadão, Zosario, da província de Misia, Justiniano estabelece
os padrões de interpretação da situação do
devedor: por que onde é justo que aquele que perdeu
por acidente, e não por manifesta negligência, seus
próprios bens, abrace logo [seja reduzido pelos credores] uma vida
indecorosa e seja privado com violência, acaso do cotidiano sustento e do
abrigo do corpo?[25].
Considerando tal
estado de coisas e, nas suas palavras, desejando render culto a Deus,
proíbe aos magistrados reduzir, através da cessio bonorum, o devedor
à miséria, quando este jurasse pelos evangelhos que não
tinha em suas coisas outros bens ou dinheiro que pudessem satisfazer a
dívida.
A
interpretação do direito igualmente altera-se no direito
justinianeu para estabelecer a maior proteção do devedor.
D. L,17,34. Ulpiano, Comentário a Sabino, livro XLV: Nas
estipulações e nos demais contratos, atemo-nos sempre ao que se
tratou; ou, se não aparecer o que se tratou, será conseguinte que
nos atenhamos ao que é freqüente na região em que se tratou.
Logo, o que se dirá se não apareceu costume da região,
porque houve diversidade? A soma há de ser reduzida ao que seja a sua
menor importância
(tradução livre do autor).
A
interpretação assume nítido benefício em favor do
devedor, estabelecendo a regra iuris de que nas coisas obscuras[26]
atemo-nos sempre ao que é o menos[27].
Assim, o ius civile romano
desenvolve-se em um processo de crescente humanização, sob o
influxo do estoicismo[28],
pelo apreço da humanitas[29] e pela
extraordinária benignidade do espírito cristão, culminando
no estabelecimento de uma efetiva esfera diferenciada de proteção
ao devedor, o que justifica pensar, a partir dele, em um verdadeiro favor debitoris.
A
recepção do direito justinianeu e da obra dos glosadores em
Portugal dá-se a partir do século XIII. A difusão
processa-se em ritmo extremamente lento, amparada sobretudo na justiça
exercida em nome do monarca pelos “juízes de fora”. Fator
marcante para esta difusão foi a presença significativa de
estudantes portugueses, predominantemente eclesiásticos, em centros
italianos e franceses do ensino do direito, onde tomaram contato com os novos
estudos do renascimento do direito romano e, depois, disseminaram-nos por todo
o território luso. O ensino do direito romano nas universidades da
Península Ibérica e, após 1290, na Universidade de
Coimbra, com as licenciaturas em direito canônico e direito civil,
também contribuiu consideravelmente para essa
disseminação.
Outro fator
preponderante foi a elaboração nessa época de relevantes
obras doutrinais e legislativas de conteúdo romano, como as Flores de Derecho, de
Jácome Ruiz, e documentos legislativos espanhóis como o Fuero Real e as Siete Partidas, inspiradas
no direito justinianeu[30].
As Siete Partidas,
sobretudo, influenciaram profundamente o direito das primeiras
ordenações portuguesas – as Afonsinas – e
possibilitaram a transmissão para o ordenamento português dos
institutos de proteção ao devedor do direito romano.
No direito
português antigo, são inúmeras as disposições
de favorecimento do devedor recebidas do direito justinianeu. Paschoal
José de Mello Freire,
«Para
explicarmos o sentido d´uma Lei, devemos com preferencia attender
àquelle, que ella tem tido no uso e práctica do Fôro, como
n´outra parte mostrámos. Optima enim est interpres consueto
– diz a L. 37, D., de Legibus.
Quando a
disposição legal nos offerece dous sentidos, um dos quaes priva a
Lei de ter effeito, deve ella no outro tomar-se; porque uma Lei nunca pode ter
sido feita ociosa e inutilmente. Se offerece varios sentidos, que dão
diversos effeitos à Lei, e se um não tem sido pelo uso preferido,
deve preferir aquelle em que menos rigor se der. Benignus leges interpretandae
sunt, quo voluntas earum conservetur – diz a L. 18, D. de Legibus»[31].
A cessio in potentiorem, pela
qual, por uma constituição dos imperadores Honório e
Teodósio, estabelece-se a perda do crédito quando o credor o
transferisse para pessoa mais poderosa[32],
foi recebida no direito português nas Ordenações Afonsinas,
as quais previram que, se um credor tiver uma demanda contra um devedor e,
antes da demanda começada, a ceder a uma pessoa mais poderosa em
razão do Ofício, perderá todo o direito e
ação que até então tinha:
Ordenações
Afonsinas. Livro III, Titulo CXVIII: Mandamos, e Estabelecemos por
Ley, que se alguum tever auçaõ contra outro, assy real, como
pessoal, e ante da demanda começada a ceder, ou transmudar em algum
poderozo por rezam do Offício, como dito he no Titulo suso dito,
aquelle, que tal cessaõ, ou transmudaçam de acçam assy
fezer, perca toda auçaõ, e direito, que hy ouver, e aquelle que
fez a dita cessaõ, nem aquelle a que foi feita, nunqua, ja mais possam
usar d’algum direito que hy tivessem, porque todo ele avemos por perdido;
e alem desto Nós daremos ao dito nosso Official, que tal couza fizer,
escarmento e pena, como achamos que por direito merece[33].
Igual
disposição encontra-se nas Ordenações Manuelinas[34]
e nas Filipinas[35].
Moreira Alves relata
que a cessio
bonorum, que permite ao devedor ceder todos os seus bens aos
credores para livrar-se da execução pessoal e, portanto, da
servidão e do cárcere, é admitida pelas
Ordenações Afonsinas e que, utilizando-se desse benefício,
o devedor não deve ser preso pela dívida, mas continua obrigado
pelo saldo, embora, se vier a adquirir novos bens, goze do beneficium competentiæ:
«...dando
elle luguar aos beens, em tal caso nom deve ser prezo por essa divida: e ainda
segundo Direito he livre da obriguaçam civel, em que era obriguado,
ainda que fique naturalmente obriguado a esses a que ante era. E esso nom
embargante, se elle depois ouver alguuns beens de novo, será por elles
obriguado á dita divida, com tanto que lhe fiquem tantos beens, em que
rezoadamente se possa manter segundo seu estado e condiçaõ, em
tal guiza que não pereça de fame, segundo alvidro de boõ
juiz»[36]
Explica ainda este
autor que as Ordenações Manuelinas e as Filipinas, embora
mantendo essa disciplina da cessio bonorum (e do beneficium competentiæ ao devedor que dela
se valesse), restringiram-na – alegando as malícias e os enganos
que os devedores, com esse remédio, faziam aos credores – aos
casos em que o devedor, solvente ao tempo em que contraiu o débito,
deixasse de sê-lo sem sua culpa, ou, se insolvente naquele momento,
tivesse declarado ao credor «como não tinha fazenda; ou se a
tinha, que a tinha obriguada a outras pessoas, porque, nestes casos, e cada huu
deles, poderá fazer cessam». O beneficium competentiæ era
também, no antigo direito português, concedido pelos costumes
às pessoas aludidas no D.
No direito romano, a stipulatio, uma vez
concluída, determinava obrigações rígidas e
invariáveis para o credor e o devedor. O credor podia, por esta,
reclamar diretamente o cumprimento da obrigação com a simples
invocação da realização das solenidades prescritas,
sem que o devedor pudesse se livrar de tais conseqüências invocando
que a causa da obrigação era falsa, errônea ou
ilícita. Ao juiz não cabia examinar a essência da
convenção, nem suas qualidades intrínsecas. Uma
constituição do Imperador Caracala, no ano de 215 d.C., contudo,
estabeleceu que, se alguém começar a ser demandado por uma
caução, ainda que tenha dado hipoteca, e houver oposto a
exceção de dolo ou de dinheiro não contado, fica compelido
o demandante a provar que entregou o dinheiro. Não tendo feito isto,
seguir-se-á a absolvição[38].
Assim, Caracala introduziu no sistema de contrato formal a querela non numeratæ
pecuniæ, pela qual os devedores ficavam protegidos da ma-fé
dos emprestadores de dinheiro que, por vezes, não transferiam a totalidade
do montante do empréstimo e se beneficiavam da abstração
do contrato[39].
Esta querela non numeratæ
pecuniæ foi reconhecida nas Ordenações Afonsinas:
se esse devedor oposer a dita
excepçom ante dos sessenta dias, nom seja costrangido a pagar o
confessado por elle, salvo se o creedor provar polo Taballiam, e testemunhas,
que presentes forom ao contrauto, ou per outro algum modo licito, que realmente
e com effeito entregou a esse devedor todo aquello, que per elle foi
confessado; e provado assi esto per esse creedor, como dito he, seja logo o
devedor costrangido a pagar o contheudo em sua confissom com as custas em
tresdobro, pois, maliciosamente letigou, e nom lhe seja recebida
Também se faz
presente o referido instituto nas Ordenações Manuelinas[41] e nas Ordenações Filipinas[42].
A disciplina da
lesão, no direito lusitano, remonta às Ordenações Afonsinas (Livro IV,
Título XLV) e Manuelinas (Livro IV,
Título XXX), inspiradas indiscutivelmente no direito justinianeu, mas
temperadas pela influência canônica.
Nas Ordenações
Filipinas, a figura da lesão assumiu um caráter
objetivo, de inspiração romana (læsio ultra dimidium). O campo
de incidência era vasto, abrangendo as alienações de bens
móveis ou imóveis. Diferentemente do direito romano, que
facultava a ação de lesão apenas ao vendedor, as Ordenações
Filipinas permitiam ao comprador requerer a rescisão com o
mesmo fundamento. As Ordenações Afonsinas previam a
lesão nos contratos comutativos:
E achamos per direito, que as
ditas Leix Imperiaaes nom taõ soomente ham lugar nos contrautos das
compras e vendas, mais ainda nos contrautos dos arrendamentos, e afforamentos,
e escaimbos, e aveenças, e quaaesquer outros semelhantes, em que se da,
ou leixa [deixa] de hua cousa por outra[43].
Esclarecem
os doutrinadores que a lesão nos contratos comutativos teria lugar
sempre que uma das partes não recebesse o equivalente daquilo que desse[44].
As Ordenações Filipinas[45]
previram, além da figura jurídica da lesão enorme (læsio
enormis), a lesão enormíssima, que ocorria quando
alguém recebesse somente a terça parte do justo valor da coisa.[46]
A læsio enormissima não foi conhecida no direito
romano, havendo sido concebida pelos canonistas. A ação de
rescisão por lesão enormíssima era reputada
ação de dolo, dolo esse presumido (in re ipsa), sendo
bastante a prova da diferença de preço, sem necessidade de
demonstrar-se a intenção do agente.
As
Ordenações não admitiram a possibilidade de
renúncia ao benefício da lesão, derrogando, pois, o
direito comum. Acontecido o negócio lesionário, ao vendedor cabia
pedir a rescisão do negócio com a retomada da coisa e ao
comprador conferia-se a faculdade de rescindir o negócio ou
refazê-lo pelo justo preço, isto é, aquele que o bem tinha
ao tempo da celebração do contrato.
No que
concerne à usura e ao anatocismo, as Ordenações
proibiam-nos expressamente, como se deduz das Ordenações Afonsinas, IV, 19:
Hordenamos, e mandamos, e poemos por
Ley, que nom seja nenhuu tam ousado, de qualquer estado e condiçom que
seja, que dê ou receba dinheiro, prata, ouro, ou qualquer outra
quantidade pesada, medida, ou contada a usura, per que possa aver, ou dar
alguã vantagem, assy per via d'emprestido, como de qualquer outro
contrauto, de qualquer qualidade natura e condiçom que seja, e de qualquer
nome que possa seer chamado. E aquelle, que o contrairo fizer, e ouver de
receber gaança algua do dito contrauto, perca todo o principal, que deu,
por aver a dita gaança; e aquelle, que ouver de dar a dita
gaança, perca outro tanto, como for o principal que recebeo, e seja todo
pera a Corôa dos nossos Regnos: e per aqui entendemos, que poderá
o contrauto usureiro tam inlicito da nossa terra, e Senhoria seer esquivado[47].
Este
também era o prescrito nas Ordenações
Manuelinas[48]
e nas Ordenações Filipinas,[49]
que dispunham:
Nenhuma pessoa, de qualquer stado e
condição que seja, dê ou receba dinheiro, prata, ouro, ou
qualquer outra quantidade pesada, medida, ou contada á usura, por que
possa haver, ou dar alguma vantagem, assi per via de emprestimo, como de
qualquer outro contracto, de qualquer qualidade, natureza e
condição que seja, e de qualquer nome que possa ser chamado.
Não
obstante, D. José I, Rei de Portugal, em Alvará de 17 de janeiro
de 1757, reconhecendo as excessivas usuras que algumas pessoas costumam levar
do dinheiro e verificando que as respectivas leis até agora incorporadas
às Ordenações do Reino ou Extravagantes não foram
bastantes para extirpar tão ilícitas e perniciosas
negociações, proíbe que se dê dinheiro a juros que
exceda a taxa de 5% ao ano. O espírito, entretanto, permanece o mesmo:
considerar essas práticas contrárias aos bons costumes e
tendentes para o ilícito.
As penas
convencionais no direito das ordenações também são
limitadas em benefício do devedor e não podem exceder o principal:
As penas convencionaes, que por
convença das partes forem postas e declaradas nos contractos não
podem ser móres, nem crescer mais que o principal[...] E em isto não fazemos differença
entre a pena, que he posta e promettida por multiplicação de
dias, ou mezes, e a que he posta juntamente, porque em todo caso se
poderá levar até outro tanto, como o principal, e mais
não. E isto, que dito he das penas convencionaes, haverá lugar
nas judiciaes, postas per alguns Juizes á algumas partes, ou fiadores em
algum caso[50].
As
Ordenações vedavam ainda a lex commissoria em se tratando
de garantias reais, estabelecendo em síntese que era nula a
cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético
ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida
não fosse paga no vencimento[51].
Relata
igualmente Moreira Alves que as ordenações estabeleceram normas
de proteção ao devedor próprias, que não se
encontravam no direito romano. Assim, quando o credor cobrasse injustamente em
juízo a dívida antes do tempo devido, a pena seria: Haverá
o reo todo aquelle tempo, que faltava, para haver de ser demandado, quando o
autor primeiramente o demandou, como outro tanto[52].
Por outro lado, quem demandasse outrem por dívida já integralmente
paga ou pela parte recebida seria condenado a dar em dobro o recebido,
além de ser condenado no dobro das custas[53].
Observa-se,
portanto, no direito português antigo que a tradição do favor
debitoris do direito romano foi substancialmente mantida e mesmo criadas
novas situações jurídicas protetivas do devedor. Vejamos,
agora, como tais orientações inseriram-se no direito brasileiro.
No Brasil
Império e durante parte da Primeira República, permaneceram em
vigor as Ordenações Filipinas e as leis extravagantes
portuguesas, até o início da vigência do Código
Civil em 1917. Como fossem aquelas extremamente lacunosas e confusas, houve por
bem o governo imperial, em 1855, contratar o jurista Augusto Teixeira de
Freitas, a quem foi concedido o prazo de cinco anos para «coligir e
classificar toda a legislação pátria, inclusive a de
Portugal, anterior à Independência do Império,
compreendendo-se na coleção e classificação as leis
abrogadas ou obsoletas, com exceção das portuguesas». Esta
classificação guardaria as divisões de Direito
Público ou Administrativo e Privado, assim como as subdivisões
respectivas, sendo feita por ordem cronológica. Depois, «consolidará
toda a legislação civil pátria, com as mesmas
condições da classificação». «Consiste
a consolidação em mostrar o último estado da
legislação»[54].
Procedeu
este jurista o hercúleo trabalho e, em 1858, o Imperador aprovou a
Consolidação das Leis Civis tendo, desde então, o diploma
de Teixeira de Freitas passado a funcionar oficiosamente como um verdadeiro
Código Civil, seja por que afinal fora aprovado pelo Governo Imperial,
seja pela autoridade do seu organizador, seja pela facilidade que trouxe aos
operadores do foro, agora dispensados de recorrer à
legislação esparsa.
É
expressa nessa Consolidação a proteção ao devedor.
No art. 48, considera-se que, nas execuções, não se pode
desmembrar das fábricas de mineração, de
açúcar e de lavouras de cana as máquinas, bois, cavalos,
escravos maiores de 14 anos e todos os móveis efetivos empregados no
processo laboral[55].
O art. 115
define que, no regime de comunhão universal legal, não se
comunicarão entre os cônjuges as dívidas passivas
anteriores ao casamento e que estas só podem ser pagas pelos bens que
trouxe para o casal o devedor e por sua meação nos adquiridos.
Teixeira de Freitas, fundado no disposto nas Ordenações Filipinas, livro IV, T. 95, §
4º, conclui que o artigo protege a instituição do casamento
das dívidas ao fazer uma exceção às regras de
direito que determinam a universorum bonorum, a qual, em tese,
compreenderia todas as dívidas existentes ao tempo das entradas sociais[56].
O instituto
da lesão está previsto no art. 359, que estatui:
Todos os contratos, em que se dá,
ou deixa, uma coisa por outra, podem ser rescindidos por ação da
parte lesada, se a lesão for enorme; isto é, se exceder metade do
justo valor da coisa[57].
Acrescenta
esse autor que a presença da lesão enorme é
ordinária no direito brasileiro e está admitida em nossos
costumes. Em se tratando de compra e venda, a lesão pode ser invocada
tanto pelo comprador quanto pelo vendedor[58].
A
lesão enormíssima também é admitida no art. 567: Mas,
se a lesão for enormíssima, restituir-se-á a coisa precisamente,
e com os frutos desde o dia da venda[59].
São reprovadas nas escrituras as cláusulas que estabelecerem a
renúncia à ação de lesão[60].
Proíbe-se
também aos advogados, em detrimento dos devedores, estabelecer quota
litis, ou seja, fazer contratos com as partes para haverem alguma coisa se
vencerem a demanda. Somente poderiam auferir os honorários fixados em
lei[61].
A querela
non numeratæ pecuniæ, pela qual os devedores ficavam protegidos
da ma-fé dos emprestadores de dinheiro que, por vezes, não
transferiam a totalidade do montante do empréstimo e se beneficiavam da
abstração do contrato, é prevista nos arts. 487, 489, 490
e 492. Estabecele-se por esses artigos que o contrato de empréstimo
só será tido por insofismável, imune a uma exceptio,
quando expresso em escritura lavrada perante tabelião que deu fé
que o devedor recebeu o empréstimo por ele confessado. Nos demais casos,
o devedor podia, no prazo de 60 dias, contestar a confissão do
empréstimo, declarando não ter recebido a quantia confessada.
Assim, o efeito da reclamação seria o de incumbir ao credor o
ônus da prova sobre a realidade do empréstimo[62].
A
cobrança indevida de aluguéis era punida nos seguintes termos:
Tendo sido a penhora injustamente feita,
por estar o proprietário já pago de aluguel, ou de parte dele,
incorrerá na pena de satisfazer o inquilino em tresdobro o que lhe pediu
de mais, continuando este a morar na casa o tempo necessário para tal
satisfação[63].
O pacto
comissório pelo qual as partes pactuam que o credor, no caso da
dívida não ser paga e não se extinguir de outra forma,
possa, após o vencimento da mesma, obter a satisfação na
coisa penhorada é expressamente vedado pelo art. 769 da
Consolidação. Não proíbe, entretanto, a venda do
objeto penhorado pelo preço justo (art. 770 e 771).[64]
Subsistia a
disposição de que as penas convencionais não podem exceder
o valor da obrigação principal (art. 391)
O beneficium
competentiæ, na deductio ne egeat – pelo qual admite-se
a exclusão de alguns bens da execução patrimonial, com a
finalidade de garantir a subsistência do devedor e evitar que este
ficasse reduzido à indigência –, permanece, em alguns
aspectos principais, como na regra tradicional, dispondo que a lei considera
fora de comércio, para o efeito de não serem penhorados, o que
for indispensável para cama e vestuário do devedor, não
sendo precioso e as provisões de comida que se acharem em sua casa[65].
A cessio
bonorum também persiste no direito das obrigações, na
abalizada opinião de Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça
em 1911. Argumentava este que as Ordenações Filipinas, livro IV,
título 74, admitiam que os devedores recorressem à cessão
de bens demonstrando que foram infelizes, sem dolo, nos negócios. Era o
abandono do patrimônio do devedor aos credores para solver as
dívidas. À cessão julgada por sentença ou aceita
pelo acordo dos credores, deixavam-se ao devedor alguns bens com que prover sua
subsistência[66].
Essa operação não exonerava o devedor. Ele continuava
adstrito a satisfazer o que faltasse para o inteiro adimplemento da
obrigação. Contudo, assegurava fornecer ao devedor a oportunidade
de demonstrar sua boa-fé e salvar o que lhe garantia o benefício
de competência[67].
Pela extinção da cessio bonorum no direito brasileiro
manifestava-se Teixeira de Freitas (Consolidação,
art. 839, nota 24), porém, sem demonstrar a sua afirmativa.
A datio
in solutum necessaria, com plenos efeitos para a quitação da
dívida, foi admitida pelo Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890,
como relata Carlos de Carvalho no art. 940 da sua Nova Consolidação das Leis Civis[68].
A usura,
para Teixeira de Freitas, cessou no direito brasileiro através da lei de
24 de outubro de 1832, que revogou o texto das Ordenações, livro
IV, títulos 67 e 70, §1º. Do mesmo modo, considerava a reprovação
ao anatocismo. Esclarece, porém, Carlos de Carvalho que se estes juros
não fossem convencionados, contar-se-iam à taxa de 6% ao ano[69].
Não
se pode negar, à vista de todo esse panorama, que o favor debitoris
constituía regra corrente no direito brasileiro anterior ao
Código Civil de
«Nos
tempos que passam, em que a opressão do capital quase justifica os
excessos do proletariado; em que a usura, não satisfeita com arrancar o
pão ao devedor, compraz-se em macular-lhe a honra e o nome, é
essencial que o direito venha auxiliar a moral fornecendo ao oprimido o extremo
alívio de patentear a sua boa-fé e seu infortúnio. Se a
cessão de bens não existisse realmente em nossa
legislação, era o caso de a propagarmos como um instituto a
construir»[71]
E, por fim,
há na Consolidação de Carlos Augusto de Carvalho a
consagração do favor debitoris como princípio geral
de interpretação dos atos jurídicos no direito das
obrigações, preconizando que, nos casos duvidosos, em que
não se possa resolver segundo as regras estabelecidas,
decidir-se-á em favor do devedor (favor debitoris) (art. 288)[72].
O
Código Civil de 1916, impregnado pelo individualismo jurídico e
pela doutrina do laissez-faire, pelo liberalismo econômico
smithiano, não recepcionou muitas das medidas de proteção
ao devedor acima expostas. Moreira Alves relata que não se encontram nesse
código normas que admitam as moratórias, o beneficium
competentiæ, a cessio bonorum como meio de
extinção do débito (que se traduz numa verdadeira datio
in solutum coativa) ou vinculada ao beneficium competentiæ, a querela
ou a exceptio non numeratæ pecuniæ, o benefício do
inventário, a pena do credor que cobrasse judicialmente antes do prazo,
a lesão enorme, a lesão enormíssima, o pagamento parcial
coativo, bem como as que vedem a usura, o anatocismo e as cessões aos
poderosos[73].
O
Código Civil de 1916, entretanto, manteve também dispositivos
favoráveis ao devedor. Um deles é a proteção do bem
de família, introduzido no Código por indicação do
Senador Feliciano Pena, em 1912, e inspirado no Homestead Act norte-americano
de 20 de maio de 1862. Por esse instituto, o chefe de família poderia
destinar um domicílio para residência desta, com a cláusula
de ficar isento de execução por dívidas, isenção
que perdurará enquanto viverem os cônjuges e até que os
filhos completem a maioridade. Malgrado a má-vontade que em
relação a ele manifestava Clóvis Beviláqua,
reputando seus resultados como insignificantes e até inúteis[74],
o instituto consolidou-se e mesmo resultou na maior situação de
proteção ao devedor do direito pátrio: a impenhorabilidade
do bem de família pela lei 8009/90, mediante a qual o imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida
civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza,
contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus
proprietários e nele residam. A impenhorabilidade, na hipótese
desta lei, compreende o imóvel sobre o qual se assentam a
construção, as plantações, as benfeitorias de
qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou
móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
No
Código Civil de 1916, permaneceu a proibição do pacto
comissório a todos os direitos reais de garantia no seu art. 765:
É nula a cláusula que
autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário
a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no
vencimento.
Clóvis
Beviláqua expressamente refere-se a este artigo como tendo
inspiração na proteção do devedor do direito romano
cristão:
«A
proibição do pacto comissório funda-se em um motivo de
ordem ética. O direito protege o fraco contra o forte, impede que a
pressão da necessidade leve o devedor a convencionar o abandono do bem
ao credor por quantia irrisória. O imperador Constantino, impressionado
pelas manobras capciosas dos pactos comissórios, cuja aspereza crescia
assustadoramente, decretou-lhes a nulidade, e as legislações
modernas aceitaram essa condenação. O pacto comissório
não pode ser estipulado no momento de ser dada a garantia real, nem
posteriormente»[75].
O art. 920
do referido Código estabelece que o valor da cominação
imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal. Foi incluído por iniciativa da
Comissão do Governo. É artigo que contou também com a
oposição de Clóvis Beviláqua, o qual considerava
que ele não se justificava porque era uma restrição
à plena liberdade das convenções e que mais perturbaria do
que tutelaria os legítimos interesses individuais. Não teve
acolhida sua argumentação e foi mantida a tradição
decorrente das Ordenações[76].
O art.
9º do Decreto 22.626, de 07 de abril de 1933, previu, posteriormente,
disciplinando todos os contratos (estipular em quaisquer contratos, art.
1º), que não é válida a cláusula penal
superior à importância de 10% do valor da dívida.
Para o
devedor que cumpriu em parte a obrigação, o Código (art.
924) previu a faculdade de o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada
para o caso de inadimplemento. Este é um relevante preceito protetivo do
devedor, vez que permite ser aplicado, a título de redução
da multa, a todas as situações em que o devedor inadimplente pede
a extinção da obrigação; obtendo-a, a
redução da cláusula penal que previa a perda das
prestações garante ao devedor a devolução de uma parte
do que pagou. A regra do art. 924 transformou-se no art. 413 do Código
Civil de 2002 e com maior amplitude, isto é, nele está expresso
claramente que o juiz poderá reduzir a multa imposta toda vez que ela se
mostrar manifestamente excessiva, independentemente da proporção
de cumprimento da obrigação, contrariamente ao disposto no
Código de 1916 (art. 924).
No que
concerne à responsabilidade pela impossibilidade da
prestação, o art. 957 do Código de 1916 prevê que o devedor
em mora responde por esta, ainda que essa impossibilidade resulte de caso
fortuito, ou força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se
provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria, ainda quando a
obrigação fosse oportunamente desempenhada. É uma
atenuação da regra da responsabilidade do devedor decorrente de
razões de eqüidade[77].
Não existia norma expressa quanto a isso no direito anterior, mas era o
sentido em que rumava a doutrina.
O art. 1530
do Código Civil de 1916 estabeleceu que o credor que demandar o devedor
antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita,
ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a
descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas
Do mesmo
modo, o art. 1531 discorre que, aquele que demandar por dívida já
paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais
do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso,
o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir,
salvo se, por lhe estar prescrito o direito, decair da ação[79].
No que
concerne à legislação extravagante ao Código, o Decreto
22.262, de 1933, reintroduziu a usura no direito brasileiro ao prever que
é vedado estipular, em quaisquer contratos, taxas de juros superiores a
12% ao ano e que é considerado delito de usura toda a
simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa
do juro ou a fraudar os dispositivos do referido Decreto, para o fim de
sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além
dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento. Também foi
proibido nesse Decreto o anatocismo, dispondo este que é proibido contar
juros dos juros: esta proibição não compreende a
acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta
corrente de ano a ano (art. 4º). A Lei nº 1521, de 1951 (art. 4º)
veio reforçar o instrumental jurídico protetivo do devedor, agora
de natureza penal, ao dispor que constitui crime a usura pecuniária ou
real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou
descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à
taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de
câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda,
emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de
crédito;
b) obter, ou estipular, em qualquer
contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de
outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo
da prestação feita ou prometida.
No que
concerne à usura real (art. 4º, alínea “b”),
reintroduziu a figura da lesão subjetiva no ordenamento jurídico.
As conseqüências jurídicas desses procedimentos também
eram severas:
A estipulação de juros ou
lucros usurários será nula, devendo o juiz ajustá-los
à medida legal, ou, caso já tenha sido cumprida, ordenar a
restituição da quantia para em excesso, com os juros legais a
contar da data do pagamento indevido.
A mesma lei
definiu uma proteção legal ao locatário contra
cobranças indevidas ao disciplinar que constituía
contravenção penal relativa à economia popular, receber,
ou tentar receber , por motivo de locação,
sublocação ou cessão de contrato, quantia ou valor
além do aluguel e dos encargos permitidos por lei.
Na
alienação fiduciária em garantia da lei 4728, de 14 de
julho de 1965, estabeleceu-se a proibição da lex comissoria,
ao preceituar a norma legal que é nula a cláusula que autorize o
proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia,
se a dívida não for paga no seu vencimento (art. 66, §
7º). No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o
proprietário pode vender a coisa a terceiros e aplicar o preço da
venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da
cobrança, entregando ao devedor o saldo porventura apurado, se houver
(redação dada pelo art. 1º, do Decreto-lei nº 911/69).
Em alguns
casos, admite o ordenamento brasileiro, por motivações de ordem
social, que o credor receba menos do que é devido, em uma datio in
solutum legal. Foi, por exemplo, o caso da Lei nº 9.711, de 20 de
novembro de 1998, que previu:
Até 31 de dezembro de 1999, fica
o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS autorizado a receber, como
dação em pagamento, Títulos da Dívida
Agrária a serem emitidos pela Secretaria do Tesouro Nacional do
Ministério da Fazenda, por solicitação de
lançamento do Instituto Nacional da Colonização e Reforma
Agrária - INCRA, especificamente para aquisição, para fins
de reforma agrária:
I - de imóveis rurais
pertencentes a pessoas jurídicas responsáveis por dívidas
previdenciárias de qualquer natureza, inclusive oriundas de penalidades
por descumprimento de obrigação fiscal acessória;
II - de imóveis rurais
pertencentes a pessoas físicas integrantes de quadro societário
ou a cooperados, no caso de cooperativas, com a finalidade única de
quitação de dívidas das pessoas jurídicas referidas
no inciso anterior;
III - de imóveis rurais
pertencentes ao INSS." (art. 1º).
Destarte,
percebe-se que, embora sob uma perspectiva fortemente liberalizante e
hipostasiada do princípio da autonomia da vontade, a
legislação, nesse período, em diversos aspectos, sufragou
a proteção do devedor, precipuamente na legislação
extravagante.
O
Código Civil de 2002 retomou a tradição reinícola e
brasileira de maior proteção ao devedor, afastando-se do
exacerbado individualismo do Código de 1916. O Novo Código tem
como princípios a socialidade, a eticidade e a operabilidade. O primeiro
deles – o da socialidade – representa a prevalência dos
valores coletivos sobre os individuais, sem olvidar-se o valor supremo da
pessoa humana; o segundo deles – o da eticidade – funda-se no valor
da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando a
eqüidade, a boa-fé, a justa causa, o equilíbrio
econômico, etc; e o último – o da operabilidade –
traduz-se na efetivação do direito, uma vez que este é
feito para ser operado e ser eficaz.
Tais
princípios espraiam-se em diversas regras protetivas no Código,
como o art. 113, ao estabelecer que os negócios jurídicos devem
ser interpretados conforme a boa-fé. A boa-fé objetiva, que os
alemães definem por Treu und Glauben (lealdade e crença),
é um dever global: dever de agir de acordo com determinados
padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e
honestidade para não frustrar a confiança da outra parte.
No que
concerne à interpretação, esta diz respeito à
significação a atribuir ao contrato, quando contenha
cláusulas ambíguas, isto é, cláusulas cujo
próprio sentido objetivo seja duvidoso. Em presença de
cláusulas ambíguas, deve-se preferir o significado que a
boa-fé aponte como o mais razoável. São principalmente os
seguintes os meios pelos quais a jurisprudência, em proveito do devedor
obrigado, vem procurando dar solução às hipóteses
de ambigüidade: a) pela aplicação do princípio da
conservação do contrato, deve-se escolher sempre, entre os
diversos sentidos possíveis, o que assegure a preservação
do contrato; b) pela aplicação do princípio do menor
sacrifício, prevalece a idéia de que o contrato deve ser
interpretado no sentido mais favorável à parte que assume
obrigações; c) pela aplicação do princípio
da interpretação contra o predisponente, busca-se interpretar o
contrato sempre no sentido menos favorável a quem o redigiu,
disposição esta particularmente relevante no que se refere aos
contratos padronizados e de adesão[80].
O Novo
Código introduz a idéia do negócio realizado em estado de
perigo (art. 154). O negócio realizado em estado de perigo consiste em
acordo de vontades no qual o agente emite declaração de vontade
premido pela necessidade de salvar a si próprio ou pessoa de sua família
de perigo atual de grave dano, conhecido da outra parte, assumindo
obrigação excessivamente onerosa. O estado de perigo pode
decorrer de um acontecimento natural ou de uma ação humana. Os
negócios jurídicos são informados pela
obrigação de correção e lealdade que decorre da
boa-fé objetiva, não apenas naquilo que se estipulou mas
também em todos os deveres laterais de conduta que decorrem naturalmente
da relação negocial; assim sendo, o negócio em que se aufere
ganhos exorbitantes com dolo de aproveitamento do estado de perigo da
contraparte (o devedor) é ofensivo à boa-fé e, portanto,
inválido, em tudo aquilo que diz respeito ao aproveitamento da
desigualdade das partes. O negócio jurídico concluído em
estado de perigo é parcialmente inválido porque não atende
à função econômico-social do contrato (art. 421).
Há conflito entre a vontade individual declarada e o interesse social,
devendo prevalecer este último, em favorecimento ao devedor.
A
presunção de que devem ser mantidos, porque de boa-fé, os
negócios ordinários que garantam a subsistência do devedor
e de sua família (art. 164) é modificação
importante porque altera o ordenamento anterior e fixa um patrimônio
mínimo a ser assegurado para o devedor.
O
Código de 2002 abrigou a idéia do abuso do direito na
acepção objetivista, ou seja, estabeleceu que, para que o ato
seja abusivo, basta que ele tenha o propósito de realizar objetivos
diversos daqueles para os quais o direito subjetivo em questão foi
preordenado, contrariando o fim do instituto, seu espírito ou
finalidade. No que concerne à proteção do devedor esse
instituto desdobra-se, por exemplo, na proibição do venire
contra factum proprium que protege uma parte (via de regra, o devedor)
contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em
contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de
criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa
de determinado comportamento futuro, há uma quebra dos princípios
de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário
ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Assim, o
credor que concordou, durante a execução do contrato de
prestações periódicas, com o pagamento em tempo e lugar
diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a
exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da
proibição é preciso que haja univocidade de comportamento
do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.
O art. 393
preceitua que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes
de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver
por eles responsabilizado. O dispositivo atenua a responsabilidade anterior
porque não mais exclui dos seus benefícios o devedor que estiver
em mora.
Os juros
moratórios, quando não convencionados, foram limitados em seu
montante, segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de
impostos devidos à Fazenda Nacional. Consoante o Enunciado estabelecido
pelo Conselho da Justiça Federal, em Brasília, em 12 e 13 de
setembro de 2002, não é juridicamente segura a
utilização da taxa SELIC, porque incompatível com o
disposto no art. 591 do novo Código Civil, e, assim, a taxa de juros
moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, §
1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, um por cento ao mês[81].
Na senda de
proteção ao devedor, o art. 412 dispõe que o valor da
cominação imposta na cláusula penal não pode
exceder o da obrigação principal. Mantém-se, assim, a
tradição do Direito brasileiro[82].
No caso em
que o montante da penalidade a ser cobrado do devedor for manifestamente
excessivo, o art. 413 determina que a penalidade deve ser reduzida
eqüitativamente pelo juiz tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio[83].
O diploma de
2002 reintroduz também na legislação brasileira (arts.
O escopo da
resolução por onerosidade excessiva, tal como disposta no art.
478, limita-se à chamada teoria da imprevisão: além de
subseqüente à celebração do ajuste, a onerosidade
excessiva capaz de ensejar a resolução do contrato não
implica considerar-se o desequilíbrio contratual em si mesmo decisivo,
senão quando se demonstre o caráter extraordinário e
imprevisível da alteração das circunstâncias que o
hajam determinado, assim como quando se demonstre a vantagem excessiva que tal
alteração traz para o credor. Nesse sentido, constitui mecanismo
de salvaguarda do devedor.
O art. 591
dispôs, no que concerne ao mútuo feneratício, que,
destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos
juros, os quais, sob pena de redução, não poderão
exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a
capitalização anual[84].
A capitalização de juros corresponde à prática
através da qual juros são calculados sobre os próprios
juros devidos. Tal prática foi proibida pela Lei de Usura (Decreto no
22.626, de 7 de abril de 1933) que, em seu artigo 4º dispõe que
«é proibido contar juros dos juros; esta proibição
não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos
líquidos em conta-corrente de ano a ano». Posteriormente, esse
entendimento veio a ser confirmado pelo Supremo Tribunal Federal,
através de sua Súmula de nº 121: «É vedada a
capitalização de juros, ainda que expressamente
convencionada». Agora, a capitalização só
poderá ser anual, o que constitui uma garantia para o devedor.
A lesão
é prevista no art. 157 do Código Civil de 2002. No dispositivo em
epígrafe, a lesão é definida como a exagerada
desproporção de valor entre as prestações de um
contrato bilateral, concomitante à sua formação, resultado
do aproveitamento, por parte do contratante beneficiado, de uma
situação de inferioridade em que então se encontrava o
prejudicado.
A
lesão não foi inserida no Código Civil de 1916, de cunho
voluntarista, hipostático em seu superdimensionamento da autonomia
privada. Não obstante, ressurge agora, em um viés parcialmente
subjetivista, em um contexto informado pela boa-fé objetiva e pelo
equilíbrio das partes na relação negocial. A lesão
está ligada à noção de justiça contratual e
constitui-se num instrumento de tutela do equilíbrio negocial em sentido
amplo.
Sendo os
negócios jurídicos informados pela obrigação de
correção e lealdade que decorre da boa-fé objetiva,
não apenas naquilo que se estipulou, mas também em todos os
deveres laterais de conduta que decorrem naturalmente da relação
negocial, o negócio em que se aufere ganhos com a inexperiência ou
a premente necessidade de contratar da contraparte (devedor) é,
necessariamente, um negócio inválido. O contrato, porém,
proporciona ao lesado, por meio da prestação do outro contraente,
o bem que é preciso para satisfazer a sua necessidade, apresentando uma
função socialmente útil; embora injusto, se o contrato
ainda é útil, realiza um interesse que merece ser tutelado. Este
se abriga no princípio da conservação dos contratos
informados por normas protetivas: o negócio é parcialmente
inválido até a redução do preço ao
nível lícito ou, uma vez já pago este, a
determinação da restituição do excesso[85].
Alteração
relevante foi também a do art. 306 do Código Civil de
2002 para prever hipótese em que o devedor se eximirá da
obrigação de reembolsar o terceiro que houver pago o
débito, independentemente do benefício que tenha experimentado,
sempre que o pagamento se dê sem o seu consentimento ou com a sua
oposição, quando tinha, ele, devedor, meios ou instrumentos de
evitar a cobrança do débito pelo credor. Tem-se exemplo disto nas
hipóteses em que o devedor dispõe de defesas pessoais, só
oponíveis ao primitivo credor. Na redação anterior do art.
932 do Código Civil de 1916, o devedor, mesmo opondo-se
ao pagamento pelo terceiro não interessado, estava obrigado a
reembolsá-lo, ao menos até a importância em que o pagamento
lhe foi útil. O art. 306 do Novo
Código promove importante modificação na regra de
reembolso, passando a dispor que o devedor, mesmo aproveitando-se,
aparentemente, do pagamento feito pelo terceiro, não estará mais
obrigado a reembolsá-lo, desde que dispusesse, à época,
dos meios legais de ilidir a ação do credor, vale dizer, de
evitar que o credor viesse a exercer o seu direito de cobrança. Na
verdade, se o devedor tinha meios para evitar a cobrança, e ainda assim,
com a sua oposição ou seu desconhecimento, vem um terceiro e paga
a dívida, sofreria prejuízo se tivesse que reembolsar àquele,
significando inaceitável oneração de sua
posição na relação obrigacional por fato de
terceiro.
Na
proteção do devedor em matéria de pagamento avulta
também o art. 329, estabelecendo que o devedor pode alterar o local
pré-determinado para o pagamento, sempre que ocorrer motivo grave e
desde que não haja prejuízo ao credor. Caberá ao juiz, em
cada caso concreto, decidir sobre a gravidade do motivo.
No mesmo
diapasão tem-se o art. 330, pelo qual o pagamento reiteradamente feito
em outro local faz presumir renúncia do credor relativamente ao previsto
no contrato. Trata-se de inovação em relação ao
Código Civil de 1916 e de prática já bastante consagrada
na doutrina e na jurisprudência, ou seja, se o credor habitualmente
aceita que o pagamento seja feito pelo devedor em local diverso, é
porque tem a intenção de mudar o lugar do pagamento.
O art. 939
do Código Civil de 2002, dando
continuidade ao art. 1530 do antigo Código, também estabeleceu
que o credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos
casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que
faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora
estipulados, e a pagar as custas em dobro.[86]
Em
idêntica orientação, o art. 940 discorre que aquele que
demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar
as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado
a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no
segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver
prescrição.[87]
Portanto, o
Novo Código Civil de 2002, como se verifica nessa apertada
síntese, incrementa consideravelmente os dispositivos de
proteção ao devedor, retomando institutos tradicionais de nosso
direito e fundando novas diretrizes protetivas.
A
legislação processual civil, no campo da execução,
não obstante a pretensão de estrita cientificidade (aos moldes
positivistas) do Código de Processo Civil de 1973, também
assegura diversos mecanismos de proteção ao devedor.
O art. 649
do CPC estabelece que são absolutamente impenhoráveis as
provisões de alimento e de combustível, necessárias
à manutenção do devedor e de sua família durante 1
(um) mês; os livros, as máquinas, os utensílios e os
instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de
qualquer profissão; o imóvel rural, até um módulo,
desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a
hipoteca para fins de financiamento agropecuário.
A
preocupação em preservar o executado e, quando existente,
também sua família, fez com que o legislador passasse a prever
formas de dispensar o mínimo necessário à sua
sobrevivência digna do devedor. A impenhorabilidade de certos bens
está ligada a uma exigência de humanidade na
execução. Os deveres de solidariedade humana e de assistência
social é que impedem o ato expropriatório. A preservação
da pessoa do devedor e, em especial, a manutenção de um estado
minimamente capaz para sua sobrevivência digna acabam por nortear o
dispositivo.
Com fins
protetivos, também encontramos o art. 574 do CPC, que fixa o
princípio da responsabilidade do exeqüente ao prever que o credor
ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a
sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte,
a obrigação, que deu lugar à execução.
Por sua vez,
o art. 586 do CPC apresenta o princípio da certeza e liquidez do
direito, pelo qual a execução para cobrança de
crédito fundar-se-á sempre em título líquido, certo
e exigível. Não existentes esses requisitos no título é
possível a interposição pelo devedor da
objeção de pré-executividade.
Também
é princípio específico da execução o fato de
que esta sempre se realiza no interesse do credor (CPC, art. 612). Somente tem
necessidade de promover a execução quem é sujeito de um
título executivo que lhe atribua a exigir de outrem determinada
prestação. E toda a atividade executória se dirige no
sentido de realizar em concreto a satisfação do crédito do
exeqüente. Corolário desse princípio é a regra
impeditiva da penhora, se for evidente que o valor dos bens encontrados seria
absorvido totalmente pelas custas da execução (CPC, art. 659,
§ 2º).
Outro
dispositivo processual de proteção do devedor é aquele que
proíbe a arrematação por preço vil (CPC, art. 692),
assim como a regra jurídica sobre poder o juiz conceder ao credor o
usufruto de imóvel ou de empresa, se menos gravoso ao devedor e
eficiente para a solução da dívida (CPC, art. 716).
E,
finalmente, o art. 620 do CPC, no qual se estipula que, quando por
vários meios o credor puder promover a execução, o juiz
mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
Tratando do
mesmo princípio protetivo no Código de Processo Civil de 1939, ao
versar sobre o art. 903, Pontes de Miranda o define como favor debitoris,
uma regra de interpretação das leis e dos atos jurídicos.
Entre duas condutas possíveis de serem aplicadas na
interpretação de um contrato ou de uma execução, o
juiz determinará aquela menos gravosa (mais favorável) ao devedor[88].
Explica
Pontes de Miranda,
Alcides de
Mendonça Lima, comentando o citado dispositivo, afirma que a regra
funda-se no princípio do favor debitoris, concedendo primazia,
privilégios e garantia em prol do sujeito passivo, para evitar o
agravamento que, normalmente, a execução já lhe causa,
desde que sem utilidade para o credor. Observa ele que o legislador teve o
intuito de proteger a parte mais fraca (normalmente o devedor, sendo, em tese,
sempre na execução, ainda que possa não sê-lo na
realidade). Se o credor infringir qualquer dos dispositivos que garantem uma execução
mais suave, o juiz não deverá permitir a iniciativa, mandando que
se faça pelo modo menos gravoso para o devedor. A regra favor
debitoris tem incidência, assim, em execução normal e
regular, mas na qual algum ato, por má-fé, por espírito de
emulação ou por desnecessário, foi tentado pelo credor,
sem visar a qualquer vantagem concreta para a satisfação do seu
direito[90].
Amilcar de
Castro destaca que esta é uma regra em consonância com o
princípio da justiça e da eqüidade:
«E
se a finalidade do processo executivo é esta de obter o Poder
Judiciário, à custa do executado, o bem devido ao exeqüente,
é intuitivo que, quando por vários meios executivos puder
executar a sentença, isto é, quando por vários modos puder
conseguir para o exeqüente o bem que lhe for devido, o juiz deve mandar
que a execução se faça pelo menos dispendioso. Todos os
meios executivos são onerosos para o executado, mas não seria
justo e seria inútil que se preferisse um meio mais custoso, quando por
outro menos pesado pudesse o exeqüente conseguir o mesmo resultado
prático. É um elevado princípio de justiça e
eqüidade, informativo do processo das execuções, este que o
Estado deve, quanto possível, reintegrar o direito do exeqüente com
o mínimo de despesa, de incômodo e de sacrifício do
executado. Jus est ars boni et aequi, isto é, a
sistematização do que é conveniente e útil»[91].
O Ministro
Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, ressalta a
existência no direito de uma tendência humanizadora da
execução forçada que se faz sentir mediante a
imposições de limites à patrimonialidade da
execução prevista no art. 591 do CPC. Busca-se preservar o
mínimo de dignidade do devedor e de sua família.
Alcança-se tal meta através de vários dispositivos, como o
dos bens impenhoráveis (CPC, art. 649 e 650), o bem de família
(art. 1º, Lei 8009/90), a proibição de efetuar penhora
quando inútil para o credor (CPC, art. 659, §2º), tudo isso
compondo o princípio do favor debitoris[92].
Candido
Rangel Dinamarco salienta, em adendo, que:
«Pode-se
mesmo dizer que existe um sistema de proteção do executado contra
excessos, um favor debitoris inspirado nos princípios de justiça
e eqüidade, que inclusive constitui uma das linhas fundamentais da
história da execução civil em sua generosa tendência
de humanização»[93].
Teori
Zavascki acentua que o preceito do artigo 620, veículo do favor
debitoris, é típica regra de sobredireito, cuja
função não é a de disciplinar
situação concreta e sim a de orientar a aplicação
das demais normas do processo de execução, com a nítida
finalidade de evitar atos executivos desnecessariamente onerosos para o
devedor. Acrescenta ele que a riqueza do art. 620 reside, justamente, em
consagrar um princípio de direito, que se caracteriza como tal,
distinguindo-se de uma regra normativa comum pelo seu modo de atuar: enquanto a
regra atua sobre a específica situação nela descrita, o
princípio ocupa todos os espaços possíveis em que
não encontrar oposição da ordem jurídica[94].
Tal
caráter principiológico do favor debitoris em
matéria de execução vem sendo acolhido pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) que em diversos julgados tem estabelecido nos
processos de execução a excepcionalidade da penhora sobre o
faturamento da empresa, sobretudo quando esta tenha apresentado outros bens
passíveis de garantir a execução, uma vez que o art. 620
do CPC consagra favor debitoris e tem aplicação quando,
dentre dois ou mais atos executivos a serem praticados em desfavor do
executado, o juiz deve sempre optar pelo ato menos gravoso ao devedor, qual seja,
a penhora sobre outros bens e não sobre o faturamento[95].
A
atuação do princípio na jurisprudência desse
Tribunal é expressa para não inviabilizar a sobrevivência
do devedor:
«Em
observância ao consagrado princípio favor debitoris (
art.620 do CPC), tem-se admitido apenas excepcionalmente a penhora do
faturamento, desde que presentes, no caso, requisitos específicos que
justifiquem a medida, quais sejam:
a) inexistência de bens passíveis de
constrições, suficientes a garantir a execução, ou,
caso existentes, sejam de
difícil alienação; b) nomeação de
administrador (arts. 678 e 719, caput, do CPC), ao qual incumbirá a
apresentação da forma de administração e do esquema
de pagamento; e c) fixação de percentual que não
inviabilize o próprio funcionamento da empresa»[96].
Da mesma
maneira, o STJ admitiu que o promissário-comprador inadimplente que
não usufrui do imóvel tem legitimidade ativa “ad
causam” para postular nulidade da cláusula que estabelece o
decaimento de metade das prestações pagas e que este direito
à devolução das prestações pagas decorre da
força integrativa do princípio geral de direito privado “favor
debitoris” (corolário, no Direito das
Obrigações, do “favor libertatis”)[97].
Consagrada,
pois, a recepção do favor
debitoris na codificação de 2002 e na execução
civil desde o Código de 1939, verifiquemos se este configura um
princípio geral do direito das obrigações.
A
obrigação jurídica, no sentido clássico conferido
pelos autores do século XIX, pode ser concebida, no dizer de Savigny,
como «a dominação sobre uma pessoa estranha, não
sobre toda a pessoa (pois que isto importaria em absorção da
personalidade), mas sobre atos isolados, que seriam considerados como
restrição à sua liberdade sobre os mesmos e
sujeição à nossa vontade»[98].
Da
definição, ressalta-se o domínio sobre os atos ou a
liberdade do devedor em relação a estes, de modo que não
pode ele mais praticá-los de forma livre e indeterminada, mas sim,
sujeitando-se à vontade do credor.
A
sujeição do devedor e o seu concreto objeto (a prática do
ato), a prestação, passa a ser o cerne da relação
obrigacional[99],
ao contrário do sentido romano, que previa uma obrigação
de natureza compromissória e fiduciária[100].
Sendo a
prestação – de dar, de fazer ou de não fazer –
a finalidade precípua da obrigação, os direitos do credor
estariam previamente delimitados e seriam os que decorrem da natureza do
crédito: a) o de exigir a execução forçada; b) o
direito de exigir uma indenização no caso de inexecução;
c) o direito de exercer medidas assecuratórias do patrimônio do
devedor, considerado como garantia do seu crédito[101].
Assim, a
obrigação, segundo esta orientação clássica,
apresentava uma única finalidade: a prestação, concebida
como um único dever principal, seja a realização ou
abstenção de um fato, seja a dação de uma coisa[102].
Tal
concepção unívoca de obrigação
possuía por fontes a lei e o contrato. A primeira era concebida como um
ato assecuratório da igualdade de todos, sendo, por natureza, geral e
impessoal, fruto da vontade geral[103].
Uma dialética abstrato-geral, de um lado, e concreto-individual, do
outro lado, constituía o modo específico de
realização e de garantia da liberdade no Estado de Direito. Era
esta dialética que proporcionava segurança à
liberdade ou, numa terminologia moderna, tornava a liberdade mensurável.
Concebia-se que as intervenções na liberdade e na propriedade
somente poderiam ser realizadas se fundadas nesse caráter legal de
generalidade e abstração.
Por outro
lado, a esfera de atuação dos particulares era regulada pela
idéia de autonomia da vontade expressa no contrato. A
concepção de vínculo contratual centrava-se na
idéia de valor da vontade, como elemento principal, como fonte
única, para o nascimento de direitos e obrigações oriundos
da relação jurídica contratual.
Como se
depreende da definição de contrato de Savigny:
«Contrato
é o acordo de mais de um indivíduo sobre uma
manifestação comum de vontade destinada a reger suas
relações jurídicas»[104].
Assim,
apenas a vontade livre e real, isenta de vícios ou defeitos, dirigida a
um fim específico, podia dar origem a um contrato válido, fonte
de obrigações e direitos.
Essa
refinada construção conceitual, fundada na absoluta clivagem
entre Estado e sociedade civil, tinha como pressuposto a estabilidade das
relações sociais, que foi a característica predominante
daquele período até a Primeira Guerra Mundial.
Nesse mundo
de estabilidade, a função da ciência do direito era a de
proteger a vontade criadora e a de assegurar a realização dos
efeitos queridos pelas partes contratantes[105].
A tutela jurídica limitava-se a possibilitar a
estruturação pelos indivíduos de relações
sociais próprias através dos contratos, desinteressando-se
totalmente pela situação econômica e social dos contraentes
e pressupondo a existência de igualdade e de liberdade no momento de contrair a
obrigação[106].
A esse mundo
de segurança correspondia um conceito unívoco de
obrigação, onde a prestação era sempre a de dar,
fazer ou não fazer um determinado dever principal, perfeita e
expressamente delimitado pela declaração de vontade das partes,
ou, quando muito, agregava-se a este um dever secundário, também
diretamente decorrente do dever principal correlato[107].
Essa
concepção tradicional de obrigação, em perfeita
consonância com essa estabilidade das relações
jurídicas, começa a se modificar a partir da
promulgação do BGB em 1900 e, sobretudo, pela nova
interpretação que a doutrina e a jurisprudência
alemãs passam a elaborar a partir do § 242 do BGB em face da
modificação revolucionária e incessante das
circunstâncias econômicas e sociais no período entreguerras.
Os arts. 157 e 242 do
BGB (Bügerliches Gesetzbuch) dispunham:
§ 242 - O devedor está adstrito a realizar a
prestação tal como o exija a boa fé, com
consideração pelos costumes do tráfego[108].
§ 157 - Os contratos interpretam-se como o exija a boa fé, com
consideração pelos costumes do tráfego.
Em termos
literais, o § 242 nada mais representava do que o reforço do §
157, no qual se determinava a regra tradicional de interpretação
dos negócios jurídicos segundo a boa-fé. Não era um
dispositivo posto para atribuir ao juiz a função fundamental de
criar o direito, mas sobretudo para reduzir os rigores da
aplicação do direito estrito[109].
Foi com o
estudo de H. Staub, Positive Vertragsverletzung, publicado em 1902, no Festschrift
für das deutsche Juristentag, sobre a quebra positiva do contrato, que
começa a se modificar o conceito tradicional de obrigação.
Esta passa a ser concebida como um vínculo dialético entre
devedor e credor, elementos cooperativos necessários ao correto
adimplemento. A relação dialética assim estabelecida
é perpassada na sua inteireza pela noção de boa-fé
que constitui, assim, uma fonte autônoma de direitos e
obrigações. Sendo a relação obrigacional uma
totalidade voltada para o adimplemento, esta não inclui apenas, como
relação totalizante que é, o dever principal de prestar,
ou um eventual dever secundário correlato, mas também deveres
acessórios ou implícitos, instrumentais e independentes, ao lado
da obrigação principal, todos voltados para o correto
adimplemento[110].
A obra de H.
Staub, em que se manifesta no direito germânico o conceito de quebra
positiva do contrato, marca uma nova concepção de
relação obrigacional, com deveres secundários vinculados
à aplicação do princípio da boa-fé. Essa
transformação poderia representar apenas uma ligeira modificação
do conteúdo da relação obrigacional, não houvesse,
simultaneamente, assumido o juiz funções criadoras do direito bem
mais amplas. Essa nova posição resultou da
aplicação concomitante de outro dispositivo, o § 138 do
Código Civil germânico, quando os tribunais começaram a
declarar a nulidade de contratos em que se manifestasse a utilização
abusiva do poder econômico de uma das partes, os
“contratos-mordaça” (Knebelungsvertrag), por serem
contrários aos bons costumes (contra bonos mores)[111].
Mais tarde,
nos tempos da grande inflação ao redor de 1920, começou-se
a falar no desaparecimento de base do negócio jurídico, outra
importante criação da doutrina que se refletiu na
jurisprudência[112].
A
relação obrigacional, sob essa nova perspectiva, passou a ser
encarada como uma totalidade que se encadeia e se desdobra em
direção ao adimplemento, à satisfação dos
interesses do credor. Como totalidade, a relação obrigacional
é um sistema de processos. O vínculo obrigacional como um todo,
muitas vezes, não se altera ou modifica com certas alterações
ou modificações sofridas pelas partes. Por esse motivo, o
adimplemento de um crédito determinado pode não extinguir, ou
modificar, a relação jurídica.
Sob o
ângulo da totalidade, o vínculo passa a ter sentido
próprio, diverso do que assumiria se se tratasse de pura soma de suas
partes, de um compósito de direitos, deveres e pretensões,
obrigações, ações e exceções. Se o
conjunto não fosse algo de orgânico, diverso dos elementos ou das
partes que o formam, o desaparecimento de um desses direitos ou deveres, embora
pudesse não modificar o sentido do vínculo, de algum modo
alteraria a sua estrutura. Importa, no entanto, contrastar que, mesmo
adimplindo o dever principal, ainda assim pode a relação
jurídica perdurar como fundamento da aquisição (dever de
garantir), ou em razão de outro dever secundário independente[113].
A
obrigação contratual no sentido moderno pode ser entendida
portanto como um dever global de agir objetivamente de boa-fé. Essa
boa-fé objetiva constitui no campo contratual um processo que deve ser
seguido nas várias fases das relações entre as partes.
Assim, na fase pré-contratual das negociações preliminares
à declaração de oferta, os contraentes devem agir com
lealdade recíproca, dando as informações
necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao
fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em
confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das
conversações, etc. Na fase contratual, a conduta leal implica em
vários deveres acessórios à obrigação
principal, e, na fase pós-contratual, implica em deveres posteriores ao término
do contrato – deveres post pactum finitum – como o de guarda
de documentos, fornecimento de material de reposição ou
informações a terceiros sobre os negócios realizados[114].
A todas
essas modificações no direito obrigacional não permaneceu
estranho o direito brasileiro, mormente com a aprovação do
Código Civil de 2002.
O novo
Código, como já salientado, tem como princípios a
socialidade, a eticidade e a operabilidade. Tudo isso a traduzir no campo
obrigacional um renovado conceito de obrigação, fundado na
boa-fé, assim descrito:
Art.
Art. 422. Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade
e boa-fé.
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados
conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.
Art. 2.045. Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916
- Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei
no 556, de 25 de junho de 1850.
O conceito
de obrigação no Código Civil de 2002 é assim
único, abrangendo as obrigações civis e mercantis
(revogada que está a primeira parte do Código Comercial) e
importa em uma guarda pelos obrigados dos princípios da probidade e da
boa-fé. O que significa dizer que, sendo a obrigação agora
uma totalidade que se desdobra para o adimplemento, por
cooperação necessária das partes, novos princípios
têm de ser concebidos para a regência desse novedio conceito de
obrigação.
A
obrigação não pode mais ser considerada como tendo por
escopo unicamente a prestação e a satisfação do
interesse do credor (sujeitando a liberdade do devedor), como no século
XIX, mas sim envolver uma totalidade de cooperação que, mais do
que salvaguardar a manifestação da vontade expressa (a
prestação), possibilite a manutenção do sinalagma
obrigacional, com o atendimento simultâneo ao interesse das duas partes e
da sociedade (compreensão hermenêutica decorrente da razão
totalizadora da função social do contrato)[115].
Destarte, a
proteção ao devedor avulta como causa favorabilis precípua
dessa nova ordem de valores. Ao devedor não se pode efetuar uma
constrição tal que impossibilite a consecução dos
valores existenciais e primordiais da pessoa humana, os quais estão
encartados em sede constitucional. Realizar sua proteção,
garantir um patrimônio mínimo de subsistência e
adequação social não significa, na ordem obrigacional do
Código de 2002, conduzir a um estatuto de desigualdade por vantagem
exagerada em favor de uma das partes em uma relação
jurídica (como era no século XIX na abordagem savigniana) mas sim
reconduzir, no reconhecimento material das desigualdades, a
obrigação aos seus fundamentos, alavancando os mecanismos
protetivos daqueles que, cooperando, são injustamente menos iguais[116].
A um
conteúdo nupérrimo da obrigação deve corresponder
uma novel ordem de princípios e, dentre estes, o princípio da
proteção ao devedor. Cabe nessa configuração
obrigacional verificar se a proteção ao devedor constitui um princípio
geral do direito das obrigações e, em caso positivo, em que
medida, tema este que será objeto do próximo tópico.
Para
averiguar se a proteção do devedor que decorre do favor
debitoris pode ser considerada um princípio geral do direito das
obrigações é necessário antes distinguir
princípios de regras.
Princípios
são pautas diretivas de um determinado ramo ou fração do
ordenamento. Estabelecem parâmetros, vetores, a partir dos quais as
regras serão aplicadas. Os princípios são normas com grau
de abstração relativamente elevado; as regras possuem
abstração relativamente reduzida.
Os
princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de
mediações concretizadoras (do legislador, do juiz, etc.) enquanto
as regras são suscetíveis de aplicação direta.
Princípios são normas jurídicas de
otimização, compatíveis com vários graus de
concretização, consoante condicionamentos fáticos e
jurídicos; regras são normas que prescrevem imperativamente uma
exigência. Princípios permitem um balanceamento de valores ou
interesses; a regra não deixa espaço para qualquer outra
solução pois se uma regra vale deve cumprir-se na exata medida de
suas prescrições.
Princípios
também têm importância estruturante dentro do sistema
jurídico, revelando mesmo uma proximidade da idéia de direito: os
princípios são standards juridicamente vinculantes radicados
na idéia de justiça; as regras podem ser normas vinculativas com
um conteúdo meramente funcional.
Os
princípios são, deste modo, fundamentos de regras, isto é,
são normas que estão na base ou constituem a ratio de
regras jurídicas, desempenhando, por isso, função
normogenética fundamentante e dispõem de uma capacidade
deontológica de justificação.
Larenz define bem as características dos
princípios ético-jurídicos e o processo de sua
formação:
«Esses
princípios possuem um conteúdo material de justiça; por
esse motivo podem ser entendidos como manifestações e
especificações especiais da ideia de Direito, tal como este se
revela na ‘consciência jurídica geral’, neste
estádio da evolução histórica. Enquanto
‘princípios’ não são regras imediatamente aplicáveis
aos casos concretos, mas idéias directrizes, cuja
transformação em regras que possibilitem uma
resolução tem lugar em parte pela legislação, em
parte pela jurisprudência, segundo o processo de
concretização e aperfeiçoamento de princípios mais
especiais mediante a formação de grupos de casos. Alguns deles
tem o escalão de normas constitucionais; outros, como o princípio
da “boa-fé’, estão expressos nas leis ou infere-se
delas, recorrendo à ratio legis, o fundamento justificante de uma
regulação legal. Enquanto critérios
‘teleológicos-objetivos’ são coadjuvantes para a
interpretação, bem como para a integração de
lacunas; aqui constituem o fundamento para uma analogia global e, por vezes,
também para uma redução teleológica.
Trata-se de um desenvolvimento
do Direito superador da lei de acordo com um princípio
ético-jurídico, quando um tal princípio, ou também um novo
âmbito de aplicação de tal princípio, é
conhecido pela primeira vez e expresso de modo convincente. O motivo para
isso constitui-o, as mais das vezes, um caso, ou uma série de casos de
igual teor, que não pode ser solucionado de um modo que satisfaça
a sensibilidade jurídica com os meios de interpretação da
lei e de um desenvolvimento do Direito imanente à lei»[117].
A
proteção do devedor é um princípio do direito das
obrigações porque constitui uma pauta diretiva a partir da qual
as regras serão criadas ou aplicadas. A doutrina e a
jurisprudência eram uníssonas, na vigência do antigo
Código Civil, em admitir a presunção de renúncia do
direito de credor pela tolerância deste a comportamento diverso do
devedor, o que acabou se positivando no art. 330 do novo Código Civil[118].
A teoria da imprevisão, em benefício do devedor, foi admitida em
nosso ordenamento[119]
apesar de não haver norma jurídica com essa previsão[120]
no Código anterior. Deste modo, como salienta Moreira Alves, tem-se o favor
debitoris como uma pauta diretiva, fonte supletiva de direito a permitir
que o juiz, na lacuna da lei e dos costumes, julgasse com base nele como
princípio geral de direito, criando-se, posteriormente, por lei, o
instituto que supriu essa lacuna[121].
Legislações
protetivas de um patrimônio jurídico mínimo que não
inviabilize a existência condigna do devedor são da lógica
do direito, consoante essa pauta diretiva[122].
A extinção da prisão civil por dívidas fora das
hipóteses constitucionais, a impenhorabilidade de tudo o que seja
útil ou imprescindível ao exercício da profissão do
devedor[123],
a impenhorabilidade do módulo rural e do bem de família, os
diversos institutos jurídicos do Código Civil, têm a
informá-los esse mesmo princípio da proteção ao
devedor.
A
proteção ao devedor constitui-se num princípio porque
também configura uma norma jurídica de otimização,
compatível com vários graus de concretização,
consoante condicionamentos fáticos e jurídicos. Desta maneira, o favor
debitoris informa o negócio concluído em estado de perigo,
mas é o juiz que irá, através de uma
mediação concretizadora, definir quando a obrigação
se tornou excessivamente onerosa, quando deveres laterais de conduta foram
violados ou em que medida houve aproveitamento da desigualdade das partes.
No caso do
art. 413, quando a penalidade houver de ser reduzida eqüitativamente pelo
juiz, são as condicionantes fáticas que a determinarão,
tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Na
definição do que seja a superveniência de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, capaz de comprometer o
equilíbrio das prestações, a concretização
condicional do princípio avulta com toda a sua força.
A forma do
art. 330 do Código Civil, ao prever que o comportamento concludente do
credor insere-se no programa contratual para exonerar o devedor de modo de
cumprimento do contrato anteriormente previsto, também evidencia que
é ao princípio da proteção do devedor, na sua
multifacetada configuração, que se está a recorrer.
No
Código de Processo Civil, o art. 620 prevê que, quando por
vários meios o credor puder promover a execução, o juiz
mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
É um princípio de ordem material mais do que processual, porque
seu escopo último é o de assegurar o sinalagma da
relação obrigacional. Deste modo, o princípio da
proteção incide para, por exemplo, no caso da penhora on line[124],
determinar que esta só se faça em última instância.
A noção de obrigação informada pela boa-fé
objetiva e sua realização através do favor debitoris
preconiza que se deve proteger o interesse do credor, e proporcionar-lhe a
satisfação de seu crédito o quanto antes, mas não
se deve cegamente perseguir tal pretensão e violar inúmeros
direitos do devedor, ofendendo diversas normas e princípio éticos
e jurídicos que regem a vida
A
interpretação protetiva favor debitoris evidencia-se
também no art. 265 do Código Civil, que estabelece não
existir presunção de solidariedade. Esta, de conformidade com a
legislação em vigor, apenas decorre da lei ou da vontade das
partes, o que significa que, em princípio, quando duas ou mais pessoas
assumem o pólo passivo de uma obrigação, cada qual
responde somente por sua parte, não aproveitando ao credor a
possibilidade de endereçar cobrança contra todos os devedores.
Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes e Heloísa Helena Barboza
são acordes em que o entendimento da desnecessidade de vontade expressa
das partes para instituir a solidariedade, a qual poderia resultar das
cláusulas do contrato de forma implícita, não se harmoniza
com o texto legal (v. arts. 914, 1.317), que pressupõe a
manifestação clara das partes[125].
Inexistisse o favor debitoris como princípio do direito das
obrigações, a interpretação de que o ato de
obrigar-se, sendo comum, a todos constrange, e, portanto, está contido
na vontade das partes, seria de aceitação induvidosa.
A
proteção ao devedor configura um princípio do direito das
obrigações porque tem uma relação direta com a
idéia de direito, atua como um standard juridicamente vinculante
radicado na noção de justiça. A obrigação
contemporânea, como visto, só pode ser pensada dentro de um quadro
de cooperação com vistas ao adimplemento e esta
cooperação só se torna possível quando se procura
manter, na medida do possível, as condições de dignidade e
o próprio sinalagma contratual com a parte mais fraca. Como assinala o
economista Pedro Malan, insuspeito de nutrir um viés protetivo para com
os devedores:
«A
suspensão do pagamento justifica-se apenas quando a dívida
externa representa um ônus desmedido. Esse é o caso de um conjunto
de países pobres altamente endividados, cujas economias não
prosperaram, seja porque foram devastados por guerras civis, seja porque foram
atingidos por condições meteorológicas adversas ou outros
fenômenos que afetaram negativamente o seu sistema produtivo.
Entre esses países encontram-se,
por exemplo, Moçambique e Nicarágua. O primeiro tinha uma renda
per capita de US$ 230, e o segundo, uma renda per capita de US$ 445, em 1988.
No mesmo ano, a dívida externa de Moçambique correspondia a 214%
do produto interno bruto, e a dívida externa da Nicarágua, a 280%
do produto interno bruto. A dívida externa bruta do Brasil, como
já se viu, representa 41% do PIB, e a dívida externa
líquida do setor público não chega a 10% do PIB.
A comunidade internacional, inclusive o
Brasil, reconhece que, nesses casos como o de Moçambique e
Nicarágua, não há como pagar o serviço da
dívida sem inviabilizar qualquer tentativa de recuperação
econômica. Por isso, o Brasil também apóia o perdão
da dívida externa para esses países, e inclusive já
perdoou a dívida de Moçambique e a da Nicarágua»[126]
É da
idéia de justiça, como assinalado no referido artigo, que decorre
a noção de que não se pode priorizar o direito do credor
em detrimento da própria viabilidade humana e econômica do
devedor. Daí o favor debitoris como princípio, que pode
chegar mesmo, em casos extremos, como os descritos, ao próprio
perdão da dívida.
A
noção de que o favor debitoris como princípio do
direito das obrigações funda-se na idéia de direito pode
ser comprovada por todo o excurso histórico que realizamos. É do
espírito de um ordenamento ao longo do tempo que se extrai –
conclusão a que se chega pelo exame do conjunto de normas que, num mesmo
âmbito, nele se encontram, ainda que possam sofrer exceção
circunstancial – a inspiração comum que o anima, os seus
princípios, como o presente da proteção à
debilidade jurídica ou econômica de uma das partes da
relação obrigacional[127].
Como
já visto, no ordenamento jurídico português e brasileiro
é expressa a proteção ao devedor ao longo do tempo[128].
O favor debitoris constituía regra corrente no direito brasileiro
anterior ao Código Civil de 1916, tanto que foi considerado por Carlos
de Carvalho como princípio geral de interpretação dos atos
jurídicos no direito das obrigações, preconizando-se nessa
interpretação que, nos casos duvidosos, em que não se
possa resolver segundo as regras estabelecidas, decidir-se-á em favor do
devedor (favor debitoris) (art. 288)[129].
No
Código Civil de 1916 tem-se um breve hiato marcado pelo individualismo
jurídico e pela doutrina do laissez-faire, não
recepcionando muitas das medidas de proteção ao devedor.
Não se encontram nesse código normas que admitam as
moratórias, o beneficium competentiæ, a cessio bonorum
como meio de extinção do débito (que se traduz numa
verdadeira datio in solutum coativa) ou vinculada ao beneficium
competentiæ, a querela ou a exceptio non numeratæ
pecuniæ, o benefício do inventário, a pena do credor
que cobrasse judicialmente antes do prazo, a lesão enorme, a
lesão enormíssima, o pagamento parcial coativo, bem como as que
vedem a usura, o anatocismo e as cessões aos poderosos[130].
O
Código Civil de 2002, não obstante, retoma a tradicional
estrutura protetiva, favor debitoris do direito brasileiro, ao prever a
boa-fé objetiva como fundamento do direito das obrigações,
o negócio realizado em estado de perigo, a idéia do abuso do
direito na acepção objetivista, a limitação dos
juros moratórios, quando não convencionados, o dispositivo de que
o valor da cominação imposta na cláusula penal não
pode exceder o da obrigação principal, a resolução
dos contratos de execução continuada ou diferida por onerosidade
excessiva, a lesão subjetiva, o preceito que estabelece que o devedor
pode alterar o local pré-determinado para o pagamento, sempre que
ocorrer motivo grave, a
oneração da cobrança indevida, etc.
Na
legislação processual civil, no campo da execução,
relembramos também os diversos mecanismos assegurados para a
proteção ao devedor, como a impenhorabilidade das
provisões de alimento e de combustível, necessárias
à manutenção do devedor e de sua família durante 1
(um) mês; os livros, as máquinas, os utensílios e os
instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de
qualquer profissão; o imóvel rural, até um módulo,
desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a
hipoteca para fins de financiamento agropecuário, o princípio da
responsabilidade do exeqüente, o princípio da certeza e liquidez do
direito, a regra impeditiva da penhora, se for evidente que o valor dos bens
encontrados seria absorvido totalmente pelas custas da execução,
a proibição da arrematação por preço vil e o
art. 620 do CPC, no qual se estipula que, quando por vários meios o
credor puder promover a execução, o juiz mandará que se
faça pelo modo menos gravoso para o devedor.
De todas
essas normas particulares de proteção ao devedor extrai-se o
espírito do ordenamento jurídico examinado. Da particularidade
das leis se volve à universalidade do direito. O espírito que
anima e envolve o direito obrigacional brasileiro é o de favorecer a
liberdade, numa cooperação com vistas ao adimplemento e, como
tal, impõe-se, historicamente e como princípio a
proteção do devedor decorrente do favor debitoris.
Como bem
conceitua Moreira Alves, deve-se evitar o rigorismo do apego extremado à
intangibilidade do pacta sunt servanda, quando ocorrerem
situações subjetivamente iníquas para o devedor em
decorrência da adoção de técnicas jurídicas
especialmente para a proteção do credor, as quais, se
admissíveis para as variações normais que se enquadrem nas
oscilações previsíveis, não deverão
sê-lo para as que resultem de situações acentuadamente
anormais que venham a impossibilitar o pagamento do débito,
impossibilidade que, sem essas circunstâncias, não ocorreria para
o devedor[131].
Por
último, o caráter de princípio da proteção
ao devedor decorrente do favor debitoris singulariza-se porque este
é o fundamento de regras, constitui a ratio de regras
jurídicas e possui uma capacidade deontológica de
justificação.
Moreira Alves,
em alentado artigo, discorre que o favor debitoris substancia a ratio
das regras jurídicas obrigacionais concernentes ao devedor no direito
visigótico, no Fuero Juzgo, no Fuero Real, nas Siete
Partidas, na Nueva Recopilación, na Novísima
Recopilación, no Código Civil espanhol de 1889, nos
Códigos Civis do Chile, Argentina, Uruguai, Colômbia, Venezuela e
também nos recentes Códigos Civis da Bolívia, Peru e
Paraguai[132].
Há,
deste modo, no direito ibérico e no direito latino-americano, uma mesma
tradição comum de proteção ao devedor que constitui
a ratio de todas essas regras de direito civil e de direito processual
nos diversos Códigos. É a expressão do favor libertatis
no âmbito do direito de crédito, um verdadeiro princípio no
que se refere às obrigações, como magistralmente sintetiza
Giorgio Del Vecchio ao referir-se ao valor absoluto da pessoa humana em suas
obrigações:
«O
conceito do valor absoluto da pessoa se revela, em todo o direito,
refletindo-se, ainda, em disposições particulares aparentemente
alheias a ele. O que antigamente se chamava favor libertatis, a respeito de uma
ordem especial de relações, pode entender-se, mais amplamente,
como princípio válido para todo o sistema jurídico, a
penetrá-lo por toda parte. Ainda que sejam numerosos os vínculos
jurídicos impostos aos indivíduos, presume-se que a regra
é a sua imunidade do vínculo. Na dúvida, interpretam-se
os pactos, no sentido menos gravoso para o obrigado»[133].
As
Décimas Jornadas Nacionais de Direito Civil realizadas na Universidad
Nacional del Nordeste, em Corrientes, na Argentina, em 1985, expressamente
estabeleceram através de sua Comissão nº 02 que: 1) o favor
debitoris é um princípio residual do direito civil que deve
ser entendido no sentido da proteção da parte mais débil
em um contrato; 2) em caso de que no contrato não exista uma parte mais
débil, a interpretação deve favorecer a maior
equivalência das contraprestações; 3) o favor debitoris
não se aplica às obrigações que têm sua
origem em um fato ilícito.
O jurista
argentino Rodolfo Vigo, em recente livro publicado no Brasil, versando sobre a
interpretação dos contratos civis, esclarece, justificando
deontologicamente, que a doutrina consolidou, através dos tempos, uma
série de regras que facilitam a busca, por parte do intérprete,
dos débitos e créditos que as partes poderão reclamar e
cumprir em virtude do contrato e, dentre estas, elenca a proteção
da parte mais fraca do contrato, entendida esta como a contemporânea
formulação do favor debitoris[134].
Insofismável,
em conclusão, que a proteção do devedor decorrente do favor
debitoris constitui um princípio geral do direito das
obrigações no direito brasileiro porque estabelece uma pauta
diretiva a partir da qual as regras serão criadas ou aplicadas nesse
ordenamento, requerendo para sua aplicação uma
mediação concretizadora do juiz ou do legislador. Ainda que
não positivado, funda-se na idéia de direito como o comprova o
desenvolvimento histórico dos seus institutos, atenua os rigores do pacta
sunt servanda, reequilibrando a noção de obrigação,
e consubstancia a ratio e a justificação
deontológica das regras protetivas do direito ibérico e
latino-americano.
É tempo de
formularmos as conclusões mais importantes desse trabalho, em
sínteses dos vários assuntos abordados, de modo que possam servir
de base para o aprofundamento dogmático do princípio da
proteção ao devedor no direito das obrigações:
1)
A expressão favor no
direito romano assume o significado daquilo que se desvia do rigor do direito. Essa
expressão denota a atitude do legislador e da jurisprudência de
favorecimento a uma situação especial que decorre de uma causa favorabilis, ou seja, a tendência a privilegiar esta situação,
pela sua relevância e importância dentro do ordenamento
jurídico, desde que a interpretação dada não seja
absolutamente destoante da lógica jurídica. A causa favorabilis da qual decorre o favor pode ser compreendida como aquela que, em
determinados ordenamento jurídico e época, possui um
apreço de bem objetivo, é um bem fundamental, e, como tal,
impõe a todos o dever de favorecê-la e defendê-la.
2)
No direito romano, sobretudo a partir do período cristão,
a interpretação assume nítido benefício em favor do
devedor, estabelecendo a regra iuris de que nas coisas obscuras atemo-nos sempre ao
que é o menos. Assim, o ius civile
romano desenvolve-se em um processo de crescente humanização, sob
o influxo do estoicismo, pelo apreço da humanitas e pela extraordinária benignidade
do espírito cristão, culminando no estabelecimento de uma efetiva
esfera diferenciada de proteção ao devedor, o que justifica
pensar, a partir dele, em um verdadeiro favor
debitoris.
3)
As normas de proteção do devedor romanas foram recebidas
no direito português através das Ordenações do Reino
e mesmo desenvolvidos institutos protetivos próprios no âmbito
destas. Deste modo, no direito português antigo, a tradição
do favor debitoris foi substancialmente mantida, passando deste
para o ordenamento jurídico brasileiro.
4)
No direito brasileiro pré-codificado, a proteção
do devedor encontrou forte abrigo em institutos como a disposição
de que no regime de comunhão legal não se comunicarão
entre os cônjuges as dívidas passivas anteriores ao casamento, a
lesão, a lesão enormíssima, a proibição da quota
litis, a querela non numeratæ pecuniæ, a cobrança
indevida, a proibição do pacto comissório referente a
garantias reais, a
disposição de que as penas convencionais não podem exceder
o valor da obrigação principal, o beneficium
compententiæ, na deductio ne egeat, a cessio bonorum, a
datio in solutum necessaria. Configurava assim o favor debitoris regra corrente no
direito brasileiro anterior ao Código Civil de 1916 e foi considerado
por Carlos de Carvalho como princípio geral de
interpretação dos atos jurídicos no direito das
obrigações, preconizando-se que, nessa
interpretação, nos casos duvidosos, que não se possam
resolver segundo as regras estabelecidas, decidir-se-á em favor do
devedor (favor debitoris).
5) No Código Civil de 1916 tem-se um breve hiato marcado pelo individualismo jurídico e pela doutrina do laissez-faire, não recepcionando muitas das medidas de proteção ao devedor. Não se encontram nesse código normas que admitam as moratórias, o beneficium competentiæ, a cessio bonorum como meio de extinção do débito (que se traduz numa verdadeira datio in solutum coativa) ou vinculada ao beneficium competentiæ, a querela ou a exceptio non numeratæ pecuniæ, o benefício do inventário, a pena do credor que cobrasse judicialmente antes do prazo, a lesão enorme, a lesão enormíssima, o pagamento parcial coativo, bem como as que vedem a usura, o anatocismo e as cessões aos poderosos. Não obstante, as normas jurídicas, nesse período, em diversos aspectos, sufragaram a proteção do devedor, principalmente na legislação extravagante.
6)
O Código Civil de 2002 retoma a
tradicional estrutura protetiva, favor debitoris, do direito brasileiro
ao prever a boa-fé objetiva como fundamento do direito das
obrigações, o negócio realizado em estado de perigo, a
idéia do abuso do direito na acepção objetivista, a
limitação dos juros moratórios, quando não
convencionados, o dispositivo de que o valor da cominação imposta
na cláusula penal não pode exceder o da obrigação
principal, a resolução dos contratos de execução
continuada ou diferida por onerosidade excessiva, a lesão subjetiva, o
preceito que estabelece que o devedor pode alterar o local
pré-determinado para o pagamento, sempre que ocorrer motivo grave, a
oneração da cobrança indevida, etc. Do mesmo modo, na legislação
processual civil, no campo da execução, sobretudo no art. 620 do
CPC no qual se estipula que, quando por vários meios o credor puder
promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo
modo menos gravoso para o devedor.
7)
A partir do Código Civil de
8)
Realizar a proteção do devedor,
garantir um patrimônio mínimo de subsistência e
adequação social não significa, na ordem obrigacional do
Código de 2002, conduzir a um estatuto de desigualdade por vantagem exagerada
em favor de uma das partes em uma relação jurídica (como
na abordagem savigniana do século XIX) mas sim reconduzir, no
reconhecimento material das desigualdades, a obrigação aos seus
fundamentos, alavancando os mecanismos protetivos dos que, cooperando,
são injustamente menos iguais. A um conteúdo nupérrimo da
obrigação deve corresponder uma novel ordem de princípios
e, dentre estes, o princípio da proteção ao devedor.
9)
A proteção do devedor decorrente
do favor debitoris constitui um princípio geral do direito das
obrigações no direito brasileiro porque configura uma pauta
diretiva a partir da qual as regras serão criadas ou aplicadas nesse
ordenamento, requer para sua aplicação uma mediação
concretizadora do juiz ou do legislador, quando não positivado, funda-se
na idéia de direito como o comprova o desenvolvimento histórico
dos seus institutos, atenua os rigores do pacta sunt servanda,
reequilibrando a noção de obrigação e consubstancia
a ratio e a justificação deontológica das regras
protetivas do direito ibérico e latino-americano.
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* Professor da
Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ,
Professor dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da UERJ,
Doutor
[1] JUSTINIANO. Cuerpo del Derecho Civil. Primera Parte. Digesto.
Tomo III. Tradução de Idelfonso García del Corral.
Fac-símile. Valladolid: Lex Nova, 1988, 238.
[2] ALVES, José Carlos Moreira Alves. As normas de
proteção ao devedor e o favor debitoris: do direito romano ao
direito latino-americano. Notícia do Direito Brasileiro. Nova
Série. Brasília, n. 3, p. 109-165, jan./jul., 1997, 112-113.
[3] «Ha de señalarse que el favor testamenti del Derecho
clásico llega a ser en el derecho posterior favor testantis, y los
textos de Justiniano contienen muchas decisiones en las cuales se hace eficaz o
lo que se entiende haber sido el deseo del testador, aunque esta
interpretación no sea verdadero resultado de lo que él há
dicho, o lo que sea necesario para evitar la sucesión intestada»
BUCKLAND, W. W. & McNAIR, Arnold. D. Derecho romano y Common Law: uma
comparación en esbozo. Madrid: Universidad Complutense, 1994,
160-161.
[4] JOÃO
PAULO II. Discurso aos membros do Tribunal da Rota Romana na
inauguração do Ano Judiciário de 2004. Disponível
em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/2004/january/documents/hf_jp-ii_spe_20040129_roman-rota_po.html.
Acesso em: 20 nov. 2005.
[6]BAÑARES,
Juan Ignácio. Comentario ao Canon 1060. In: MARZOA, A. & MIRAS, J.
& RODRÍGUEZ-OCAÑA. (orgs.) Comentario exegético al Código de Derecho Canónico.
Pamplona: EUNSA, 1997, 1083-1084.
[8] MEIRA,
Sílvio. A Lei das XII Tábuas: fonte do direito público
e privado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961, 170.
[10] Sobre a
matéria, ver no direito brasileiro, VELASCO, Ignácio M. Poveda. A
execução do devedor no direito romano. São Paulo:
Livraria Paulista, 2003.
[11] D. XVIII, 2,
63, pr. aqui e doravante citado de JUSTINIANO. Cuerpo
del Derecho Civil. Primera Parte. Digesto. Tomo III. Tradução
de Idelfonso García del Corral. Fac-símile. Valladolid: Lex Nova,
1988.
[13] PUGLIESE,
Giovanni. Instituzioni di diritto romano,
III. Il periodo postclasico e
giustinianeo. 2ª ed. Torino: Giappichelli, 1998, 975.
[17] C. IV,22,18. A condictio
indebiti era a principal e mais antiga condição do direito
romano. Era a condictio que sancionava a obrigação
resultante da indebiti solutio (pagamento indevido). Esta ocorria quando
alguém pagava alguma coisa por erro, porém sempre com a
intenção de liberar-se de uma obrigação, que na
verdade não existia. Configurava-se a condictio indebiti quando
houvesse a presença dos seguintes requisitos: a) que tenha havido o
cumprimento de uma obrigação que era suposta pelo sujeito (uma solutio),
isto é, o cumprimento de prestação para extinguir uma
suposta relação obrigacional; b) que essa solutio fosse
indevida, ou seja, que entre solvens e accipiens nunca tivesse
existido relação obrigacional ou, se já existiu, que
já estivesse extinta; ou ainda, que a prestação realizada
não fosse objeto da relação obrigacional existente; c) que
no cumprimento da obrigação ocorresse erro de fato
escusável; d) o accipiens deveria estar de boa-fé. Se
estivesse de má-fé, a ação seria outra (condictio
furtiva); e que a solutio não se referisse a uma
obrigação que, embora não existente, ensejasse
ação, em caso de o réu falsamente negar a dívida,
cujo valor fosse o dobro daquilo que realmente se devia, ou a obrigação
fosse eliminável por meio de exceção perpétua.
[18] FERRARI,
Francesco Antonio. L´usura: nel diritto, nella storia,
nell´arte. Napoli: Edizioni del
Giornale
[26] Assim, a
presença de uma cláusula obscura num contrato já celebrado
nos conduz à interpretação contra proferentem. Uma
cláusula pode ser também obscura por ser incerta em seus
próprios termos, por terem sido utilizadas expressões com duplo
sentido ou mais de uma acepção, de modo que em tais casos
não é possível conhecer o alcance real da cláusula
sem proceder a uma posterior aferição. As cláusulas que
admitam mais de um sentido devem ser entendidas naquele mais adequado para a
proteção do devedor, o que está em consonância com a
natureza e objeto do contrato. O caráter de obscura pode ser
também conferido à cláusula que, apesar de ser
determinada, no sentido de que as palavras ou termos utilizados não
deixem margem ao duplo sentido, a estipulação em seu conjunto sim
admite significados diversos, de forma que possa ser classificada de
equívoca, como quando se tende a mascarar o alcance efetivo para o
aderente das cargas e obrigações nascidas do contrato. A
equivocidade aqui referida não é a das palavras usadas, que podem
ser ambíguas em seu significado, mas a da cláusula em si mesma.
Têm a consideração de cláusulas ambíguas
aquelas que, apesar de aparentarem ser determinadas e não
equívocas, podem ser entendidas num sentido diferente, segundo sua
leitura se fizer isoladamente ou posta em relação com o resto de
cláusulas contratuais. Mais uma vez não se trata da
utilização de palavras de duplo sentido ou polissêmicas,
senão de saber se o resultado final da combinação e dos
termos ou expressões utilizadas na redação final da
cláusula pode variar o sentido da mesma. Em toda essa sorte de
estipulações, deve-se observar o que menos encargos traga para o
devedor.
[28] CÍCERO,
Marco Túlio. Tratado dos Deveres. Coleção Cultura
Clássica. São Paulo: Edições Cultura Brasileira,
s.d., cap. VII.
[30] COSTA,
Mário Júlio de Almeida. História do Direito
Português. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1996, 225-236.
[31] FREIRE,
Paschoal José de Mello. Curso de Direito Civil Portuguez. Anotado
por Antonio Ribeiro de Liz Teixeira. Coimbra: J. Augusto Orcel Editor, 1856,
33.
[33] Afonso V.
Ordenações Afonsinas, III, CXVIII. Fac-símile. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1984, 425.
[36] ALVES,
José Carlos Moreira. op. cit., 144; ver também Ordenações Afonsinas, III,
op. cit., 434.
[44] ROCHA, M. A.
Coelho da. Instituições de Direito Civil Português. Rio
de Janeiro: Garnier, 1907, v. II, § 737, 266.
[46] TELES,
José Homem Corrêa. Digesto Português, Rio de Janeiro:
Livraria Cruz Coutinho, 1909, art. 253.
[50] Ordenações Filipinas, IV,
70, op. cit., 880-881.
[54] FREITAS,
Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. 3ª
ed. Rio de Janeiro: H. Garnier Editor, 1896, XXX.
[55] FREITAS,
Augusto Teixeira de. op. cit. p. 49. Essa disposição da
Consolidação é contestada por Carlos Augusto de Carvalho
[56] Igual
disposição encontra-se em Carlos de Carvalho (art. 1498).
CARVALHO, Carlos Augusto de. Nova Consolidação das Leis Civis.
Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1899, 430.
[58] A respeito do
tema, esclarece Carlos de Carvalho que a lesão só pode ser
contemporânea ao contrato (art. 1071). CARVALHO, Carlos Augusto de. op.
cit., 318.
[59] A mesma
disposição é assente em Carlos de Carvalho (art. 1073,
§ 2º). CARVALHO, Carlos Augusto de. op. cit., 318.
[64] A mesma regra se
encontra
[66] Ou, no dizer
das Ordenações: com o que
razoavelmente se possa manter, segundo seu estado e condição, em
maneira que não pereça de fome, segundo o arbítrio do bom
juiz.
[67]
MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça. Doutrina
e prática das obrigações. V.1. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1911, nº 445, 744-747.
[70] Carlos
Augusto de Carvalho era expresso ao afirmar que o direito romano justinianeu,
de nítida inspiração protetiva, era fonte do direito civil
de caráter subsidiário (art. 5º, II, a). Do mesmo modo
fixava, fundado no Assentamento 321, de 02 de março de 1786, no
Alvará de 23 de fevereiro de 1771 e no Alvará de 15 de julho de
1755 que, no que concerne à aplicação e interpretação
das leis, as leis que tem em vista maior cômodo do Império se
entendem extensivamente, uma vez que não fiquem mais onerosas às
partes. CARVALHO, Carlos Augusto de. op.
cit. art. 5, 4.
[74]
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil Comentado. Vol. 1. 9ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1951, art. 70, 326.
[75]
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil
Comentado. Vol. 3. 8. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1951, art. 756,
358.
[76]
Ordenações Filipinas,
IV, 4, 70, pr. e §2º, in fine, bem como Regimento nº 737,
de 25 de novembro de 1850, art. 431; Teixeira de Freitas, Consolidação, art. 391; Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art.
246. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos
do Brasil Comentado. Vol. 4. 8ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1950, art. 920, 68.
[77]
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil Comentado. Vol. 4. 8ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1950, art. 957, 111.
[78] Perpetua assim
a tradição do direito das Ordenações, III, 35;
Teixeira de Freitas, Consolidação,
art. 828 e Carlos de Carvalho, Nova
Consolidação, art. 872. BEVILÁQUA,
Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado.
Vol.5. 8. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1952, art. 1530, 309.
[79] Igualmente
mantém-se nesse dispositivo a tradição, diferindo apenas a
sanção, como exposto no direito das Ordenações,
III, 36; Teixeira de Freitas, Consolidação,
art. 829 e Carlos de Carvalho, Nova
Consolidação, art. 872, § 2º.
[80] Idéia
que também já pode ser encontrada em germe na sétima regra
de interpretação dos contratos de Pothier: na dúvida, uma
cláusula deve interpretar-se contra aquele que tem estipulado uma coisa,
em descargo daquele que tem contraído a obrigação.
POTHIER, R-J. Tratado das obrigações pessoaes e
recíprocas. Tomo I. Rio de Janeiro: H. Garnier Editor, 1906, 64.
[81] Conselho da
Justiça Federal. Jornada de Direito Civil. Brasília:
Conselho da Justiça Federal, 2003, 192-193.
[82] Ordenações, IV, 70, pr. e
§2º, in fine, Regimento nº 737, de 25 de novembro de
1850, art. 431, Teixeira de Freitas, Consolidação,
art. 391 e Carlos de Carvalho, Nova Consolidação, art. 246, Código Civil de 1916, art. 920.
[83] O Superior
Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 11527 /
SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma,
julgado de 01/04/1992 fixou o princípio de que a redução
pelo juiz da pena convencional é norma de ordem pública,
inderrogável por convenção das partes no sentido de ser a
multa devida por inteiro em caso de inadimplemento parcial da
obrigação. Esclarece o STJ que a moderna doutrina e atual
jurisprudência se opõem à clássica doutrina civilística
da autonomia da vontade preferindo optar pelo caráter social de
proteção da parte presumidamente mais frágil. Lex STJ,
vol. 35, 185.
[84] A taxa de juros
a que o artigo se refere não poderá exceder um por cento ao
mês já que a taxa prevista no art. 406 é a do art. 161,
§ 1º, do Código
Tributário Nacional.
[86] Perpetua assim
a tradição do direito das Ordenações, III, 35;
Teixeira de Freitas, Consolidação,
art. 828 e Carlos de Carvalho, Nova
Consolidação, art. 872 e Código
Civil de 1916, art. 1530.
[87] Da mesma forma,
mantém-se nesse dispositivo a tradição, diferindo apenas a
sanção, como exposto no direito das Ordenações,
III, 36; Teixeira de Freitas, Consolidação,
art. 829 e Carlos de Carvalho, Nova
Consolidação, art. 872, § 2º e Código Civil de 1916, art. 1531.
[88] MIRANDA,
Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de
Processo Civil. Tomo XIII. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1961,
157-158.
[89] MIRANDA,
Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de
Processo Civil. Tomo X. Rio de Janeiro: Forense, 1976, 40-43.
[90] LIMA, Alcides
de Mendonça. Comentários
ao Código de Processo Civil. Vol. VI. Tomo II. Rio de Janeiro:
Forense, 1976, 667-672.
[91] CASTRO, Amilcar
de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VIII.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, nº 213, 150.
[92] ZAVASCKI, Teori
Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol 8.
2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 399.
[94] ZAVASCKI, Teori
Albino. op. cit., 400-401.
[95] STJ, AgRg na MC
8911 / RJ, Relator Ministro Francisco Falcão, Relator(a) p/
Acórdão Ministro Luiz
Fux, Primeira Turma, Data do Julgamento: 14/12/2004, Data da
Publicação/Fonte: DJ 21.03.2005, 214.
[96] STJ, AgRg na MC
8275 / RJ; Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Órgão
Julgador: Primeira Turma, Data do Julgamento: 29/06/2004, Data da
Publicação/Fonte: DJ 23.08.2004, 119.
[97] STJ, REsp
345725 / SP ; Relator Ministra Nancy Andrighi, Órgão Julgador:
Terceira Turma, Data do Julgamento:
13/05/2003, Data da Publicação/Fonte: DJ 18.08.2003, 202; RSTJ
vol. 181, 262.
[98] «L'idée de obligation a déjà été
établie ailleurs (a) de la manière suivante: Elle consiste dans
la domination sur une personne étrangère; non pas, cependant, sur
la personne tout entière (car elle aurait pour résultat
l'absorption de la personnalité même), mais sur des actes
isolés, qu'il faut considérer comme une restriction à sa
liberté et un assujettissement à notre volonté. Le
développement de cette idée doit porter, en partie sur les
personnes qui figurent dans l'obligation, en partie sur les actes auxquels
l'obligation s'applique» SAVIGNY, Friedrich
Karl von. Le Droit des Obligations.
T. 1. Paris: Auguste Durand Libraire-Éditeur, 1863, 16-17.
[99] «Dans toute obligation nous trouvons deux personnes placées
dans un rapport d'inegalité l'une vis à vis de l'autre. D'un
côté nous voyons la liberté personnelle étendue
au-delà de ses limites naturelles, comme domination sur une personne
étrangère; de l'autre côté, nous voyons la
liberté naturelle restreinte, comme un état d'assujettissement et
de contrainte (b). Nous pouvons envisager ces états opposés des
personnes, parties dans l'obligation, comme deux activités distinctes,
dont l'une consiste dans la prestation du débiteur et l'autre dans la
cœrcition (l'action) que peut employer le créancier. Cependant dans
cette conception, c'est l'activité du débiteur qui doit
être considérée comme le point capital, comme l'essence
propre de l'obligation, et celle du créancier comme l'accessoire. Car
dans l'obligation comme dans tout rapport de droit en général,
l'état normal et naturel consiste dans la reconnaissance et
l'exécution volontaire du droit, tandis que la lutte contre une
résistance injuste (la cœrcition, l'action) ne peut être
considérée que comme le redressement d'un état anormal
(c). C'est ainsi que le caractère essentiel de la
propriété consiste avant tout dans la domination illimitée
et exclusive de la personne sur la chose, et c'est un simple accident, lorsque
cette domination se manifeste sous la forme de la revendication exercée
contre un usurpateur» SAVIGNY, Friedrich
Karl von. Le Droit des Obligations.
T. 1. op. cit. 3, 17-18.
[100] Os juristas
clássicos têm muito clara a idéia de que o simples acordo
das partes, a conventio, não é suficiente para que surja o
contrato e, por conseguinte, o vínculo obrigatório; junto com o
acordo deve existir a causa, quer dizer, é preciso que a vontade
acordada das partes se ordene ao ato de troca, ao qual se vinculam determinados
efeitos jurídicos e conseqüências concretas.
Assim, a
noção romana de contractus não guarda
relação com a idéia moderna. Com o termo contractus,
os juristas clássicos designam não uma situação
subjetiva plúrima fundada na vontade e na liberdade de
estipulação, mas sim uma realidade objetiva na qual as
manifestações de vontade de dois ou mais sujeitos que tendem a um
mesmo fim devem amoldar-se a um estalão fixado de forma taxativa pelo ius
civile e encaminhado a constituir entre os manifestantes uma
relação de obligatio.
Muito pelo
contrário, concebendo a realidade do direito como estando in re,
os romanos descrevem tal natureza, ou seja, o regime do negotium: este
dependerá de cada tipo de negócio. No mutuum, empréstimo
entre vizinhos ou amigos, deve-se restituir o mútuo excluindo o
recebimento de qualquer interesse. A convenção não tem
neste nenhum papel: não pode modificá-lo. É simplesmente a
justiça objetiva, dita comutativa, que o estabelece assim em
razão da natureza do contrato. Mesmo nos contratos
"consensuais" o efeito do contrato é função da
natureza de cada negócio: se o vendedor deve dar garantias contra os
vícios da coisa vendida não é por que as partes assim o
tenham previsto, nem porque assim convencionaram. É o justo
equilíbrio nas prestações recíprocas que o
impõe, aquilo que o jurista romano persegue.
[101] «L’obligation, ou droit personnel, est un rapport juridique qui
assigne, à une ou à plusieurs personnes, la position de
débiteurs, vis-à-vis d’une ou de plusieurs autres, qui
jouent le rôle de créanciers et envers lesquelles elles son tenues
à une prestation positive (obligation de donner ou de faire) ou
négative (obligation de ne pas faire): envisagée du
côté du créancier, l’obligation est une
créance; considérée du côté du debiteur, elle
est une dette. Parfois, l’obligation est envisagée uniquement sous
ce second aspect; on dira, en ce sens, que telle personne est tenue de telles
obligations envers telle autre». JOSSERAND, Louis. Cours de Droit
Civil Positif Français, 3ª ed., II Vol., Paris: Sirey, 1938, 2.
[102] «La qualification que nous donnons aux actes, d'actes isolés, ne doit
pas être entendue en ce sens littéral que, dans tous les cas, chaque
obligation doive nécessairement se restreindre à un acte unique;
tout au contraire, l'obligation peut porter sur plusieurs actes isolés,
voire même sur un ensemble d'actes tels qu'ils représentent une
activité continue et collective. Encore doivent-ils toujours, dans leur
rapport avec le cercle de la liberté complète du débiteur,
apparaître comme un minimum; car, c'est cette situation seule qui nous
amène à concevoir l'assujettissement résultant de l'obligation,
sans que la personnalité même du débiteur soit
absorbée. Or cette nature des actes susceptibles de faire l'objet de
l'obligation peut être établie par deux sortes de
caractères, souvent liées l'une à l'autre: d'abord par
leur étendue; car, en fait, la plupart des obligations portent sur des
actes complètement isolés et transitoires, par exemple, celui de
payer une somme d'argent; ensuite par leur durée, car le plus souvent
l'accomplissement de l'obligation entraîne son extinction
instantanée, et dans ces deux cas il est évident que l'obligation
ne saurait avoir pour but final d'assujettir la personne, mais seulement
d'assurer l'exécution en provoquant son activité. Et même
dans le cas plus rares où l'obligation s'applique à des actes
continus d'une durée indéterminée, comme dans le mandat et
la société, on a pris soin, en établissant la
faculté de renonciation, de maintenir l'idée naturelle que nous
nous sommes faite des actes obligatoires» SAVIGNY, Friedrich Karl von. Le Droit des Obligations. T. 1. op. cit. 3, 18-19.
[103] «Quando todo
o povo estatui algo para todo o povo, só considera a si mesmo e, caso se
estabeleça então uma relação, será entre
todo o objeto sob um certo ponto de vista e todo o objeto sob um outro ponto de
vista, sem qualquer divisão do todo. Então, a matéria sobre
a qual se estatui é geral como a vontade que a estatui. A esse ato dou o
nome de lei. Quando digo que o objeto das leis é sempre geral, por isso
entendo que a Lei considera os súditos como corpo e as
ações como abstratas, e jamais um homem como indivíduo ou
uma ação particular. (...) Baseando-se nessa idéia,
vê-se logo que não se deve mais perguntar a quem cabe fazer as
leis, pois são atos da vontade geral, nem se o príncipe
está acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a Lei
poderá ser injusta, pois ninguém é injusto consigo mesmo,
ou como se pode ser livre e estar sujeito às leis, desde que estas
não passam de registros de nossas vontades». ROUSSEAU,
Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Abril Cultural,
1973, 60-61.
[104] SAVIGNY,
Friedrich Karl Von. Sistema del derecho
romano actual. Tomo II. Madrid: F.
Góngora Editores, 1879, 354.
[105] «Les
actes obligatoires ont en outre été indiqués comme
restreignant la liberté propre de l'une des parties. Examinée
à ce point de vue, l'essence des obligations nous apparaît comme
la transformation d'actes qui, jusque-là, devaient être
considérés comme des événements nécessaires
et certains. Même le but définitif de
l'obligation est de placer le créancier dans une position telle qu'il
puisse compter avec certitude sur l'arrivée de ces
événements» SAVIGNY,
Friedrich Karl von. Le Droit des
Obligations. T. 1. op. cit. 3,
21.
[106] SILVA,
Clóvis do Couto e. O direito civil brasileiro em perspectiva
histórica e visão de futuro. FRADERA, Vera Maria Jacob de. O direito
privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997, 19.
[107]
«Obrigação é a relação transitoria de
direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa
economicamente apreciavel, em proveito de alguem, que, por acto nosso ou de
alguem comnosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o
direito de exigir de nós essa acção ou omissão.
É uma definição, que deve a sua extensão á
necessidade de attender a todos os elementos essenciaes, que entram no conceito
de obrigação. (...) É uma relação
transitoria de direito, porque o devedor, cumprindo a obrigação,
della se liberta; o credor, recebendo o que lhe é devido, seja por pagamento
espontaneo, seja por execução forçada, nenhum direito mais
tem. (...) Que nos constrange. A
obrigação é uma limitação á
liberdade; é um direito contra uma pessoa. (...) A dar, fazer ou não fazer.
Quaesquer que sejam as espécies e modalidades de
obrigações, consistirão ellas sempre numa
actuação sobre a vontade do devedor para dar alguma coisa,
praticar algum acto, ou abster-se de o praticar» BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do
Brasil Commentado, 8ª Edição, Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1950, 6-7.
[108] Os
“costumes do tráfego” [Verkehrssitte], de natureza
discutida, são mais do que meros usos, mas menos que Direito
consuetudinário.
[109] SILVA,
Clóvis do Couto e. O princípio da boa-fé no Direito
brasileiro e português. FRADERA, Vera Maria Jacob de. O direito
privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997, 36-37.
[114] MOTA, Mauricio
Jorge Mota. A pós-eficácia
das obrigações. In: TEPEDINO,
Gustavo. Problemas de direito civil constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2000, 188-192.
[115]
Aproximar-nos-íamos então do conceito de direito dos romanos.
Para os romanos, o direito é um objeto exterior ao homem, uma coisa, a
mesma coisa justa (ipsa iusta res) que constitui o término do
atuar justo de uma pessoa, a finalidade da virtude da justiça. A conduta
justa do homem justo (dikaios, em grego) é a justiça em
mim, subjetiva; o direito (dikaion) é a justiça fora de
mim, no real, a coisa justa mesma, objetiva. O direito está assim fora
do homem, in re, nas coisas justas, de acordo com uma determinada
proporção, o justo meio objetivo.
O direito é,
deste modo, uma relação entre substâncias, por exemplo,
entre casas e somas em dinheiro que, numa cidade, repartem-se entre seus
proprietários. O direito é, com efeito, uma coisa exterior que se
extrai de uma natureza relacional entre duas ou mais pessoas que disputam bens,
encargos e honras. Assim, em um litígio, o direito será a justa
parte que corresponde a cada uma das pessoas envolvidas nele, o que significa
reconhecer que não somente resulta impossível concebê-lo
à margem das relações interpessoais, senão que,
também, este direito é necessariamente finito, limitado (é
a parte justa de uma relação concreta).
Ao direito antigo,
então, é estranha a nossa noção de direito
subjetivo e toda temática de direitos individuais como absolutos e
exclusivos de cada pessoa, sem conexão e, portanto, sem
limitação inicial alguma com os demais. O direito antigo, assim
pensado, não é rigorosamente individual; não supõe
para o indivíduo somente um ativo, só vantagens; meu direito,
isso que me deve ser dado, isso que eu mereço, não é
"subjetivo", não se refere somente a um indivíduo, implica
necessariamente uma relação entre indivíduos. É o
resultado de uma repartição. O direito apenas é um
atributo da minha pessoa, não é exclusivamente meu na medida em
que é primordialmente o bem de outrem.
O direito – o
justo de cada um – emerge de uma repartição concreta,
é uma proporção (justa, um igual [ison] ou analogon,
termo grego gramaticalmente neutro). Essa igualdade expressa, consoante a
matemática grega, uma cosmovisão integrada da totalidade,
não a constatação de uma simples equivalência de
fato entre quantidades, mas revela a harmonia, o valor do justo, uma certa
ordem que se discerne no caso mesmo e que se acha em conexão, em
última instância, com a ordem geral do mundo que é a
matéria da justiça geral.
[116] FACHIN, Luiz
Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001, 269.
[118] ALVES,
José Carlos Moreira. O favor debitoris como princípio geral de
direito. In: Revista Brasileira de Direito Comparado, nº 26, 03-23,
1º semestre de 2004.
[119] No Brasil,
já em 1938, o Supremo Tribunal Federal reconhecia a possibilidade de se
resolverem contratos por onerosidade excessiva, Revista dos Tribunais, nº 387, 177.
[120] «Diante da
alteração do ambiente objetivo no qual se formou o contrato,
acarretando para o devedor uma onerosidade excessiva e para o credor um lucro
inesperado, a solução só pode ser a
resolução do vínculo, operando ex nunc, substituído
para o credor o exercício, em forma específica, dos seus
direitos, pelo respectivo valor econômico. Dá-se, assim, como que
uma expropriação judicial dos direitos do credor, para evitar uma
iniquidade, com plena salvaguarda de suas legítimas expectativas, quanto
aos lucros que foram ou podiam ser previstos na data da
obrigação» FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e
teoria da imprevisão. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1943, 334-335.
[122] Como a lei
9533/97 que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos
Municípios que instituírem programas de renda mínima
associados a ações sócio-educativas.
[123] «Na
prática forense vem a impenhorabilidade sendo estendida ao direito de
uso do telefone que sirva a médico, ou a vendedor autônomo, ou
instalado em escritório de advocacia, ou a qualquer profissão
autônoma ou mesmo em residência, desde que, em qualquer destes
casos, necessário ou útil ao exercício da
profissão» FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do
patrimônio mínimo. op. cit., 233-234.
[124] A penhora on
line começa a ser utilizada nas Varas de Fazenda Pública,
como meio de bloquear as contas bancárias de contribuintes em
débito com o Fisco. Ela é o meio pelo qual o Poder
Judiciário determina o bloqueio das contas correntes do executado, para
assegurar a satisfação do crédito de eventual credor ou
exeqüente.
[125] «A
solidariedade não pode, portanto, ser presumida por
circunstâncias, tal como ocorre nas obrigações assumidas
por condôminos (art. 1.317 e 1.381), ou devidas a parentes (TJRS,
Apelação Cível Nº 591116389, 8ª Câmara
Cível, Rel. Des. João Andrades Carvalho, julg. 20.2.92), ou ainda
naquelas estabelecidas em conjunto, na mesma ocasião ou no mesmo ato. Se
não se presume, é certo que deve ser provada por quem a alega,
podendo esta prova ser feita até mesmo por testemunhas (art. 227 e art.
401 do CPC)». TEPEDINO, Gustavo & MORAES, Maria Celina Bodin de &
BARBOZA, Heloísa Helena. Código Civil Interpretado coforme a
Constituição da República. Vol. I. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, 545.
Contra: STJ, 3ª
Turma, Resp 234288/MG, DJ 28.2.00 P.80 Rel. Min. Eduardo Ribeiro; TJRJ, 5ª
Câmara Cível, Apelação Cível N.
1990.001.00374, Rel. Des. Humberto de Mendonça Manes, Julg. 8.10.96.
[126] MALAN, Pedro.
Para entender a dívida externa. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/2000/pr000903.asp.
Acesso em: 17.12.2005.
[128] Primeiro, no
direito português antigo, na interpretação do direito, como
Depois,
através de diversos institutos jurídicos como a cessio in
potentiorem, a cessio
bonorum, o beneficium competentiæ, a querela non numeratæ
pecuniæ, a lesão enorme (læsio enormis), a
lesão enormíssima (de origem canônica), a usura, o
anatocismo, a limitação das penas convencionais em
benefício do devedor que não podem exceder o principal, a
vedação da lex commissoria em se tratando de garantias
reais, o dispositivo prevendo que quem demandasse outrem por dívida
já integralmente paga ou pela parte recebida seria condenado a dar em
dobro o recebido, além de ser condenado no dobro das custas.
Em segundo lugar, no
direito brasileiro, a disposição de que, no regime de
comunhão legal, não se comunicarão entre os cônjuges
as dívidas passivas anteriores ao casamento, a lesão, a
lesão enormíssima, a
proibição da quota litis, a querela non numeratæ
pecuniæ, a cobrança indevida, a proibição do
pacto comissório referente a
garantias reais, a
disposição de que as penas convencionais não podem exceder
o valor da obrigação principal, o beneficium
compententiæ, na deductio ne egeat, a cessio bonorum, a
datio in solutum necessaria.
[132] ALVES,
José Carlos Moreira Alves. As normas de proteção ao
devedor e o favor debitoris: do direito romano ao direito latino-americano. Notícia
do Direito Brasileiro. Nova Série. Brasília, n. 3, 109-165,
jan./jul., 1997.
[133] DEL VECCHIO, Giorgio. Sobre os princípios gerais do direito. Separata da Revista de Crítica Judiciária.
Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1937, 38.